A discrição é atitude recomendável a um juiz do Supremo Tribunal Federal (STF). Faz parte da liturgia do cargo. Um ministro da mais alta corte jamais deveria se apresentar como terrivelmente evangélico, radicalmente corintiano ou excessivamente macumbeiro. Esse senhor- aparentemente austero- teria a obrigação de fazer da constituição o mais sagrado dos livros. E só. O texto maior do estado nacional necessita ser seguido rigorosamente ao pé da letra. Nada de heterodoxias ou malabarismos retóricos na interpretação da “carta magna”.
A primazia dos holofotes, porém, é jabuticaba do poder judiciário do bananal. O exibicionismo legal só acontece na pátria tupiniquim. Dois exemplos globais vão à contramão dessa síndrome do pavão. O cidadão “comum” norte-americano nem sabe os nomes dos membros (ministros) da Suprema Corte de lá. Alguém talvez afirme que esse desinteresse é típico de moradores do primeiro mundo. Tudo bem. Vamos para a periferia. Será que algum argentino conhece os ministros do supremo da terra do papa?
No território Brazuca é diferente. Os juízes viraram celebridades. E isso não é bom. A circunspeção do cargo exige natural distanciamento da plateia. Essa atitude produz um natural respeito. E isso é salutar. O comedimento é o caminho das pedras para a credibilidade. Do contrário, o “capa preta” estará sujeito a vaias, insultos e até eventuais aplausos, só para não dizer que não falei das flores.
As sessões do STF- em algumas circunstâncias- mais se assemelham a uma apresentação de peça teatral burlesca. Por sinal, recheada de canastrões. Os atores da patuscada se esmeram na busca da notoriedade. Até o discurso empolado (o famoso juridiquês) faz parte do script. O clamor das redes sociais normalmente define a relevância dos julgamentos. E, pior. O plenário, às vezes, se transforma numa espécie de ringue. A troca de sopapos retóricos entre Luís Roberto Barroso (terrivelmente vaidoso) e Gilmar Mendes (terrivelmente arrogante) faz a festa da galera ensandecida. As imagens do arranca-rabo dos dois, normalmente mostradas ao vivo e em cores, provocam inveja no mais fanfarrão frequentador de biroscas da periferia.
A composição da corte é um convite à hipocrisia. Os togados são indicados diretamente pelo presidente da república. O escolhido só assume depois de se sujeitar a uma sabatina água com açúcar no Senado. Coisa para inglês ver. Até hoje, nenhum candidato levou bomba. Antes disso, o provável ministro tem que mendigar apoio nos gabinetes dos senadores. Na terra de Tio Sam também é assim. Mas, convenhamos, de lá pra cá, a distância é abissal.
Haveria alguma forma de moralizar esse processo seletivo? Claro que sim. O ideal seria- como em qualquer plano de carreira- um crescimento profissional por competência. Dessa forma, o futuro membro do STF começaria a sua trajetória em primeira instância. Depois, subiria por mérito até alcançar o terceiro grau. A consequência desse modelo de reconhecimento é óbvia: o novo magistrado exerceria o cargo com total isenção, pois a sua conquista foi fruto de esforço pessoal. E, por isso mesmo, não ficaria devendo favores políticos a “mandarins” de ocasião. Conclusão lógica: a trilha para o Supremo Tribunal teria que ser pavimentada pela meritocracia, não pela “politicocracia”.
Em Tempo: Enquanto isso, o agendamento da sabatina de André Mendonça continua na geladeira do senador Davi Alcolumbre, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A aprovação subiu no telhado. Os motivos para Alcolumbre não pautar o interrogatório do preferido de Jair Bolsonaro são poucos visíveis e cheiram mal. Um vexame só. Uma pessoa mais digna já teria desistido da constrangedora indicação. O cargo quase vitalício- com remuneração polpuda- talvez justifique a humilhação a que Mendonça se submete.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato