O prefeito Décio Geraldo dos Santos (PSB), 50 anos, completou o primeiro ano do seu segundo mandato à frente da Prefeitura de Barão de Cocais. Esse cirurgião-dentista estreou na política em 2016. Disputou as eleições daquele ano e foi eleito com 10.282 votos (56,23%). A cidade da Região Central de Minas Gerais vive um dos melhores momentos socioeconômicos da sua história. O município, em contraste com o restante do país, apresenta um quadro de pleno emprego.
A atividade minerária é o carro-chefe da economia local. Essa situação, porém, mostra o outro lado da moeda: o agravamento da pandemia do novo coronavírus e sério problema ambiental. A enorme população flutuante (cerca de 5 mil pessoas de outras localidades, que chegaram à cidade para trabalhar) agravou ainda mais a crise sanitária. Um total de 74 cidadãos perdeu a vida nos últimos dois anos. A Prefeitura fez consistentes investimentos para o enfrentamento à Covid-19, conforme o prefeito faz questão de destacar.
“Enfrentamos a crise (sanitária) com a cabeça erguida. Não houve um cocaiense, que necessitando ser entubado, deixou de ser entubado. No pique da pandemia, em março, nós aumentamos o número de leitos em nosso hospital e tivemos oito pessoas entubadas. A nossa capacidade era para entubar dois pacientes, mas aumentamos para dez. Então, nós demos dignidade para todos os pacientes”, salienta.
Mas o município também convive com graves situações ambientais. A Barragem Sul Superior, na mina de Gongo Soco, mantém-se continuamente no nível 3 (o limite máximo de possibilidade de rompimento). Quinhentas pessoas – que viviam nas imediações – foram removidas de suas casas, em fevereiro de 2019.
Por tudo isso, a Prefeitura cobra uma reparação da mineradora Vale na Justiça. “Olha, nós estamos na Justiça e o teto máximo estipulado pela juíza foi de 2 bilhões. Sinceramente, eu acho uma mixaria, pois praticamente riscaram (do mapa) os nossos quatro distritos historicamente mais importantes. Barão de Cocais nasceu naquela região”, lamenta o chefe do Executivo cocaiense.
Na semana passada, Décio dos Santos recebeu a reportagem da DeFato em seu gabinete. Na oportunidade, ele detalhou a situação geral do município e demonstrou certa decepção com a política, logo no início do seu primeiro mandato. Confira a seguir.
O senhor estreou na política, na eleição para prefeito, em 2016. E, ao que parece, se deu muito bem. Tanto que conseguiu se reeleger. Qual a sua avalição sobre a atividade política? O que encontrou de positivo e negativo no exercício do poder Executivo?
Décio Geraldo dos Santos: A política tem um lado bom, que é o fato de, muitas vezes, a gente conseguir ajudar as pessoas. Isso (ajudar as pessoas) justifica a gente sentar na cadeira do prefeito. Mas há algo de muito difícil também. O prefeito, em algumas ocasiões, quer ajudar, mas não consegue. Mas, talvez, a minha grande decepção com a política seja a existência de pessoas que querem mudanças, mas elas não mudam de comportamento. Querem mudanças, mas, nos bastidores, querem ser beneficiadas. Querem a mudança que atenda seus interesses. Eu acho que essa foi a minha grande decepção com a política. Mas, já superei tudo isso, pois percebi como funciona esse jogo. É, por isso, que eu acho que esse país só mudará com o ingresso de pessoas boas na política.
E esse jogo de interesse foi um fenômeno muito ostensivo em seu governo?
Décio dos Santos: Sim, foi muito ostensivo, principalmente no primeiro mandato. E isso foi algo que realmente me assustou. Eu vim da rede privada, onde a gente tem um tipo de visão, mas, quando a gente chega ao poder público, começa a ver esse tipo de coisa (o jogo de interesses). Obviamente que essa situação não acontece com todas as pessoas, mas muitos que queriam mudanças, não queriam mudanças para eles. Eu estou aqui para fazer o jogo da boa política, pensando sempre na coletividade.
As amarras institucionais dificultam muito o desempenho da administração pública. Há uma sucessão de prazos e regras para o funcionamento da infraestrutura. Até que ponto essa dinâmica interfere na eficiência de uma Prefeitura?
