O futebol brasileiro está doente. E esta não é uma constatação de agora. Há dois anos, essa mesma coluna apontou para o problema após torcedores do Grêmio invadirem o gramado da Arena em jogo contra o Palmeiras, pelo Brasileirão. E nos últimos dias, dois novos capítulos foram adicionados a esse triste enredo.
Na terça-feira (20), o ônibus do Corinthians que chegava a um hotel da cidade de Santos se viu obrigado a voltar para a capital São Paulo quando torcedores do Timão o receberam com rojões e outras formas de intimidação. Na noite de ontem (21), a partida entre Santos e Corinthians foi encerrada antes do tempo previsto após santistas jogarem diversos rojões no gramado.
Duas situações que simbolizam uma sociedade cada vez mais violenta e intolerante. Todos contaminados por um discurso de ódio e cobrança que se estende ao futebol mas atinge outros setores, como a política. Nos estádios, os torcedores parecem encontrar o ambiente perfeito para despejarem toda a raiva alimentada durante a semana, enxergando os atletas – talvez pela enorme distância econômica e social existente entre os dois grupos – como uma espécie de bode expiatório.
Como se, por ganhar um salário de R$ 500 mil ou R$ 1 milhão, o jogador fosse obrigado a aceitar, de braços cruzados, todas as formas possíveis de violência. Acredite se quiser, mas jogador tem família, tem saúde mental. Jogador é gente. Por isso mesmo, como bem destacou o ex-atleta e hoje ótimo comentarista Pedrinho, no programa “Troca de Passes”, deve partir dos atletas uma posição mais firme diante do tema.
Pedrinho: “Não acredito nessa tal de paixão. Se fosse o filho deles que estivesse jogando, eles iriam querer que o torcedor tivesse esse comportamento? O comportamento do torcedor vai ter de ser interrompido pelo posicionamento dos atletas” #TrocaDePasses pic.twitter.com/42JHucyW4y
— ge (@geglobo) June 22, 2023
Mas a imprensa também tem seu papel. Tanto no combate ao problema quanto na reflexão sobre como as condutas dela ajudam a contaminar esse clima raivoso do esporte mais popular do país. Precisamos repensar a exigência inacreditável por sucesso com todos os times – como se fosse possível dividir uma taça entre 12 equipes -, os inúmeros e incansáveis debates sobre a demissão de fulano, o fracasso de ciclano. Sabemos que o discurso moderado não conquista audiência, tampouco cativa seguidores que querem, de qualquer forma, encontrar o porquê do seu time não ganhar todos os jogos. Mas é preciso colocá-lo em prática antes que uma tragédia aconteça.
Também pecamos ao, durante anos, passarmos a mão na cabeça do torcedor. Concedendo a ele o direito de fazer o que bem entender em nome da passionalidade. As coisas não funcionam assim. Não tem mental suficiente para lidar com o esporte de forma civilizada? Se afaste, procure outras atividades. Mas não penalize o futebol.
Por fim, não podemos eximir de culpa os clubes e demais entidades responsáveis pelo jogo. Continuaremos dando às torcidas organizadas o privilégio de cobrar os jogadores, por vezes cara a cara, como se deles fossem chefes? É impossível falar em evolução do futebol brasileiro, criação de liga ou profissionalização dos clubes enquanto permitimos a um seleto grupo de torcedores invadir um CT para colocar dedo na cara de jogador. São realidades que se conflitam.
Como é possível observar, a culpa não se limita a apenas um grupo ou pessoa. Todos somos responsáveis por deixar o futebol brasileiro atingir esse nível de surrealidade. Surreal a ponto do torcedor, cuja principal missão deveria ser apoiar, ser visto como uma potencial ameaça.
Victor Eduardo é jornalista e escreve sobre esportes em DeFato Online.
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