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Acusados de apologia, organizadores da Batalha da Fênix rebatem: ‘‘Nossa droga é a poesia’’ 

Foto: Guilherme Guerra/DeFato

Desde que o vereador Roberto Fernandes Carlos de Araújo “Robertinho da Autoescola” (MDB), protocolou o projeto de lei (PL) 39/2023, que pretende tornar hip hop como patrimônio cultural imaterial em Itabira, o assunto tomou as redes sociais e demais esferas da comunidade itabirana. No entanto, antes mesmo do assunto chegar à Câmara, a cena cultural do rap – principalmente a Batalha da Fênix – vem sofrendo com marginalização e acusações infundadas de apologia ao crime e as drogas, chegando inclusive a lidar com denúncias policiais. Em entrevista à DeFato, durante a 11ª edição da Batalha da Fênix, uma das organizadoras rebateu as acusações questionando: ‘‘A única droga que entregamos é a poesia, e se poesia é esse mal todo, por que estamos na cidade de Drummond?’’.

Quem levantou o questionamento à população foi a itabirana Jéssica Marques, produtora cultural do Festim e uma das organizadoras da Batalha da Fênix. ‘‘A ‘pedra no caminho’ tem sido o preconceito. Não temos a mesma valorização que as demais expressões artísticas […] Falta fomento e incentivo. A gente quer mostrar que estamos fazendo tudo para crescer’’, disse Jéssica.

Há cerca de três meses, a Batalha da Fênix se iniciou em Itabira, e de lá pra cá já foram realizadas 13 edições de duelo de rimas, além de um Slam de poesias. O movimento cultural se iniciou na praça da Escola Estadual Mestre Zeca Amâncio (EEMZA), com mais de 60 pessoas logo na primeira noite, com a proposta de ocupar um espaço historicamente marginalizado, levando música e poesia. No entanto, uma ocorrência policial na segunda edição do evento trouxe problemas, acusações, registro de boletim de ocorrência e dores de cabeça.

De acordo com Jéssica Marques, enquanto ainda organizavam a estrutura para a Batalha, uma viatura policial chegou ao local após receber uma denúncia anônima, alegando que no local havia tráfico de drogas, apologia ao crime, além de perturbação do sossego. Incrédulos com a situação, os organizadores – principalmente Jéssica – tentaram dialogar, mostrar que nada havia ali e até mesmo, fazer testes do volume do som, para mostrar que não haviam excedido o nível de decibéis. 

Mesmo em posse de alvará e com a liberação de todas as instâncias municipais que tornavam o evento legalizado, não houve diálogo. A saída foi procurar o superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), Marcos Alcântara, que prontamente orientou os jovens a se deslocarem para o deck da Fundação, onde foi feito o evento. 

Desde então, a Batalha da Fênix tem mudado de local frequentemente, sendo realizada na Praça Acrísio Alvarenga e FCCDA, o que acaba interferindo no público e na estrutura oferecida aos MC’s, mas sem enfraquecer o movimento cultural. 

‘‘Tivemos a ideia de reviver [a batalha de MC’s], pois há uns bons anos não acontecia um movimento ativo, semanalmente na rua’’, afirma Felipe ‘‘Pi’’, que é MC e ativista cultural. De acordo com ele, o ‘corre’ do movimento sempre esteve focado na estrutura, visando entregar um trabalho de qualidade, para fomentar a arte, valorizar a cultura hip-hop e os artistas. Como incentivo, beats e produção musical completa, além de tatuagens, cortes de cabelo, roupas, produtos eletrônicos e outras premiações são dadas por apoiadores do evento para estimular os MC’s. 

‘‘A gente não quer simplesmente que o MC venha aqui, rime, ganhe aplausos e leve uma folhinha para casa. Queremos realmente fomentar novos artistas da região, além de fazer com que iniciativas como essas sejam difundidas’’, diz Diogo Oliveira ”Dion”, que também é MC e ativista cultural. 

