A morte da rainha Elizabeth II coloca em pauta uma reflexão sobre o parlamentarismo. O modelo do Reino Unido é o mais tradicional do planeta. Nesse sistema, a gerência estatal é dividida entre dois atores institucionais: um soberano (ou presidente da república) – que é chefe de Estado e o primeiro-ministro, chefe de Governo.
O chefe de Estado representa o país no teatro das relações internacionais. O chefe de Governo administra a infraestrutura da nação. Nesse arcabouço, há um detalhe fundamental: o mandato de um presidente – que é eleito pelo povo – é quase “imexível”. Já o premier, cuja indicação é uma prerrogativa do titular do Executivo, despenca com relativa facilidade. Para isso, basta um voto de desconfiança do parlamento. E, como se nota, num regime presidencialista é dura a missão do mandatário maior. Afinal, ele acumula os papéis simultâneos de chefe de Governo e chefe de Estado.
O povo brasileiro parece ter uma obsessão subliminar pelo parlamentarismo. Aqui, por qualquer motivo, sugere-se o impeachment do eventual morador do Palácio da Alvorada. Mas essa disfunção institucional é um processo traumático. Perde-se muito tempo. E, com isso, o rito do impedimento acarreta sérias consequências socioeconômicas. E tem um inconveniente a mais: o famigerado Centrão se aproveita da crise governamental para barganhar as manjadí$$imas contrapartidas por apoio.
O Brasil, no passado, até já realizou o seu sonho de consumo de verão. Na época do segundo império, havia um parlamentarismo meia-boca nesse paraíso tupiniquim. Mas era tudo para inglês ver. O imperador Dom Pedro II era absolutista.
A experiência mais pragmática, porém, ocorreu durante o mandato de João Goulart. A espalhafatosa renúncia de Jânio Quadros provocou uma grave comoção política. Os militares não admitiam a posse de João Goulart (Jango), o vice-presidente. O motivo é hilário: o político gaúcho seria trotskista ou stalinista. O fantasma do comunismo assombrava as noites mal dormidas dos fardados brasileiros. O mundo estava polarizado (EUA x URSS). Era tempo da chamada Guerra Fria. Pairava no ar uma perigosa ambição geopolítica. O planeta encontrava-se literalmente dividido entre capitalismo e comunismo. O popular Jango, porém, era um progressista de centro-esquerda, jamais comunista.
No dia do ato rocambolesco do “homem da vassoura”, Goulart encontrava-se em viagem pela China comunista de Mao Tsé-Tung. Voltou às pressas para o Brasil. Os milicos se assanharam de vez. Não aceitavam de jeito nenhum que o vice “vermelho” assumisse. Essa era a senha para o golpe que o suicídio de Getúlio Vargas impediu, em 1954. O impasse era o caminho natural para a ruptura.
Até que alguém apresentou a fórmula mágica para a superação do imbróglio: a implantação de um parlamentarismo. Essa alternativa minaria os poderes presidenciais. O establishment acatou a ideia. A novidade, porém, vigorou por curto espaço: de 8 de setembro de 1961 a 24 de janeiro de 1963. O Brasil teve três primeiros-ministros nesse intervalo: Tancredo Neves, Francisco Brochado da Rocha e Hermes Lima.
Um plebiscito botou ponto final na aventura parlamentarista no bananão. A consulta popular aconteceu em janeiro de 1963. Um total de 80% do eleitorado aprovou a volta do presidencialismo. Para variar, e como sempre, o povo não entendeu nada.
Em tempo: o premier Francisco Brochado não tem nada a ver com o presidente Jair Bolsonaro. Por motivos óbvios.