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A marcante diversidade artística do itabirano Genin Guerra

A marcante diversidade artística do itabirano Genin Guerra

Foto: Arquivo pessoal

O artista plástico Eugênio Quintão Guerra- o Genin- se confunde com os seus próprios traços: elegantes, firmes e suaves. É autêntico itabirano. Calmo, ensimesmado e muito bem-humorado. É daquelas pessoas boas para intermináveis conversas.

A sua trajetória inicial foi com cartum, charge e caricatura. E tudo começou no jornal “Cometa Itabirano”, no final da década de 1970. Ele teve ainda uma breve passagem pela Escola de Belas- Artes da UFMG. Não concluiu o curso.

Genin é engenheiro civil de formação e exerceu a função por apenas cinco anos. Essa escolha profissional fazia parte do imaginário do itabirano da década de 1970. Foi uma motivação simbólica, além do gosto pela matemática: “eu, como todo itabirano, sonhei ser engenheiro para trabalhar na Vale e levar uma vida boa, aquele negócio de ser um doutor com motorista particular. Eu estava iludido e imaginava que aquilo (ser engenheiro da Vale) seria a garantia do meu futuro”, relembrou. Com o tempo, o chargista tomou gosto pela escultura. As obras dele, em bronze, estão espalhadas por Itabira, Belo Horizonte e outras cidades do interior de Minas Gerais.

Até que Genin se inovou (mais uma vez) e enveredou-se para a literatura. E fez diferente. Criou caricaturas em cerâmica dos principais compositores da história da MPB. O trabalho- que durou uma década- se transformou no livro “SOLO- Álbum das Glórias Musicais”.

As esculturas das caricaturas estão em exposição no foyer da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, até 28 de fevereiro. Na semana passada, Genin esteve na redação da DeFato para um bate-papo. Na ocasião, relembrou os 40 anos de sua consagrada carreira artística. Confira a seguir.

Você é engenheiro civil de formação, mas exerceu a função por muito pouco tempo. Como explicar essa mudança da área de engenharia para as artes plásticas, onde já conta com 40 anos de carreira?

Na verdade, eu desenho desde muito pequeno. Eu era muito ruim de bola. Então, preferia ficar em casa desenhando do que ficar pegando no gol, já que todo perna de pau só servia para ser goleiro. Enquanto os colegas saíam para jogar bola, eu ficava em cassa desenhando naqueles papéis de embrulhar pães. Então, a minha vida sempre foi desenhar. Mas eu, como todo itabirano, sonhei ser engenheiro para trabalhar na Vale e levar uma vida boa, aquele negócio de ser um doutor com motorista particular. Eu estava iludido e imaginava que aquilo (ser engenheiro da Vale) seria a garantia do meu futuro. Mas eu também era muito bom em matemática. Então, a engenharia, naquela época, foi uma opção muito natural. Mas nunca deixei de fazer os meus rabiscos pela vida afora. Inclusive, comecei a cursar Belas- Artes na UFMG, mas não concluí.

Mas você se destacou até nacionalmente como um talento da charge, cartum e caricatura. Em alguma oportunidade, você já produziu quadros a óleo?

Não, nunca pintei quadros. Eu comecei mesmo foi com o cartum, no “Cometa Itabirano”, em 1979, que foi um ano muito especial porque representou uma transformação de costumes, ainda com a influência dos Beatles. Enquanto isso, aqui no Brasil, ainda estávamos na Ditadura Militar. Nessa época (anos1970), a gente nem tinha como se expressar. No bairro Pará, ouvíamos rádio, mas a censura era generalizada. Até para você ler um livro, na Eemza (Escola Estadual Mestre Zeca Amâncio), tinha que ter muito cuidado. Por exemplo, Menino de Engenho (de José Lins do Rego) a gente não podia ler porque era considerado pornográfico. Mas, naquele tempo, muitos dos meus colegas já estavam vivenciando o Movimento Estudantil e o Movimento Cineclubista, em Belo Horizonte. Então, tentamos trazer todas essas novidades aqui para Itabira, onde fundamos o Cineclube Lima Barreto.

Então, você era estudante de engenharia e, simultaneamente, fazia charges para “O Cometa”….

Bem antes disso, quando estudava no Colégio Estadual Central, em Belo Horizonte, eu já fazia cartazes para os festivais da canção, que aconteciam na capital mineira. Então, durante os seis anos que estudei lá, eu fiz cartazes para esses festivais. E, também lá (em BH), eu participava do jornal “O Centro Cívico”, também do Colégio Estadual Central. Naquela época, eu era estudante do Científico (atual ensino médio). E, nesse jornal, eu fazia matérias e também ilustrava. Isso muito antes de O Cometa. Já no Cineclube, eu comecei a fazer caderninhos de cinema. No Cometa, eu comecei a fazer charges também…

Aí você se enveredou para a política porque, no Cometa, as charges tinham, principalmente, uma forte motivação política, não é isso?