Décio dos Santos: Realmente, o poder público é muito travado, né? A gente demora muito para comprar as coisas, mesmo com dinheiro em caixa. O poder público é muito lento: o desenvolvimento das licitações, os controles internos, os prazos de publicações e impugnações. Então, o poder público é feito de forma muito amarrada. É tudo muito moroso. A gente até tenta ser ágil e eficiente, mas não consegue, devido a esse engessamento do poder público.
E como é o seu relacionamento com o Legislativo? A coisa tem fluído dentro das suas expectativas?
Décio Santos: Sempre foi um relacionamento muito bom, desde o primeiro mandato. Eu sempre fui muito bem aceito pela Casa Legislativa. Não tivemos muito trabalho para passar alguns importantes projetos. Mas, tem o dia a dia, onde a gente sempre tem que conversar com os vereadores. E a gente tenta ouvi-los o máximo possível. Alguns deles já trabalharam em vários mandatos. Então, eu sempre deixo as portas da prefeitura abertas para todos os vereadores. E eu acho que isso é muito importante, porque os vereadores representam a população.
Na realidade, o vereador é aquele elo da ponta. É o elemento que tem contato direto com o povo, então pode fornecer um feedback mais rápido e preciso para o prefeito…
Décio dos Santos: Sim, funciona exatamente dessa forma.
E como se encontra a situação financeira de Barão de Cocais? Levando-se em consideração, por exemplo, que o município conta com duas grandes empresas do Brasil, que são a siderúrgica Gerdau e a mineradora Vale…
Décio dos Santos: Bom… no primeiro mandato, nós tivemos muitas dificuldades financeiras. Estamos também numa cidade mineradora, e ficamos praticamente quatro anos sem minerar. Pra você ter uma ideia, no primeiro mandato, chegamos a atrasar os salários dos servidores. No primeiro mandato, nós administramos crise. Hoje, estamos com uma situação financeira melhor. Felizmente, já estamos minerando, embora ainda não com toda a capacidade (de minerar), devido ao problema na barragem superior de Gongo Soco. Infelizmente, essa barragem está nos atrapalhando, pois não há uma escoação eficiente da nossa produção. Mas, mesmo assim, graças a Deus, nós temos recursos em caixa. A Prefeitura está saneada, com o salário (dos servidores) em dia. Então, agora estamos conseguindo administrar muito bem a cidade. Lutamos muito e conseguimos também todas as licenças ambientais. Corri atrás de uma por uma e consegui os licenciamentos necessários, graças a Deus. E o mais importante: Barão de Cocais, hoje em dia, é uma cidade onde não faltam empregos. Aqui, graças a Deus, está todo mundo empregado. Quando assumi a prefeitura, em 2017, havia mais de 4 mil pessoas desempregadas. Os prefeitos que passaram por aqui, antes de mim, não correram atrás de nada, principalmente dos licenciamentos ambientais, que são os principais responsáveis pela geração de empregos.
Quando assumiu a Prefeitura, o senhor tinha uma experiência de gestão na inciativa privada. Então, diante do que foi falado até aqui, encontrou uma realidade de total burocracia. Como conseguiu superar essas dificuldades?
Décio Santos: Realmente. Obviamente que, quando aqui chegamos, não tínhamos experiência na vida pública. Não sabíamos dessa dinâmica de funcionamento de um órgão público, mas aprendemos. Mas a grande dificuldade que encontrei, quando aqui cheguei, foi a falta de planejamento dos gestores que passaram pela Prefeitura. O meu sucessor, seja lá quem for, encontrará uma cidade muito mais bem planejada para os próximos anos, porque quando sairmos daqui, a cidade terá que continuar. Quem assumir essa cadeira (de prefeito) não terá as mesmas dificuldades que tive quando assumi. Então, eu estou planejando o futuro de Barão de Cocais para os próximos 30 anos, e eu sei do que estou falando.
Pelo que o senhor deixa claro, Barão de Cocais é uma ilha na atual situação socioeconômica do país, pois apresenta um quadro de pleno emprego. Recentemente, a Prefeitura recebeu substancial recursos dos royalties. E qual é o planejamento do seu governo para essa verba inesperada?
