A decisão da Justiça do Trabalho de suspender as demissões da Gerdau, em Barão de Cocais, na noite de quarta-feira (10), não impede a hibernação da empresa no município. Isso porque, conforme o documento, a determinação tem validade até que a siderúrgica promova a devida “intervenção sindical prévia” para os desligamentos sem justa causa, a partir de negociações com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústria Metalúrgicas, Siderúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Barão de Cocais.
Conforme o processo que corre na 1ª Vara do Trabalho de João Monlevade, o sindicato ajuizou a Gerdau comunicar a sua “decisão de hibernação da sua unidade em Barão de Cocais, com a dispensa dos seus quase 487 empregados, com a manutenção apenas de alguns deles para manutenção de suas máquinas e equipamentos”.
Nos autos do processo também é detalhado que “houve reunião no dia 28/05/2024, entre autor [sindicato] e ré [Gerdau], em que a empresa reiterou sua decisão quanto à hibernação da unidade e apresentou proposta de indenização, na modalidade de Programa de Dispensa Imotivada [PDI], com exigência de manifestação em maior brevidade”.
Ainda segundo o documento, o sindicato convocou “assembleia para o dia 03/06/2024, com a finalidade de apresentar a proposta da empresa aos trabalhadores, mesmo ciente de que a ré teria dado início aos exames demissionais. Na assembleia, o PDI foi rejeitado, posicionando-se a categoria profissionais pelo cancelamento da hibernação e manutenção de todos os postos de trabalho e contratos. Entretanto, na mesma data, a ré [Gerdau] teria iniciado a dispensa imotivada dos trabalhadores, ‘atropelando o processo de negociação e sem observar o princípio da boa fé objetiva'”.
Também é destacado que “foram realizadas audiências junto ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério do Trabalho, com a presença do sindicato e da ré [Gerdau], respectivamente, nas datas de 06/06/2024 e 12/06/2024, mantendo a ré [Gerdau] sua decisão quanto à hibernação da unidade e dispensa dos trabalhadores”. Dessa forma, o sindicato defende que o “procedimento de dispensa coletiva promovida pela [Gerdau] viola princípios constitucionais que impõem a participação necessária do sindicato”.
Argumentos da Gerdau
No processo, a siderúrgica sustenta “inexistir previsão legal que restrinja o exercício do poder diretivo do empregador de realizar a gestão de seu negócio. Argumenta que o art. 477-A da CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas] assegura que as dispensas individuais, plúrimas ou coletivas não dependem de autorização prévia do sindicato da categoria profissional, não havendo procedimento ou formalidade a serem observadas como requisitos de validade do ato“.
Também afirma “ter buscado, efusivamente, a negociação coletiva prévia, mantendo o sindicato-autor ciente de todos os acontecimentos e prestando-lhe todas as informações necessárias, inclusive, apresentando-lhe os termos iniciais do acordo coletivo pertinente ao PDI”.
A Gerdau alega, ainda, que o “sindicato autor teria confessado na petição inicial que ‘houve negociação prévia suficiente para revestir de validade as dispensas realizadas, nos exatos termos do Tema 638, do STF”.
A empresa sustenta “ter pago aos trabalhadores dispensados, ‘por liberalidade e sem qualquer contrapartida, diante da ausência de avanço nas negociações com o Requerente, as seguintes parcelas: 1) 01 salário extra; b) 03 meses de indenização do valor do plano de saúde (indenizado); c) R$1.000,00 de crédito extra no VA; d) mais 01 salário extra (para aqueles que permaneceram nas atividades finais e preparativas da hibernação até o último dia de expedição); e) auxílio à recolocação profissional; f) pagamento proporcional do Programa de Participação nos Resultados (METAS)’. Aduz que o pacote de benefícios extras ainda pode ser acrescido de outras vantagens e que adotou medidas para auxiliar os trabalhadores dispensados em sua recolocação profissional, bem como procedeu à disponibilização de vagas de transferência para outras localidades, tendo tido a adesão de 86 trabalhadores”.
Assim como argumenta que “o número de dispensados alegado pelo autor não corresponde à realidade” e “informa que outras duas unidades foram colocadas em hibernação na mesma data e que, nessas, obteve sucesso na negociação coletiva, com adesão expressiva dos trabalhadores ao PDI”. Além de sustentar “que o sindicato-autor se manteve inerte, mesmo diante dos representantes do MPT e MTE e que a ré [Gerdau] está adotando as medidas cabíveis para reduzir os impactos do fechamento da Usina em Barão de Cocais”.
