O vírus de maior letalidade não é a Covid-19. Acredite. Há outra entidade invisível (ou coisa) muito mais devastadora. Bem pior que o personagem fúnebre que há dois anos inferniza o mundo. Aqui se fala do Ebola. O nome de sonoridade sinistra remete ao vale do Rio Ebola, região norte da República Democrática do Congo (antigo Zaire).
Nesse local, ocorreu o transbordamento zoonótico – nome técnico da migração de um micro-organismo para o corpo humano. O incidente biológico provavelmente aconteceu quando um nativo entrou em contato com o fluido orgânico de algum animal contaminado. Existe uma lista de possíveis hospedeiros do vírus: chimpanzés, gorilas, porcos-espinhos e morcegos gigantes.
O contágio pelo Ebolavírus (uma espécie de filovírus) tem consequências terríveis para o homem. A probabilidade de óbito é imensa. O novo Coronavírus é “anjinho” diante do potencial destrutivo desse filovírus. Os índices comparativos da letalidade entre os dois “assassinos” revelam essa constatação. A taxa de mortalidade do novo Coronavírus é de 6,88%, um número alentador, apesar do intenso empilhamento de cadáveres. Esse percentual demonstra que 95% das pessoas contaminadas conseguem se curar. Os quase 500 mil mortos pela doença – apenas no Brasil (são 3,5 milhões de vítimas no mundo todo) – escamoteiam a baixa letalidade da Covid-19.
O Ebola mata com uma intensidade dez vezes maior. A sua taxa de mortandade alcança 68,4% (em algumas localidades 90%). Um índice pra lá de assustador. Quase 70% das pessoas infectadas não escapam.
Esses dados estatísticos botam na boca a inescapável pergunta – aquela que insiste não calar: Por que a Covid – muito menos mortal – provoca tanto escarcéu e dissemina o pânico nos quatro cantos do planeta? “Elementar, meu caro Watson” . A resposta é leviana e infame – de tão politicamente incorreta – dependendo do arcabouço da interpretação: o novo Coronavírus é chinês.
Não se indigne. No fundo, é tudo uma questão de geopolítica. A Covid-19 “nasceu” na China. O Ebola é natural dos confins da África. E daí? O que tem mera circunstância territorial a ver com pandemia? A análise dessa tese não é tão complexa. O novo vilão da humanidade faz um estrago danado porque é um vírus capitalista. Já o Ebola é originário da mais precária periferia. Congo é uma errática republiqueta “bananática” do fim do mundo (só pra rimar).
O novo Coronavírus apareceu na maior potência econômica da atualidade. Os EUA foram desbancados da “pole position” há muito tempo. Então, a promiscuidade macroeconômica das relações internacionais é a grande responsável pela difusão da Covid-19. O mundo todo viaja para a China. Pequim é o centro de grandes negócios transnacionais. E também os chineses batem pernas por aí com muita desenvoltura. Não há fronteiras que os detenham.
O enredo dessa história macabra é esclarecedor. Certo dia, um executivo italiano foi ao “capitalista” país comunista. Permaneceu alguns dias em Wuhan, uma metrópole de 11 milhões de habitantes. Ali, o conterrâneo de Dante Alighieri se contaminou com um misterioso patógeno. Dias depois, voltou para casa despreocupadamente. Afinal, o sujeito teria contraído apenas uma “gripezinha”. A trágica consequência da involuntária imprevidência foi imediata. Em algumas semanas, a Europa toda estava infectada.
O Ebola também mata aos montes, lá na África. E somente lá. Claro. Esse vírus não circula mundo afora. E com razão. Atualmente, os países africanos não despertam interesses comerciais. As potências hegemônicas não negociam com mercadores da miséria. E ainda tem um facilitador para o Ebola se manter confinado naqueles grotões do globo: os africanos não dispõem de recursos para longas viagens internacionais. Enfim, ninguém visita o “submundo” africano, mas o “submundo” africano também não procura ninguém.
A Covid-19 faz estragos nos seis continentes porque é um vírus essencialmente capitalista, um mero subproduto da globalização. No final das contas, uma percepção intriga bastante: a desmedida ganância ainda vai botar um ponto final na trajetória da humanidade no planeta Terra.
PS: O Ebola não faz turismo mundo afora. A recíproca não é verdadeira. O Coronavírus passeia por todos os países africanos. Lá, porém, o estrago é bem menor que no Brasil, Índia ou Estados Unidos, por exemplo.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.