O calendário político tupiniquim é peculiar. A eleição para a presidência da República acontece dois anos antes dos pleitos municipais. Um simples simbolismo ilustra esse roteiro. Enquanto o novo chefe de governo (e de Estado) sobe a rampa do Palácio Planalto, o chefe do Executivo da cidade ensaia o canto de cisne da sua passagem pela prefeitura.
O cronograma da administração dos municípios é homogêneo e singular. Os quatro anos de gestão são pragmaticamente fatiados em duas porções. A primeira metade é uma metáfora “sexoafetiva”. A nova administração do município passará um ano em lua de mel com a população e a Câmara de Vereadores. Então, esse é o momento exato para se arrumar a casa para a festa.
O povo está, literalmente, encantado com o mandatário recém-eleito. As instituições nadam num mar de rosas. O clima é ideal para a compreensão do funcionamento da máquina pública e avaliação de desempenho dos secretários. Os 365 dias iniciais servem para reparos e redirecionamentos. Alguns assessores — muito naturalmente — ficarão pelo caminho. Mas, atenção. A persistência de troca-trocas gerenciais (em anos posteriores) é claro sintoma de incompetência crônica.
No segundo ano, a máquina (ou metrô) precisa se movimentar. A gerência do órgão público teoricamente encontra-se em ordem. Nesse momento, a equipe de governo já conhece as manhas da infraestrutura e até consegue identificar o calcanhar de Aquiles da polis: as sutilezas político-sociais, que elevam ou derrubam um prefeito.
A segunda etapa começa no terceiro ano de mandato. Agora o quadro é de alto risco. A essa altura do calendário, não existem mais margens para erros. Alguns comportamentos ilustram essa constatação. A paciência dos cidadãos de bem (ou de mal) encontra-se no limite. Os “munícipes” estão com os nervos à flor da pele. Na cabeça do povo, o prefeito agora é um ex-Batman. E pior. Virou Coringa.
E nada é tão ruim que não possa piorar um pouco mais. A “parceria” com o Legislativo entra no modo alerta máximo. Alguns vereadores se transformaram em fiel da balança (quem dá mais?). Essa sutileza indica a necessidade de constante monitoramento da situação política. Afinal, um vacilo na coalizão provocará fatal colisão. E colisão é puro eufemismo para impeachment ou cassação de mandato. A paisagem é muito clara, bem transparente. No terceiro ano, abrem-se as cortinas da alternância de poder.
O capítulo seguinte é um aceno para uma luta de titãs (situação x oposição). O processo sucessório invade abruptamente a raia nos derradeiros 12 meses. Os “heróis” que se enfrentarão nas urnas entram literalmente em campo (extraoficialmente sob o signo do pré). Nesse instante, todo mundo é pré-candidato a qualquer coisa. A alegoria do pré é apenas mais uma exigência acaciana da Legislação Eleitoral. Mas note-se. A ausência de um pré na frente pode significar um pé atrás.
O último semestre do mandato praticamente é zona morta. A máquina pública entra em hibernação por seis meses. A campanha já se encontra em andamento. Não sobra tempo para mais nada. As eleições se aproximam a pleno vapor. Então, só resta repetir o aforismo do romano Júlio César: “alea Jacta est”.
Enfim, o atual ambiente da Câmara de Vereadores comprova a tese dessa coluna. E a temperatura tende a subir cada vez mais. Tem um punhado de pré no Legislativo itabirano. Mesmo porque, 2023 é o terceiro ano do mandato. É 2023.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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