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A inesquecível Semana Santa de Ouro Preto e o meu desencanto com as religiões

A inesquecível Semana Santa de Ouro Preto e o meu desencanto com as religiões

Foto: Rodrigo Câmara/Divulgação

Passei a minha infância e adolescência sob rígida influência da religião Católica. Recordo, com intensa nostalgia, das grandes celebrações litúrgicas, no interior das igrejas setecentistas de Ouro Preto. Havia muita pompa e luxo nas cerimônias. Ainda hoje, o forte cheiro de incenso persegue o meu olfato. Até parece que o sacro produto ficou impregnado em minha pele.

Fui testemunha de um tempo mágico e místico. Sou um privilegiado. Vi o sacerdote, com paramentos crivados de ouro e diamante, pronunciar frases ininteligíveis em latim. O coral também entoava seus cânticos no idioma morto. O maravilhoso repertório barroco do compositor Lobo de Mesquita ecoava por todo o interior da igreja de Nossa Senhora do Pilar, a mais expressiva joia do barroco mineiro.

O padre permanecia de costas para a nave durante todo o ofício da missa. Não existia a mínima interação com o público. Os fiéis eram os componentes submissos de toda essa trama. Ninguém entendia o que o sacerdote dizia. Apenas os coroinhas pronunciavam algumas frases mecanicamente. Era o real e definitivo triunfo da “decoreba”. A síndrome do papagaio. E o celebrante, abrindo os braços, exclamava: “dominus vobiscum”. A resposta dos jovens auxiliares da celebração brotava na ponta da língua: “et cum spirito tuo”. As campainhas- agitadas freneticamente- davam um tom de alerta a esse momento de fé e incompreensão. Aprendi, com tudo isso, que para crer não era necessário entender. Bastava se encantar com o ritual.

O sermão era o único momento de supremacia da nossa neolatina (a língua portuguesa). Eu ficava literalmente apavorado quando padre Simões anunciava coisas terríveis sobre o Apocalipse. Aquela voz imensa- firme e potente- ecoava ameaçadoramente pelos quatro cantos da matriz da padroeira de Vila Rica (Hoje, Basílica do Pilar). Aquela conversa de trombetas tocando e estrelas despencando do céu roubava literalmente o meu sono de menino. Imaginava que, a qualquer momento, começaria o Juízo Final. Então, contabilizava os meus pecados para ver se tinha alguma chance de escapar do fogaréu do inferno.

As procissões eram espetáculos inigualáveis. Os católicos ouro-pretanos se esmeravam na preparação dessas solenidades. A Procissão do Enterro de Cristo, na Sexta-Feira da Paixão, começava por volta da meia-noite, logo após a encenação do drama do Gólgota, no largo da Igreja de São Francisco de Assis, obra-prima do Aleijadinho. O cortejo percorria as principais ruas íngremes do centro da cidade. Era tudo muito triste, doloroso e até desesperador. Um silêncio profundo dominava a paisagem. Apenas ouviam-se os sons das irritantes matracas e as batidas cadenciadas das lanças dos guardas romanos nos paralelepípedos. Um negro esquife conduzia a imagem horrenda de Jesus morto. As figuras barrocas têm uma expressão apavorante. Essa maratona tétrica só acabava por volta das três horas da manhã, já no Sábado de Aleluia. Era tudo muito cansativo e extenuante. No final das contas, sentíamos mais mortos que o próprio Cristo.

Mas o tempo passou. Minha profunda admiração por tudo isso se perdeu na inevitável bruma do tempo e já nem sei qual é a minha crença. Parte considerável da minha formação intelectual, moral, ética e ideológica vem do catolicismo. Hoje, porém, afirmo com todas as letras: as religiões são o grande desencanto da minha vida.

PS: também frequentei, ainda em Ouro Preto, durante muito tempo, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, atualmente Santuário Arquidiocesano. A minha família morava nas proximidades. Esse templo era uma fábrica de bispos. Dois sacerdotes atuavam na paróquia, na ocasião: padre Francisco Versiane Velloso- mais tarde Dom Velloso, o primeiro bispo da Diocese de Itumbiara, Goiás e padre Francisco Barroso Filho, hoje com 92 anos. Dom Barroso é bispo emérito da Diocese de Oliveira.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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