Entendimento da Justiça
Em sua decisão, a juíza substituta Patrícia Vieira Nunes de Carvalho destaca que a “ré [Gerdau] procurou o sindicato com a decisão da hibernação e consequente dispensa em massa já tomada e, em clara violação ao princípio da boa-fé objetiva, não prestou informações claras sobre os motivos da suspensão de suas atividades na localidade, nem se colocou, de fato, aberta ao diálogo com vistas a ouvir as reivindicações da categoria profissional e à busca de uma solução negociada que pudesse minorar os efeitos deletérios para a comunidade de trabalhadores, que, diga-se, não se limita apenas àqueles empregados diretos da Gerdau, mas atingirá, certamente, centenas de outros terceirizados que a ela prestavam serviços”.
Também argumenta que a “ré [Gerdau] sequer aguardou que o sindicato colhesse a vontade da categoria e formulasse sua contraproposta, não havendo dúvidas de que pretendeu apenas chancelar a sua vontade, seja quanto à dispensa da coletividade de trabalhadores, seja quanto aos termos de uma suposta compensação pelo fechamento abrupto da usina”.
Além disso, destaca que a “a jurisprudência, especialmente na tese fixada no Tema 638 de Repercussão Geral pelo STF, entende que a intervenção sindical possui uma feição de estímulo ao diálogo, de tal maneira que o dever de negociar é um meio, não tendo qualquer referência quanto ao conteúdo do acordo”.
A juíza observa, ainda, sobre a conduta da empresa, que “resta evidente que não houve boa-fé na negociação. Isso porque, não há negociação se uma das partes apenas aguarda a outra ceder em seus direitos ou pretensões. Ou, como no caso, sequer aguarda que a categoria profissional possa dialogar entre si e formular as suas próprias pretensões e contrapropostas”.
“Nem se diga que houve outras tentativas de negociação após o dia 03/06/2024, o que demonstraria o cumprimento do requisito da intervenção prévia. Isso porque, uma vez já dispensados, os trabalhadores perderam qualquer poder de barganha, frustrando-se a possibilidade real de negociação”, complementa Patrícia de Carvalho em sua argumentação.
Por fim, destaca que, com a paralisação da usina siderúrgica em Barão de Cocais, é estimada a “dispensa de um efetivo de 400 empregados diretos e cerca de 1.000 trabalhadores indiretos, conforme veículos de imprensa locais. Trata-se de uma usina que estava em funcionamento há 101 anos, sendo notório o grande impacto na economia não só em Barão de Cocais, mas em toda a região. Logo, é evidente que esse desemprego em massa irá causar problemas socioeconômicos graves”.
Outros pontos
Ainda em sua decisão Patrícia de Carvalho explica que não é possível atender ao pedido de impedimento da hibernação da Gerdau em Barão de Cocais. “É preciso ressaltar que essa reivindicação é inviável, pois não cabe ao Poder Judiciário intervir na gestão empresarial, sendo certo que a Constituição Federal consagra a liberdade econômica. Com efeito, se a decisão da Gerdau foi encerrar as atividades em Barão de Cocais devido a fatores relativos à análise econômica da empresa, tais como, custos elevados e estrutura com menor nível de atualização tecnológica, não cabe, ao Poder Judiciário, impedir tal medida”.
Sobre a reintegração dos trabalhadores, a juíza argumenta que “a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho também sinaliza pela sua inviabilidade em caso de nulidade da dispensa em massa, pois não há dispositivo constitucional ou legal que conduza à estabilidade na hipótese, nem é possível admiti-la por
interpretação extensiva ou por analogia”.
Porém, ela sustenta que “ainda que não seja cabível a reintegração, sendo a intervenção sindical prévia um requisito procedimental essencial para a validade das dispensas coletivas, sua ausência tem como consequência jurídica a suspensão dos efeitos da dispensa, até que implementada a condição”.
A decisão
Conforme a decisão judicial, ficam suspensos “os efeitos das dispensas imotivadas realizadas pela ré [Gerdau] a partir de 27/05/2024 (data de implementação da hibernação) na unidade de Barão de Cocais, até que se promova a intervenção sindical prévia, nos termos da Súmula 638 do TST [Tribunal Superior Eleitoral]”.
Também foi estabelecido que, enquanto durarem os efeitos da suspensão das dispensas, “a ré [Gerdau] deverá proceder ao pagamento dos salários e dos demais benefícios contratuais e convencionais praticados no curso do contrato de trabalho, inclusive, do plano de saúde (in natura ou de forma indenizada) aos empregados dispensados a partir de 27/05/2024, mesmo sem que haja a prestação de serviços, tendo em vista que a paralisação das atividades da usina em Barão de Cocais decorre de decisão da própria empresa, tornando inviável a sua exigência”.
Assim como determina, “de imediato, que a ré [Gerdau] não realize novas dispensas imotivadas na referida unidade, até que se promova a intervenção sindical prévia, nos termos da já citada Súmula 638 do TST”.