Um antigo amigo – filósofo de biroscas etílicas e lupanares de beira de rodovia- afirmava com muita convicção, nas baixas rodas de muito antigamente: “não há regras e nem limites para a língua humana”. O verbo (afirmar) no imperfeito do indicativo revela que esse discípulo de Epicuro já não mais está entre nós.
Partiu definitivamente e deixou muita saudade. Outro aforismo atribuído ao judeu Saulo de Tarso, popular São Paulo, também faz dura crítica ao uso abusivo do órgão fundamental da arte do falar: “está na boca do insensato a vara para a sua própria soberba, mas os lábios dos prudentes o preservarão”, ensinava o mais intelectualizado dos discípulos de Jesus Cristo.
Esse preâmbulo todo é o caminho inicial para simples reflexão acerca da mais ilustre língua do Brasil: aquela que orna a boca do presidente da República. E, como se sabe, o mandatário maior do país tem imensas dificuldades em manter o tal músculo carnoso em ponto morto. Uma coisa é certa: a língua do eventual habitante do Palácio da Alvorada é muito mais veloz que a produção retórica do seu cérebro. Consequência natural desse descompasso (pensamento x fala): nos três últimos anos, Jair falou demais e governou de menos.
Nas eleições de 2018, o parlamentar do chamado baixo clero teve expressiva e até surpreendente votação na disputa para a presidência da república. O ex- capitão do Exército venceu o segundo turno com 55,13% dos votos. E qual o segredo para tamanho sucesso? A percepção é simples: o deputado carioca capitalizou, com rara competência, a insatisfação popular com as graves maracutaias cometidas pelos “companheiros” petistas no exercício do poder (2003 a 2011). E, nesse aspecto, uma fatal consequência fica muito clara: o petismo pariu o bolsonarismo.
Mas Jair terá muitas dificuldades em se manter na principal cadeira do terceiro andar do Palácio do Planalto (o mesmo simbólico espaço físico do poder Itabirano). Essa constatação é um ponto fora da curva. Mesmo porque, o desempenho no pleito de 2018 pavimentava claramente o caminho para o êxito na tentativa de reeleição, em 2022. É lógico.
Qualquer eventual ocupante do poder Executivo é franco favorito numa disputa pelo segundo mandato. A história recente do país confirma esse ponto de vista. Depois do advento do instituto da reeleição, todos os presidentes conseguiram uma nova oportunidade para governar: Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Mas, por que com Bolsonaro script se encaminha para um final nem tão feliz? A resposta está na ponta da língua. Se o mandarim falasse menos, não brigasse tanto e abrisse mão do perigoso passatempo de colecionar inimigos, a história teria outro enredo. Com certeza. Possivelmente, o presidente até liquidaria a fatura no primeiro turno.
E fica aqui uma recomendação para Jair Bolsonaro e outro mandatário qualquer: faça da sua língua um rato-silvestre. Deixe que ela hiberne por quatro anos. Esse é o caminho das índias. A natureza foi sábia quando dotou o ser humano de dois olhos, um par de ouvidos e apenas uma boca. Essa conformação física evidencia que o mais prudente é ver mais, ouvir bastante e tagarelar o menos possível.
Em tempo: Um exemplo da imprevidente velocidade da língua de Bolsonaro. Durante a Reunião do G20, em Roma, o presidente teve um breve e imprevisível encontro com Angela Merkel, uma das principais personagens planetária da atualidade. De repente, com a sutileza de um elefante, Bolsonaro pisou acidentalmente o peito do pé da chanceler alemã. A reação de Merkel foi em tom de brincadeira: “só podia ser você”. Nenhum repórter presenciou a cena. Alguns poucos assessores foram testemunhas do “pisão”. A líder germânica não comentou nada com ninguém. A ocorrência foi banal. O caso, porém, vazou desnecessariamente para parte da imprensa brasileira. Adivinhe quem contou tudo para um “jornalista amigo”? A incontrolável língua de Jair Bolsonaro. O presidente vangloriou-se de ter pisado o pé da mulher mais poderosa do planeta. Só podia ser Jair.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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