É… O Cometa era declaradamente contra a ditadura…

E até, naquelas circunstâncias, um jornal muito corajoso, bastante ousado. Inclusive, O Cometa enfrentou sérios problemas, durante a ditadura…

A redação do Cometa já foi invadida por policiais. Foi um tempo muito complicado. Até o Cineclube, o pessoal via como uma coisa meio subversiva. Quando fiz o cartaz para “O Cangaceiro”, um filme dirigido por Lima Barreto e até premiado no Festival de Cannes, um delegado- lá de Santa Maria de Itabira- quis saber o que havia por trás daquele desenho do cangaceiro. Sempre havia essa paranoia. Mas, da turma do Cometa, só eu desenhava. Então, eu acabei fazendo charges e ilustrações.

E, como se nota, você é um artista muito eclético, já que cria charges, cartuns e caricaturas. Você teve alguma fonte original de inspiração?

Tive influências de Ziraldo e Jaguar, mas o principal (inspirador) foi Edson Ricardo, que era o cartunista do Diário do Comércio. Ele me levou para substituí-lo numas férias, então fui pegando aquela coisa de um jornal diário, que era fazer charges todos os dias. Mas ele (Edson Ricardo) também ajudou muito no Cometa, nos primeiros projetos gráficos. Até hoje, Edson está em atividade, lá em Pernambuco, onde é diretor da Imprensa Oficial. É um cara supertalentoso, que abriu portas para a minha carreira. Eu trabalhei por oito anos no Diário do Comércio, onde fui editor de arte. Era um jornal muito bom, mas, como você sabe da história, quando morreu o Zé Costa, que foi o fundador (do jornal), a coisa começou a se complicar. Aconteceu uma série de tragédias por lá, inclusive o assassinato do diretor- presidente do jornal (Marcílio Gonçalves) e sua mulher (Raquel Gonçalves), por um dos filhos do casal. A partir daí, O Diário do Comércio começou a atrasar salários. Eu cheguei a ficar dez meses sem receber. Aí eu resolvi sair e comecei a trabalhar como autônomo.

E, a partir daí, você não mais trabalhou regularmente em órgãos de imprensa?

Passei a trabalhar apenas como freelancer. Eu fiz o Gazeta Mercantil e trabalhei para o Hoje em Dia, mas sempre por curtos períodos, às vezes substituindo alguma pessoa. Fiz também um trabalho de charges animadas para a Rede Globo, mas foi uma experiência muito difícil. Um jogo de futebol era às dez horas da noite e uma da tarde, no dia seguinte, a animação tinha que estar pronta. E, em televisão, o horário é muito rigoroso. Eu ficava praticamente sem dormir.

E como Genin define o traço de Genin?

Ah, nem sei, viu, rapaz! Não sei te falar, não.

Qual seria a característica de Genin? Se você fosse um crítico de arte, como definiria a obra de Genin?

Eu acho que sou muito inquieto nessa questão. Como você mesmo disse, sou eclético. Eu trabalhei muito tempo em jornal, que é um processo industrial. Quando você atrasava, também atrasava toda a sequência da produção (do jornal). Então, a informática passou a ser uma ferramenta crucial. Eu não tinha o original da minha obra. Eu fazia, escaneava e trabalhava no photoshop. Aconteceu até um episódio curioso: numa ocasião, Itamar Franco, que era governador, gostou de uma charge que fiz dele. O governador, então, pediu para que o assessor de imprensa do Palácio da Liberdade fosse à redação e pegasse o original para ele (Itamar). Aí complicou. Eu não tinha o original. Por conta de tudo isso, resolvi partir para uma coisa totalmente artesanal, que é a cerâmica.

E por falar nesse interesse de Itamar Franco- que fazia a festa dos cartunistas devido ao exuberante topete- alguma charge sua já provocou atritos com algum político?

Sempre há algum descontentamento, mas nunca aconteceu algo de muito sério. Às vezes, acho que a gente até erra. Mas nunca houve algo de mais sério, nesse aspecto. Essa charge do Itamar, por exemplo, nem era para ele ter gostado…

Você deve ter caprichado no topete…

Com certeza.

Você passou por uma transformação radical-embora dentro das artes plásticas- que foi a migração da charge e cartum para a escultura. Como aconteceu esse processo?

Lembrando que eu fui estudante de Belas- Artes, então já estudei escultura. E era uma coisa paralela mesmo (desenho e escultura). No Cometa, era uma coisa (charges e cartuns) e a minha vida, lá na escola, era outra. Então, isso sempre andou junto (charge e escultura). O interessante é que assisti aulas de escultura, na Escola de Belas- Artes, na UFMG, mas isso nunca me interessou. Até que um dia, a minha sogra, que já estava viúva, me apresentou uma imagem de Santo Antônio sem cabeça (nem sei se ela estava querendo se casar de novo), e pediu para que eu restaurasse a imagem. Aí, eu comecei a testar materiais e fui gostando daquilo. E, a partir de então, iniciei com a escultura…

Então, a escultura entrou na sua vida praticamente de uma forma acidental..

