*Por Fernando Silva
O Brasil – ao longo dos tempos – manteve postura padrão nas Relações Internacionais (RI): pragmatismo, não intervenção em assuntos internos de outras nações e defesa da judicialização nos conflitos interestatais. Esses foram preceitos do Itamaraty, desde sempre. O pragmatismo tupiniquim é marca registrada no Sistema Internacional (SI). A opção (pelo pragmatismo) significa ganhos econômicos e conquistas estratégicas. A realidade momentânea, portanto, foi a bússola desse processo. Funcionou assim a vida inteira.
A trajetória no SI começou com a Independência, em 1822. Durante a monarquia, o Brasil se alinhou à Inglaterra, grande potência planetária de então. Essa postura foi mantida até princípios do século passado. A diplomacia brasileira consolidou-se na primeira república, principalmente nos governos Campos Sales (1898 -1902) e Rodrigues Alves (1902-1906). Nesse período, destacou-se José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, patrono das Relações Exteriores. Ele foi chanceler por uma década (1902 a 1912). Rio Branco inseriu definitivamente o país no SI.
Nessa época, os ingleses começaram perder a hegemonia. Na Europa, a Alemanha despontava com grande desenvolvimento econômico e crescimento demográfico. Os Estados Unidos já apareciam como futura grande potência mundial. E o script não saiu do esperado. O Brasil aderiu aos americanos.
A nova parceria rendeu excelentes frutos. Os EUA viraram o maior importador de café, principal produto agrícola e sustentáculo da economia nacional. E mais. Até o início da Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), os estadunidenses investiram 50 milhões de dólares no Brasil. Nos finais dos anos 20- bem no limite da Grande Depressão (1929) – esse número saltou para fantásticos 476 milhões de dólares.
O alinhamento automático com a potência do norte, porém, teve uma inflexão importante no primeiro governo Vargas (1930 a 1945). Principiou-se ali mais um espetáculo explícito de pragmatismo. Era véspera da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha Nazista ensaiou uma aproximação. Getúlio não evitou o flerte. O ditador do “Estado Novo” fez malabarismo ideológico e durante muito tempo serviu a dois senhores: Adolf Hitler e Franklin Delano Roosevelt. E, claro, essa postura ambígua rendeu importantes dividendos.
Mas, no final das contas, a “Política da Boa Vizinhança” dos ianques prevaleceu. Em 1942, o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial com 25.834 combatentes. Reforçou as tropas aliadas no teatro bélico europeu. Fim da pancadaria quente e início da Guerra Fria (1947 a 1991). Os países latinos deixaram de ter importância estratégica para os Estados Unidos. O foco passou a ser Europa, Ásia e Oriente Médio.
O momento de maior tensão entre capitalismo (Estados Unidos) e socialismo (Rússia) coincide com a chegada dos militares ao poder no Brasil (1964 a 1985). Os três primeiros generais-presidentes confrontaram o comunismo com muita intensidade.
Ainda em 1964, ano de estreia do autoritarismo, o regime rompeu relações diplomáticas com Cuba e China. Um fato marcante nessa fase: a Escola Superior de Guerra (ESG) tinha mais influência no direcionamento da política internacional do que a própria diplomacia convencional do Itamaraty. A ESG só pensava em comunistas. Era uma perigosa obsessão. A partir de Ernesto Geisel (quarto militar no poder), esse perfil mudou. Geisel reatou com a China e alguns países africanos, que orbitavam a URSS.
Veio a redemocratização. José Sarney, Fernando Collor e principalmente Fernando Henrique Cardoso (FHC) foram “americanófilos” incondicionais. O agressivo neoliberalismo de FHC seguia rigorosamente as cartilhas de Ronald Reagan (ex-presidente dos EUA) e Margareth Thatcher (ex- primeira-ministra da Inglaterra).
O período petista (2003 a 2016) provocou reviravolta inédita nas relações internacionais. A nova política externa ficou conhecida como “Sul-Sul”. Os governos Lula e Dilma Rousseff priorizaram preferencialmente os estados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. A estratégia diplomática demarcou uma reaproximação mais ostensiva com o continente africano (principalmente nações de língua portuguesa) e Oriente Médio. As administrações do PT apostaram no fortalecimento do Mercosul e Brics (um mercado comum formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul).
O Governo Jair Bolsonaro quebrou uma tradição de quase cem anos na diplomacia: o pragmatismo e a não intervenção na política interna de outros atores do cenário internacional foram abolidos. E tem mais: impôs apoio incondicional a Donald Trump e inaugurou um confronto retórico com a China(de claro viés ideológico). Muito estranho. Afinal, Pequim ainda é o principal parceiro comercial do Brasil. Só em 2019, os asiáticos importaram U$$ 63,3 bilhões em produtos brasileiros, principalmente commodities.
Bolsonaro redefiniu ainda as relações multilaterais com a América Latina. As iniciativas de Brasília têm contribuído muito para o enfraquecimento do mercado comum da região. As questões ambientais também provocaram sérias avarias na imagem do país no exterior. Aonde vai dar essa radical guinada conceitual da diplomacia brasileira? Só o tempo- o senhor da razão- responderá.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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