O teatro do descobrimento das cidades setecentistas de Minas Gerais tem tanto de romântico quanto previsível. O enredo padrão parece ter sido desenvolvido por uma Força Superior — a entidade que emana magia, encantamentos e vida. A história irremediavelmente se repete com uma precisão cronológica. Um aventureiro, mormente paulista, mergulha no interior do inóspito Campos de Cataguá (atual Minas Gerais) em busca de riquezas minerais.
A certa altura — depois de meses de intensa e cansativa jornada — o desbravador se depara com emblemática montanha. Esse acidente geográfico desponta no horizonte como repentina aparição sobrenatural. Um riacho de águas cristalinas — ponto natural dos primeiros contatos com pepitas de minerais preciosos — completa o cenário mítico.
As narrativas da tradição (ou conversa de rapsodos) garantiam que o nascimento de Itabira também seguiu rigorosamente esse script. Ledo engano. Aqui “o inesperado fez uma surpresa”. Em 1720, a comitiva dos irmãos bandeirantes — Francisco Faria de Albernaz e Salvador Faria de Albernaz — deparou com imensa formação montanhosa. Os nativos denominavam essa serra pelo vocábulo (do tupi) “Itapira” ou pedra ereta em português. O Pico do Itambé coroava a magnífica elevação rochosa. Essa ocorrência da natureza era prenúncio de um sítio alvissareiro logo à frente. Uma expectativa de ouro ou diamante.
Segundos os historiadores, os paulistas fundaram o arraial de Itabira do Mato Dentro. Já o cônego Raimundo Trindade registra a construção de rústica capela em louvor a Nossa Senhora do Rosário, em 1705, nas proximidades do Riacho da Penha. A edificação religiosa é obra dos padres Manoel do Rosário e João Teixeira Ramos. Como se vê — quando aqui chegaram — os Albernaz encontraram uma pequena comunidade liderada por sacerdotes garimpeiros. Esse tipo de aventureiros religiosos era muito comum no século XVIII.
Em 2005, Itabira, portanto, completou três séculos de existência. Então, a terra do poeta Carlos Drummond de Andrade ocupa a galeria das sociedades que deram origem ao estado de Minas Gerais. É fato muito relevante: o espírito original das Alterosas também se manifestou nesse solo promissor. Logo, Itabira é ator essencial na formação do paraíso das Gerais.
E qual o significado do 9 de outubro? Uma Simples oportunidade de ócio? Claro que não. Um evento histórico muito importante propiciou o eventual descanso (feriado municipal). Em terras mineiras há um costume convencional. O aniversário de municípios é sinônimo de emancipação política. Um exemplo. Ouro Preto foi descoberta em 24 de junho de 1698. Mas a sua data magna é 8 de julho — o dia em que Vila Rica recebeu o status de “cidade de Ouro Preto” —, em 1711. A antiga capital de Minas Gerais completou 325 anos de fundação, em 2023. A cidade monumental, porém, conta 312 anos.
Essa tradição prevaleceu também nas bandas de cá. Itabira de Mato Dentro foi distrito de Vila Nova da Rainha (atual Caeté) até 9 de outubro de 1848. Nessa ocasião, o lugarejo foi elevado à categoria de cidade. Sempre funcionou assim. Durante curto período, a demagogia do governo de Minas (ou clara bajulação) transformou Itabira em Getúlio Vargas. A ridícula alquimia política durou cinco anos (1942 a 1947). Ainda bem que essa passagem foi simples flash numa história maravilhosa. Ficamos assim. Itabira: ontem, hoje e sempre!!!
PS1: o nome Itabira (pedra brilhante) tem razão de ser. O tupi era predominantemente falado em todo o território nacional, desde o descobrimento do Brasil. Essa situação prevaleceu até meados do século XVIII. O português só era utilizado em documentos oficiais. Em 1750, uma medida administrativa de Sebastião de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) que proibiu o estudo do idioma nativo nas escolas da colônia (colégios dos jesuítas). E mais. Determinou o ensino compulsório do português. O secretário de Estado do Reino praticamente obrigou o uso da língua de Camões (neolatina) em terras tupiniquins.
PS2: o meu padrão de comparações — por motivos óbvios — é sempre Ouro Preto. Desculpem-me, mas não tenho outro.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.