A imprensa nunca existiria se não fosse imparcial, diziam jornalistas de meu tempo, mil novecentos e Kafunga. Meu amigo Mauro Santayana, hoje em Brasília, com quem aprendi muito nas andanças pelos jornais de Belo Horizonte, sempre contesta a isenção. Jornalista nato, Santayana explica que a imprensa perde a escolha do parcial/imparcial quando escolhe ou outro o faz, sua pauta de trabalho.
É verdade, penso comigo, o repórter é guiado pelo cheiro da notícia, mas se houver algum interesse político, ou social, ou econômico, a matéria ou vai para o lixo ou para a impressora. No Diário de Minas, em 1962, trabalhei de graça, apenas estagiando.
Toda vez que ia reclamar com Maurílio Brandão, o editor, de minha situação — morava na casa de um tio na Pampulha e meu meio de transporte era, inacreditavelmente, um tênis velho — ele, magro como um guarda-chuva (e vestia terno preto) me dizia: “Quando publicarmos suas matérias seguidamente na semana, mandarei assinar a sua carteira”.
Nunca fui promovido do nada ao meio do caminho porque, apesar de trabalhar com o baluarte do setor policial, Vargas Vilaça, famoso repórter, sobravam-me reportagens pouco interessantes. Só consegui ser elogiado no jornal uma vez, quando escrevi sobre Jesus Cristo, na Semana Santa. Acho que o Rei dos Reis apertou meus dedos no teclado da Olivetti e fui o “foca da semana”. Depois, ocupava meu espaço a rotina de copiar BOs nas delegacias, prontos-socorros e Dops, assuntos batidos e repetidos, sem graça e sem sal.
E ainda fui demitido porque descobriram que arrumei um “bico” (e que bico!) no Estado de Minas, onde trabalhava nas noites/madrugadas, na revisão. Fui recrutado por um primo, João Lintz Brandão, amigo que me levava para sua casa no desamparo de minhas noites turbulentas pela boêmia belo-horizontina. Brandão, infelizmente, sumiu de meu convívio.
Tudo o que acabo de narrar talvez nada tenha a ver com o tema proposto: a imprensa acabou mesmo ou sobrevive? Minhas observações: nos velhos tempos não tínhamos preferências políticas, nem ideologias de bestas, éramos escravos do jornalismo, simplesmente profissionais. Mas, seguindo os critérios postos na mesa por Mauro Santana, podíamos ser também isentos de culpa por total ausência do interesse pessoal.
Então, já posso concluir que a imprensa é mais tendenciosa nos grandes centros que no interior. A bem da verdade (a verdade não tem mal) é preciso dizer que fazer imprensa nas pequenas e médias cidades é mil vezes mais difícil que em qualquer capital do mundo.
E Itabira, onde fui colaborador de jornais (O Passarela, Folha de Itabira, Hora H), A Notícia (João Monlevade), assessor de imprensa da Vale e diretor, editor e entregador da DeFato não era exceção. O sujeito que se julga dono do mundo, que sua experiência não passa pela peneira de assuntos delicados, esse pode, sim, proferir qualquer mentira deslavada. Contudo, não tem alicerce para emitir críticas, sequer construtivas, quanto menos elogiosas, jamais com gosto de despeito. Mas tem puxa-saquismo sobrando.
Para encerrar, quero promover o repórter itabirano ao posto de herói. Ele recebe pauladas fortes nas mesas de bares, nos palanques, nos salões de beleza, nas esquinas e velórios. Não tem salvação porque se pender para o outro lado, será pior, seus rivais comentam, inapelavelmente: “Está vendo aquele coitado assentado e bebendo no bar? Pois ele é o maior ‘chapa branca’ que perambula por aí desde quando Itabira se chamava Presidente Vargas”.
Exagero à parte, o artigo da Semana Santa me ajudou quando o redator-chefe resumiu sua frase: “Nada de escrever sobre Jesus Cristo como devoto, quero um texto imparcial!” Então, lhe perguntei no meio da despedida: “Contra ou a favor?”. Maurílio quase me excomungou. Mas publicou a narrativa, só favorável, com chamada na primeira página do Domingo da Ressurreição: “ELE SÓ É REI PARA QUEM TEM FÉ”. Amém.