É isso mesmo. O tal Santo Antônio fez o meu casamento com a escultura. A partir daí, comecei a fazer pequenas peças. O mais curioso é que fui ao Cemitério do Bonfim (região Noroeste de Belo Horizonte) porque eu sabia que algum profissional da fundição trabalhava no local. Conheci o Sr Vicente, que, na época, fazia aquelas placas de identificação de túmulos. E, a partir dali, ele começou a fazer as reproduções em bronze para mim. E, até hoje, eu trabalho com o sr Vicente. Hoje, praticamente, são os filhos dele que estão mexendo com as fundições. Essas esculturas do Drummond (em vários pontos de Itabira) e o Monumento ao Tropeirismo (em Ipoema) foram feitos em pareceria com ele (Sr Vicente). É uma pessoa da minha extrema confiança.

E qual foi a sua primeira escultura?

A minha primeira escultura, de tamanho pequeno, em bronze, foi um drummonzinho sentado no chão. Fiz o primeiro modelo em durepoxi e, depois, mandei reproduzir em bronze.

E Carlos Drummond sempre uma fonte de inspiração…

Claro, não tem como evitar essa inspiração…

Mas existe também essa sua vertente na cerâmica…

O bronze é muito caro. Se fosse fazer todas as peças em bronze, eu fatalmente faliria. Então, procurei uma outra opção e cheguei na cerâmica. A argila já é um produto final, sem fundição. E deu muito certo.

Você tem esculturas em várias partes do país. É isso mesmo?

No Brasil todo, não. Tenho esculturas em Belo Horizonte e em algumas cidades do interior. Aqui, em Itabira, tem o Drummond do Centro Cultural, outro no Memorial (Carlos Drummond de Andrade) e o do casarão da Fazenda do Pontal. E tem também um busto na Câmara Municipal. Existe a escultura de Newton Baiandeira (na praça Acrísio). A de dom Mário (Gurgel) fica na frente do prédio da Assistência Social, ao lado da prefeitura. E há um busto do meu pai (Paulo Sampaio Guerra), que doei para o município (a escultura está instalada no Centro Odontológico Paulo Sampaio Guerra, que foi conceituado profissional da odontologia).

E a sua mais recente produção- em que você faz a estreia na literatura- é um maravilhoso livro com caricaturas e depoimentos de várias celebridades sobre os mais importantes compositores da MPB. Como surgiu a ideia de se produzir tão importante trabalho artístico?

Eu digo que se trata de um álbum afetivo. Ele reúne três grandes paixões minhas: a música, a caricatura e a escultura, no caso em cerâmica. É um processo de toda a vida, porque acho que a minha primeira grande paixão foi a música. Eu sempre que ia a algum show, fazia gravações com aquelas antigas fitas K7. Eu tenho shows gravados de Cartola a Nelson Cavaquinho. Eu tenho um acervo, mas nem sei se todas as fitas estão funcionando, pois são muito antigas. Uma vez, eu fui a Paris e visitei uma exposição do escultor Honoré Daumier, que era um gravurista e escultor francês do século XIX. Ele fez caricaturas dos políticos da época, em cerâmica. Quando vi aquilo, eu decidi: vou fazer alguma coisa parecida. Ali surgiu a ideia, mas eu não queria mais fazer charges de políticos. E, como era uma coisa que queria ter prazer em fazer, procurei um tema pelo qual eu tinha admiração. Então, optei pela música. Como era um processo muito amplo, eu selecionei só os compositores, que é um universo muito rico, com muita diversidade.

O título do livro é: “SOLO- Álbum das Glórias Musicais”. Qual é o sentido exato da expressão SOLO?

SOLO é piso, a terra em que pisamos. E tem o solo no sentido do artista que produz solitariamente. Esse título tem esses dois sentidos. Então, Álbuns das Glórias Musicais é um modelo que peguei de Bordalo Pinheiro, um caricaturista português, que morou no Brasil, na época do imperador Dom Pedro II. Ele era ceramista, viveu muito tempo aqui no Brasil e até sofreu um atentado por conta das suas caricaturas. A produção de Bordalo se transformou em livro e eu comprei um exemplar, quando fui a Lisboa. Então, para cada caricatura, eu convidei uma pessoa para escrever sobre o compositor homenageado. Samuel Rosa, por exemplo, escreveu sobre Milton Nascimento. Cada convidado escreveu sobre um personagem. Ângela Sampaio, a professora daqui de Itabira, escreveu sobre Ernesto Nazareth. Um colega meu da charge, o Aroeira, escreveu sobre João Gilberto. A princípio, todo o texto seria do poeta Marcelo Dolabela, mas ele achou que ficaria muito pesado e sugeriu que eu convidasse várias pessoas para escrever, cada uma sobre um compositor diferente. E a ideia deu muito certo.

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