Décio Santos: Nós temos planejamento para isso (verbas dos royalties). Temos uma grande obra, que toda a população espera, que é a duplicação da entrada do município. Em março, esse projeto ficará pronto e iniciaremos as obras no mês de junho. Temos várias outras obras previstas como a construção de mais leitos para UTI, nos próximos dois meses, além de um sistema de hemodiálise. Vamos construir também a escola de tempo integral. Enfim, temos as mais variadas obras para fazermos. Então, vamos dar um salto, tanto na saúde quanto na educação. Não existe nenhuma cidade, do porte de Barão de Cocais, que tem um hospital municipal com UTI e hemodiálise.
E qual é o valor, referente aos royalties, que entrará nos cofres públicos do município?
Décio Santos: Isso depende muito do valor do minério no mercado internacional. Eu acho que a gente chegará numa arrecadação total na casa de R$ 160 milhões anuais. No meu primeiro ano de mandato, a arrecadação ficou em torno de R$ 80 milhões. Lembrando que a cidade não começou a arrecadar do nada. Nós não ficamos aqui de braços cruzados. Os licenciamentos ambientais foram muito importantes para tudo isso. E eu gostaria de dizer o seguinte: eu sou muito favorável à mineração porque sou um prefeito que depende totalmente da mineração. Nós estamos numa região mineradora. Então, não adianta plantar café porque não vai dar. A gente não pode menosprezar a agricultura familiar, temos várias pessoas que vivem do campo e precisamos apoiar essas pessoas. Mas nossa cidade é mineradora e não podemos ter vergonha da nossa vocação.
A mineração é uma atividade muito importante, mas tem um outro lado da moeda, também bastante fundamental, que é a questão ambiental. E isso é marcante aqui, em Barão de Cocais, devido à existência das famosas barragens de contenção de rejeitos. A cidade viveu momento de muita tensão com a remoção de 500 pessoas, que viviam nas proximidades da Barragem Sul Superior, na mina de Gongo Soco. Como se encontra essa situação, hoje em dia?
Décio Santos: Todo esse processo (de funcionamento das barragens) é a seco. Eu sou contra as barragens, mas os processos daqui são todos a seco. Obviamente que o custo é maior, mas consegue-se produzir a seco. Mas existem as heranças malditas. Nós temos uma barragem (Sul Superior) que se encontra desativada desde 2016, mas deu muitos problemas em 2020.
Mas, essas barragens desativadas ainda podem provocar graves problemas…
Décio Santos: Veja bem. Essa Barragem Sul Superior estava inativa há muito tempo e começou dar problemas. Ela se encontra no nível três até hoje (limite máximo de risco de rompimento). Talvez sejamos a única cidade do país, e talvez do mundo, que convive há tanto tempo com uma barragem no nível três. Mas todos os projetos, que corri atrás, são a seco. Dá para minerar a seco. Então, eu repito que as barragens de Barão de Cocais são heranças malditas. Nós temos várias estruturas da Vale, dentro do município, com problemas. Acho que temos quatro estruturas (barragens desativadas) com problemas. Além disso, tem um dique também com problema.
E como se encontra o processo de descaracterização dessa Barragem Sul Superior?
Décio Santos: O planejamento da Vale prevê o término dos trabalhos de descaracterização para 2029. E eu acho isso um absurdo. É tempo demais. Entendo que tudo tem que ser feito com muita segurança, isso é lógico. Mas, não é tanta coisa. São praticamente 10 milhões de metros cúbicos, não tanta coisa. Então, eu acho que deveria haver uma agilidade maior. Muitas pessoas, que foram retiradas do local, em 2019, estão loucas para retornar. Elas não querem negociar suas casas ou suas terras, essas pessoas querem é voltar. Além disso, nós temos ali um patrimônio histórico. Uma das primeiras obras do Aleijadinho está na igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. É uma obra de arte de valor imensurável. Então, acho que deveriam ter mais agilidade no trabalho (de descaracterização). Veja que situação. As pessoas foram removidas, em 2019 e só retornarão em 2029. Ficarão dez anos fora de casa. Tudo isso é muito triste. O cara plantava e criava animais, na propriedade dele. De repente, teve que deixar tudo para trás. E, por isso, nós estamos brigando na Justiça com a Vale. Qual o custo de se riscar (do mapa) quatro distritos da cidade? Qual o valor de tudo isso?
E em que patamar se encontra essa briga do município com a Vale, na Justiça?