Sem espaço para preconceito, mas vistos de forma marginalizada

Na abertura das edições da Batalha da Fênix, os organizadores logo avisam que ali não tem espaço para homofobia, racismo, sexismo e nenhuma outra manifestação preconceituosa. O uso de drogas na roda também não é permitido. O espaço ali é para rimas, batidas e diversão. Cientes dos estigmas que vem sendo atribuídos ao movimento, Pi e Dion comentam: 

‘‘O preconceito com o hip-hop muitas vezes vem de pessoas que não sabem o que é a cultura. O movimento não é só o rap, um gênero musical, é uma cultura que mudou a minha vida e muda a vida de outras pessoas’’, diz Dion. 

‘‘O rap salvou a vida do Dion, a minha e de várias outras pessoas. O hip-hop muitas vezes é a saída para a pessoa não ir para a criminalidade […] Fomos acusados de estarmos fazendo apologia ao crime e as drogas, mas quem sair de casa e vir até aqui, vai ver que não há nada disso. Rimamos sobre a realidade’’, finaliza Pi. 

Jovens e pais vindo de longe para rimar

Com a proposta de descentralizar o acesso à arte, cultura e lazer, além de trazer os públicos periféricos e marginalizados para dentro do Centro de Itabira, a Batalha da Fênix vai continuar acontecendo, independente do local: ‘‘Seja na Praça da EEMZA, Praça Acrísio ou no deck da FCCDA’’, diz Dion. MC’s e público do Barreiro, Pedreira, Gabiroba e de cidades como Santa Maria de Itabira e Nova Era tem acompanhado as edições. 

Após ir duas vezes assistir o duelo de rimas, Miquéias Morais Santos, morador do bairro João XXIII, resolveu batalhar pela primeira vez no evento, que precisava da inscrição de um MC. Com o vulgo de ‘Pézin’, ele rimou sob os olhares e apoio de sua esposa e dos dois filhos. ‘‘Gosto de brincar, tenho amigos que rimam no churrasco, em um momento de descontração e tal, mas não trabalho com música […] O nervosismo tomou conta, mas consegui passar das duas primeiras fases, superar o maior campeão, mas perdi na final’’, diz Miqueias, que vive a cultura hip-hop desde novo.

Ao falar sobre a Batalha e a sensação de estar ali com apoio da família, ele disse: ‘‘Meu filho gosta de rimar, a  minha esposa me apoia e inclusive, foi ela que me lembrou de vir aqui hoje. Itabira precisa disso há muito tempo!’’

Quem derrotou Miquéias na 13ª edição da Batalha da Fênix foi Pedro Magalhães, o ‘Wake’, de 21 anos. Wake também é pai, sempre foi apaixonado por rap e considera um absurdo toda essa polêmica.

‘‘É um movimento marginalizado, que na minha humilde opinião, não tem o valor merecido […] Existe muito preconceito, que não deveria nem ter espaço, mas já que está em pauta, não devemos abaixar a cabeça. É hora de somar forças e conquistar nosso espaço, mesmo que seja de pouquinho em pouquinho’’, finaliza. 

Projeto poderá ser aprovado nesta terça (13)

De autoria do vereador Robertinho da Autoescola (MDB), o projeto de lei (PL) 39/2023, que pretende tornar hip hop como patrimônio cultural imaterial em Itabira,  deverá ser votado hoje (13) na Câmara Municipal de Itabira. Na  justificativa do projeto de lei, o emedebista ressalta que seu objetivo é “fomentar a criação de rodas culturais”, além de “promover, incentivar e valorizar as atividades do hip hop”. Durante o encontro desta tarde, Robertinho também enfatizou que o movimento merece ser visto com bons olhos pela sociedade.

“Esse projeto vem de encontro com a valorização e promoção da cultura do hip hop. Para tornar uma coisa legal, legalmente falando, e ser visto com bons olhos, acrescentando na cultura”, opinou.

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