Audiência discute prejuízos estruturais causados pela mineração em Itabira

Debate avançou para além da qualidade do ar, abordando a água e o capitalismo como um todo

Audiência discute prejuízos estruturais causados pela mineração em Itabira
Diferentes lideranças populares estiveram presentes na audiência sobre os impactos da mineração. Foto: Mariana Ribeiro/DeFato Online

Na audiência pública Impactos da Poluição Atmosférica desta terça-feira (21), a Câmara de Itabira recebeu lideranças populares às 19h para discutir os efeitos da mineração predatória no município. Gerado a partir de um pedido da Vale para extrapolar o coeficiente de poluição do ar, o debate foi ampliado para as demais consequências ambientais causadas pela atividade.

Com autoria dos vereadores Weverton Leandro Santos Andrade “Vetão” e Bernardo de Souza Rosa, que também é o presidente da Comissão de Mineração, o requerimento trouxe a presença do secretário municipal de meio ambiente e presidente do Conselho Municipal do Meio Ambiente Denes Lott, representantes da Secretaria Municipal de Saúde Fabiana Lima, da Cáritas Diocesana de Itabira Maria da Conceição Leite Andrade “Lia”, do Comitê Popular dos Atingidos por Mineração Leonardo Ferreira Reis e do gabinete de crise da sociedade civil Lucas Nasser.

Sem a presença de representantes do Ministério Público (MP) ou da Vale, Vetão criticou a ausência da mineradora, autora do pedido para extrapolação do índice de qualidade do ar. Algo que foi reforçado por Peter, militante pelo Movimento de Construção Revolucionária do Partido Comunista Brasileiro e pelo Comitê Popular dos Atingidos por Mineração: “Será que a gente pode confiar nesse MP? Buscando o melhor para a população? Sobre representantes da Vale não estarem aqui, eu tenho uma ideia. A gente sabe que o empreendimento tem uma finalidade, que é o lucro. Não há nenhum compromisso com o bem-estar, com a saúde e o desenvolvimento econômico sustentável da população”. 

A presença da diretora da Cáritas Diocesana de Itabira Maria da Conceição Leite Andrade trouxe um recorte racial relevante à questão. “Aqui em Itabira, se for algum caso de alguma população atingida pela mineração, quais são as comunidades que estão mais perto? É a comunidade periférica e, consequentemente, as populações negras”, apontou Lia, que sente necessidade de cobrar o cumprimento das propostas. 

“Nossa casa é comum. O que acontece aqui impacta o mundo inteiro”, disse a diretora da Cáritas Itabira. Foto: Mariana Ribeiro/DeFato Online

O apoio em pesquisas científicas baseadas em histórias reais elevou a qualidade do debate. O itabirano Lucas Nasser precisou sair da cidade por causa de uma bronquite e falou sobre o caso em sua dissertação de mestrado. O pesquisador afirma que, apesar do arcabouço legal brasileiro robusto que é referência internacional, falta mais incentivo para medidas ambientais no país: “Infelizmente, a gente está na Divisão Internacional do Trabalho exportando commodity. A gente tem poucos investimentos em Educação, Pesquisa e Tecnologia”, afirma o atual doutorando pela Universidade Federal de Minas Gerais. 

Para Leonardo Reis, é preciso mais do que frear os retrocessos impostos pela mineração, sendo necessário avançar em legislação e fiscalização mais rigorosas. “O crime compensa. Vale mais para uma empresa pagar o adicional de insalubridade do que reduzir a poeira. Vale mais a pena jogar o óleo na estação Pureza do que tratar aquele óleo. Vale mais a pena não pagar as multas que foram aplicadas pela Secretaria de Meio Ambiente do que instalar mecanismos eficazes de controle da poluição atmosférica”. 

Leonardo Reis faz parte do Partido Socialismo e Liberdade e integra o Comitê Popular dos Atingidos por Mineração. Foto: Mariana Ribeiro/DeFato Online

Levando em conta a fala inicial de Bernardo Rosa sobre a contradição entre o desenvolvimento econômico e os impactos ambientais causados pela mineração, Amarildo, que é voluntário na Ong Sociedade Ambiente Vivo  trouxe uma solução. O aposentado que trabalhou por 30 anos na mina da Vale aposta no desenvolvimento sustentável para começar a melhorar a qualidade de vida itabirana: “A gente tem que surfar nessa onda que o mundo está surfando, que é a questão do meio ambiente, do aquecimento global, da água. Vamos surfar essa onda em Itabira!”

Uma presença inesperada foi a da secretária de Meio Ambiente de São Gonçalo do Rio Abaixo Janaína Cordeiro, que alegou se identificar com a situação de Itabira. Foto: Mariana Ribeiro/DeFato Online

Amarildo ainda levantou a pergunta retórica “A cidade avançou pra dentro da mina ou a mina avançou pra dentro da cidade?”, que o professor Gieser Coelho fez questão de responder e trazer seu exemplo concreto: “Eu acho que a mineração está invadindo a área urbana. Principalmente no Bela Vista. Lá não é área de rejeito. Nós estamos sofrendo várias coisas porque o minério está invadindo as nossas casas. O cordão verde que tinha do lado dessas áreas de mineração não existe mais”, apontou.

Água

O tema da água não deixou de ser discutido. Segundo Lucas Nasser, o Quadrilátero Ferrífero pode ser chamado de Quadrilátero Aquífero, uma vez que a mineração local é calcada principalmente no curso dos rios.

A partir das reportagens exibidas no início da audiência, Peter discordou da perspectiva de que o desperdício da água é uma responsabilidade da classe trabalhadora. Para o militante revolucionário, a destruição é causada pelos donos dos meios de produção: “Não somos nós que lavamos as nossas calçadas que estamos exaurindo a água. É a mineração, que, mesmo sob decreto, não ficou um único dia sem lavar minério na cidade de Itabira.”

Em meio a uma crise hídrica causada pela irresponsabilidade ambiental da empresa Minax, Leonardo Reis ainda ressaltou os prejuízos enfrentados pelo sistema Pureza do Sistema Autônomo de Água e Esgoto de Itabira, que abrange 52 bairros. Grande parte do município sofreu com a contaminação da água após um derramamento de óleo.