Desde o início da pandemia, em março de 2020, o mundo vem convivendo com um processo disruptivo das cadeias produtivas que foi dramaticamente acelerado após o início da guerra entre Rússia x Ucrânia, em 24 de fevereiro deste ano.
As sanções econômicas e comerciais aplicadas contra a Rússia pelos EUA, Reino Unido e Europa não tem precedentes na história e deram início a um rearranjo geopolítico só visto e percebido em tempos de guerra mundial. E eu estou fazendo estas colocações porque o nível de incertezas e consequentemente o ambiente econômico é de uma guerra silenciosa que na prática está prestes a colocar o mundo em recessão.
A globalização está sendo repaginada e no vocabulário atual expressões para caracterizar esse novo estágio e as novas formas de fazer negócios começam a aparecer: reshoring, nearshoring, ally-shoring e friendshoring, que no bom português podem ser traduzidas como fazer negócios em casa, perto de casa, só com aliados e só com os amigos, que mostram na prática uma nova divisão do mundo e um novo arranjo geopolítico provocados por essa guerra silenciosa.
O mercado financeiro está precificando a desaceleração da economia provocada pela inflação global turbinada pelos choques de oferta originados na pandemia e intensificados nessa guerra. A inflação nos EUA é a maior em 41 anos e o salto de 8,6% em maio para 9,1% em junho tirou o sono do investidor global que vendeu empresas, derrubando as bolsas, e comprou dólares. Pela primeira vez em 20 anos, o euro valeu menos do que o dólar e o iene atingiu o menor valor frente ao dólar nos últimos 24 anos.
Na quinta-feira, a Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, revisou para cima a projeção de inflação da Zona do Euro para 2022, de 6,1% a.a. para 7,6%a.a., e, revisou para baixo a expectativa de crescimento do PIB, de 2,7%a.a. para 2,6%a.a. Nos EUA aumentam as apostas do País entrar em recessão. No primeiro trimestre do ano, o PIB recuou -1,6%, e, após a divulgação dos dados da inflação ao consumidor (CPI) na quarta-feira, a maioria dos bancos e casas de análises revisaram para baixo a projeção de crescimento da economia americana para 2022. As projeções que estavam, na sua maioria, próximas de 2%a.a. recuaram para algo em torno de 1%a.a.
Aqui no Brasil, ao contrário do que vem sendo projetado para a maioria dos países e para a economia mundial, na quinta-feira, o Ministério da Economia também revisou os dados do Brasil. A projeção de inflação foi reduzida de 7,9%a.a. para 7,2% a.a., e, a de crescimento econômico elevada de 1,5%a.a. para 2%a.a.. Ainda na quinta-feira, a FITCH, uma das três maiores empresas de análise de risco do mundo, após a aprovação da PEC no Congresso, e ao contrário da opinião da maioria dos economistas ligados ao sistema financeiro tradicional, que apregoam o caos fiscal, manteve a nota de risco do Brasil em BB- e alterou a perspectiva de negativa , atribuída em maio de 2020,para estável e justificou : “evolução melhor que a esperada das finanças públicas”.
A FITCH aponta que no ano passado o Brasil registrou seu primeiro superavit fiscal desde 2013, o que mostra a receita melhor do que a esperada e o compromisso das autoridades em retirar estímulos implementados durante a pandemia. Ela cita ainda o aperto monetário promovido por um banco central independente que comprova o compromisso no enfretamento da inflação.
Segundo a agência, a dinâmica de crescimento no curto prazo é superior às expectativas, e, progressos nas reformas poderiam beneficiar as perspectivas de investimento no médio prazo. Para a FITCH, os desafios fiscais e de crescimento persistem e as eleições de outubro trazem incertezas sobre como esses desafios serão enfrentados, mas essas questões já estão refletidas na nota de risco.
Resumo da ópera: uma terceira guerra mundial silenciosa está em curso assim como um rearranjo geopolítico em uma nova etapa da globalização, e, o Brasil por sua condição de pilar da segurança alimentar do mundo, produtor de energia alternativa (hidráulica, fotovoltaica, eólica) guardião da Amazônia (pilar da economia verde), produtor e exportador de petróleo e minério de ferro pode assumir, cada vez mais, o papel de protagonista em uma nova ordem mundial.
Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis
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