Décio Santos: Queremos que o município seja indenizado por tudo isso. O prefeito de Brumadinho esteve aqui para prestar solidariedade, quando houve o rompimento invisível dessa barragem de Barão de Cocais. Na ocasião, ele me falou: Décio, hoje vocês estão vivendo em Barão de Cocais o mesmo que (vivi) em Brumadinho (na época do rompimento da barragem do Córrego do Feijão), onde morreram duzentas pessoas, mas acabou. E, a partir de então, a gente vive angustiado o tempo todo, pois qualquer chuva provoca o medo de rompimento da barragem.
E, nessa ação na Justiça, qual é o valor reivindicado pela Prefeitura?
Décio Santos: Olha, nós estamos na Justiça e o teto máximo estipulado pela juíza foi de R$ 2 bilhões. Sinceramente, eu acho uma mixaria, pois praticamente riscaram (do mapa) os quatro distritos historicamente mais importantes da cidade. Barão de Cocais nasceu naquela região. Imagine o quanto a Vale já lucrou na mina de Gongo Soco? É muito mais que esse valor (2 bilhões).
Mudando de assunto e não tem como deixar de tocar no tema seguinte. Como Barão de Cocais enfrentou a pandemia do novo coronavírus, a maior crise sanitária da história do país?
Décio Santos: Olhe, antes de falar da cidade, eu tenho que falar do Governo Federal. Eu acho que o Governo Federal não encarou a pandemia da forma que deveria. Não tratou com a devida seriedade. Barão de Cocais foi a quarta cidade do país a fazer contato com o Instituto Butantan para tentar comprar a vacina, porque eu acredito na vacina. O que vai salvar a economia é a vacina. Tivemos muitas dificuldades. Barão de Cocais é uma cidade diferente porque recebe muitas pessoas de fora. A nossa cidade tem 32 mil habitantes, mas, com a população flutuante, esse número chega a 37 mil pessoas. São cinco mil pessoas de fora, que vieram trabalhar aqui, e acabaram contaminando a nossa população. Até por isso, nós registramos mais óbitos que Santa Bárbara, que é uma cidade vizinha do mesmo porte (31 mil habitantes). Mas, apesar de tudo, enfrentamos muito bem a crise (sanitária) com a cabeça erguida. Não houve um cocaiense, que necessitando der ser entubado, deixou de ser entubado. No pique da pandemia, em março, nós aumentamos o número de leitos em nosso hospital e tivemos oito pessoas entubadas. A nossa capacidade era para entubar dois pacientes, mas aumentamos para dez. Então, nós demos dignidade para todos os pacientes. Perdemos muitos deles, mas todos foram tratados com muita dignidade. Até agora, 74 pessoas morreram pela Covid-19, aqui na nossa cidade.
E, nesse momento de disseminação da variante Ômicron, como se encontra a situação de Barão de Cocais?
Décio Santos: Estamos registrando muitos casos. Teve um dia em que foram registrados 95 casos. São muitos casos, até mesmo devido a essa característica de população flutuante. Mas não há ninguém internado em estado grave. Tivemos o óbito de uma senhora, que até estava internada em Itabira. Ela estava internada por outro motivo, mas contraiu Covid dentro do hospital de Itabira. Tem um homem que morreu aqui na cidade, mas não havia sido vacinado. Ele era contra a vacina.
E como se encontra a cobertura vacinal aqui na cidade?
Décio Santos: A cobertura vacinal está muito boa. Olha, hoje nós temos uma média melhor que Belo Horizonte. Aqui já atingimos 84% da população com a primeira dose, e 75% já tomaram a segunda dose. E agora estamos vacinando crianças a partir de cinco anos de idade.
Prefeito, só para concluir. No final desse ano, haverá eleições para presidente da república, governador, senador, deputado federal e estadual. Como o senhor avalia o processo eleitoral desse ano?
Décio Santos: Acho que a eleição para presidente ainda estará muito polarizada, mas eu acho que o Brasil vai querer voltar ao tempo do PT. Eu acho que acontecerá isso. Para governador, eu acredito que o (Romeu) Zema continuará governador. Zema teve muitas dificuldades no início do mandato, mas conseguiu colocar os salários dos servidores em dia e ainda fez investimentos. Eu acho que deve ser, mais ou menos, por aí.