Mais de 100 famílias itabiranas estão sofrendo com um golpe que, além de levar seus recursos financeiros, levou também os sonhos de seus filhos e parentes. A questão envolve um curso de bombeiro aprendiz civil, em que nove aulas foram oferecidas e os organizadores desapareceram, sem terminar a formação.
Além das centenas de famílias que pagaram pela formação mas não receberam nem metade das lições, brigadistas itabiranos também foram absolutamente prejudicados porque deram as aulas e não foram pagos pelo serviço.
O curso
A proposta e divulgação do curso aconteceu em setembro de 2021 e oferecia 24 aulas em uma formação de bombeiro aprendiz para crianças e adolescentes. Inicialmente seriam oferecidas 50 vagas, no entanto os organizadores utilizaram uma estratégia de marketing que tem um apelo de urgência e atraíram cerca de 130 participantes do evento.
As aulas começaram no mês de outubro, aplicadas a cada sábado, sendo quatro aulas mensais e seis meses de formação. Todavia, com as festividades de fim de ano, o ritmo foi reduzido, voltou em janeiro com uma frequência absolutamente menor e, em fevereiro, foram suspensas em função do carnaval, mas nunca foram retomadas.
Em tese, seriam oferecidos materiais de proteção, uniformes, kits de emergência e de atendimento pré-hospitalar, equipamentos de proteção para atividades em altura, entre outros insumos que fazem parte do valor investido pelos pais ou responsáveis das crianças. Porém, esses materiais jamais foram entregues aos pequenos.
A matrícula e as nove aulas que chegaram a ser oferecidas aconteceram no clube Arfita, que também tomou prejuízo. Os responsáveis pela oferta do curso ficaram devendo três meses de aluguel do espaço para o clube, que não consegue contatá-los para receber.
Modus Operandi
A instituição que oferece o curso de bombeiro mirim é uma companhia limitada, que está cadastrada em um CPF. A página de Instagram da organização tem mais de 50 mil seguidores e, entre eles, diversos clientes insatisfeitos com o serviço.
Ao observar os comentários das postagens é possível perceber que eles passaram por diversas cidades e fizeram o mesmo: deram algumas aulas, embolsaram o dinheiro do pagamento e desapareceram deixando as pessoas no prejuízo.
Além disso, existem diversos feedbacks negativos sobre o curso no reclame aqui, em que os usuários relatam a mesma situação vivenciada pelos itabiranos.
Ao fazer uma pesquisa sobre o curso e instituição no Google, é possível encontrar matérias de diversos veículos de diferentes localidades do país denunciando a ação. E todas elas definem uma característica que, infelizmente, se repetiu em Itabira.
O curso é oferecido em setembro, começa em outubro e perde força durante o período de festividades – em que os organizadores utilizam exatamente esse pretexto para reduzir o número de aulas. Já no momento que antecede o carnaval eles contatam as famílias e suspendem o curso até o fim do feriado, contudo não retornam a formação.
As famílias e as perdas
Os responsáveis pelos participantes do curso assinaram um contrato particular de prestação de serviços, que oferecia as garantias citadas acima e determinava o valor de R$600 pela formação, muitos pais pagaram este valor no cartão de crédito, alguns chegaram a pagar à vista. O interessante é que o máximo de vezes em que o pagamento do curso pode ser dividido, casa justamente com o prazo em que eles ofereceram as aulas.
Os responsáveis relatam que as crianças estão muito tristes por não poderem ter a formação continuada, além de que o valor fez grande diferença no orçamento das famílias, uma vez que não receberam o serviço em que investiram.
Depoimentos
Conversamos com uma mãe que vivenciou a situação com seu filho, ela desabafa:
“Eu como mãe me sinto muito frustrada pelo acontecimento, foram sonhos de nossos filhos jogados fora, no dia da apresentação do curso falaram mil coisas, prometendo que seria de bom aproveito o curso e que não iríamos arrepender… e hoje estamos assim de mãos atadas. Ninguém responde mais por isso, só recebemos mensagens toda sexta feira falando que não haverá o curso, e para eles é simples mandar somente esse aviso e não nos manter informados do que aconteceu e o porquê disso tudo.”
Uma das brigadistas que trabalhou no curso também falou sobre o golpe:
“Quem nos acompanhou sabe do nosso esforço e também do nosso caráter. Teve uma mãe que no começo até nos questionou se tínhamos algum documento formal para dar aula e não, não tínhamos e não temos. Confiamos neles. E infelizmente quebramos a cara.”
Órgãos oficiais
Conversamos com o Comando do 6° Pelotão de Bombeiros de Itabira, Tenente Marlon Medeiros, que trouxe orientações e posicionamento da instituição:
“Cabe primeiramente afirmar que esse curso não possui qualquer relação com o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Em 18 de junho de 2021, saiu uma nota técnica da Diretoria de Atividades Técnicas, a respeito desses cursos oferecidos por entidades que realizam a formação de crianças e adolescentes para atividades de bombeiros civis mirins. Nela se estabelece que, somente os cursos de formação de voluntários e profissionais que exerçam atividades na área de competência do Corpo de Bombeiros são passíveis de regulamentação pelo CBMMG (prevista na Lei Estadual 22.839/2018, em seu artigo 7°). O curso em comento não identifica a possibilidade de interferência da Corporação, uma vez que o objetivo deles é a formação de crianças e adolescentes, apesar de que em suas malhas curriculares existam muitas disciplinas que tangenciam as atividades de competência do Corpo de Bombeiros Militar.”
O tenente destaca também o que fazer para evitar esse tipo de situação:
“A orientação que temos à população é que sempre verifiquem referências dos cursos realizados (se são boas ou não), verificação se já houve outras turmas formadas, denúncias em outros municípios e estados (facilmente consultadas via internet).”
Ele também destacou as providências a serem tomadas pelas vítimas:
“Aquelas pessoas que se sentiram lesadas e suspeitam da prática de estelionato ou publicidade abusiva, e possuem documentos e provas de sua irregularidade, devem procurar os órgãos competentes para a adoção das providências cabíveis (Policial Civil de Minas Gerais, Ministério Público e etc).”
Providências
Algumas dessas pessoas que foram lesadas já fizeram boletim de ocorrência na polícia civil. A partir destas denúncias, será instaurado um inquérito para investigar o golpe e o assunto.
Aparentemente, os organizadores do curso são investigados em diversas regiões do Brasil justamente por esse motivo. As famílias estão se articulando para prestar uma denúncia coletiva e tentar ajuizar uma ação, para que possam reaver seus direitos.
Uma das responsáveis por um participante tentou contatar o coordenador do curso na tarde desta quinta-feira (24), ao que ele respondeu não fazer mais parte da integração e corpo organizador do curso:
“(…) não sei quem é o novo coordenador, enfim… ela tem que tomar providências com o administrador, comigo não.”
As famílias ainda não conseguiram um contato adequado com o financeiro da instituição, não obtiveram resposta sobre a realização do curso ou, tampouco, informação sobre reembolso.
Apesar disso, os golpistas continuam respondendo as mensagens com justificativas desconexas, como que estão a procura de novos instrutores para o curso – enquanto os próprios instrutores que ofereceram as nove aulas não foram pagos e não tiveram contrato assinado.