O ser humano é a maior das complexidades. O conjunto da obra (corpo e imaterial) é de difícil entendimento. A estrutura física tem funcionamento sofisticado, mas com intensa fragilidade. Tanto que irremediavelmente perece. A finitude é perturbadora. Já a essência fundamental parece perene. O insuspeito Platão sempre admitiu a imortalidade da alma.
O gênero humano não é uma sumidade. A suposta “obra-prima” da criação (o homem e mulher) é uma entidade naturalmente belicista. A tendência homicida é característica peculiar do “animal hegemônico” do planeta. Outros espécimes matam por instinto de sobrevivência. O homem aniquila os seus semelhantes (e até animais irracionais) — na maioria das vezes — por motivos torpes.
A vida funciona assim nesse excepcional asteroide, que muitos garantem ser planeta. A divisão do cosmos em estrelas, planetas, cometas, sistemas solares e outras basbaquices é produto do imaginário da comunidade científica. Apelidem os corpos celestes da forma que melhor entenderem. Essas nomenclaturas não alteram em nada a ordem natural das coisas.
Uma situação caótica é muito clara. O mundo está virando um péssimo lugar para se viver. O velho planeta azul anda “quente, imundo e fedororento”. A Terra vai se transformando lentamente numa horrorosa esfera marrom. No futuro, esse globo achatado será apenas mais um maltrapilho no infinito. E, para complicar, os moradores daqui (os tais terráqueos) nunca se degradaram tanto espiritualmente. Um exemplo. A prática do homicídio é ostensiva banalização. Uma perversa ostentação.
E como sobreviver num cenário tão calamitoso? A receita para encarar essa terrível adversidade talvez se encontre na cultura clássica (greco-romana). O segredo mora em Hélade (nome original da Grécia). A tradição helenista — com os seus mitos e filosofia própria — era exclusividade das cidades- estado (Esparta e Atenas principalmente). A Ilíada e Odisseia de Homero foram produções literárias (ou epopeias) típicas daquele espaço geográfico. Assim como a primorosa Teogonia de Hesíodo. A convivência com Sócrates, Plantão e Aristóteles (dentre outros) foi privilégio dos antigos gregos.
O mal — em algumas oportunidades — é um bem providencial. A invasão da Grécia pelos romanos mudou os rumos da humanidade. O evento dramático teve como consequência o cosmopolitismo da cultura grega. Esse quadro se consolidou com o domínio da Magna Grécia (cidades gregas do Sul da Itália). E nunca mais nada foi como antes era. O Império Romano sofreu profunda influência helenista em todos os segmentos: filosofia, arquitetura, literatura, política, gramática, teatro, escultura, música e canto. O sincretismo religioso se impôs espontaneamente. Dois exemplos emblemáticos. Afrodite- a deusa grega do amor- se metamorfoseou em Vênus (nada a ver com Ovídio). Zeus, entidade suprema do Olimpo, virou o júpiter dos romanos.
Ainda bem que o estoicismo e epicurismo entraram em cena nessa configuração histórica. O estoicismo de Zenão de Eleia e o epicurismo de Epicuro de Samos floresceram nessa fascinante sociedade da idade antiga. Estoicismo é a primazia do pragmatismo. “O importante é procurar paz e felicidade em meio às crises existenciais”, ensinavam os pensadores dessa escola filosófica. Isso significa adaptação às circunstâncias. É o jogo jogado. O triunfo da razão.
O epicurismo, por sua vez, apresenta um catálogo com prescrições para o bem-estar pessoal (os cânones). Para Epicuro, o homem deve evitar a dor (aponia) e perturbação (ataraxia). A fórmula do sucesso é viver com o natural necessário, sem exageros. Um exemplo. Se você se satisfaz com uma alimentação comezinha, por que se empanturrar em sofisticados banquetes?
E aqui vem a famosa cereja do bolo. O filósofo de Samos tem singela sugestão para a vida plena ideal: “evite o tumulto dos grandes centros urbanos. Procure a paz, harmonia e suavidade do campo. Entre em sintonia com a natureza. Ande com os animais”. Mas atenção. O intelectual grego não sugere a solidão extrema. Para ele, correto é o convívio com pessoas de mentalidade sadia (gente de fino trato). Enfim, o epicurismo recomenda a procura de valores em cada momento da existência. A vida deve ser desfrutada com prazer controlável (beba com moderação). Essa máxima também atende pelo nome carpe diem — ou aproveite o dia e colha os frutos mais adocicados no pomar do cotidiano. Há sempre uma saída para tudo. Carpe diem.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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