O Brasil ficou na 107ª posição na edição de 2024 do Índice de Percepção da Corrupção (IPC), da Transparência Internacional, empatado com Argélia, Malauí, Nepal, Níger, Tailândia e Turquia. É a pior colocação na série histórica, iniciada em 2012.
De acordo com o relatório da entidade lançado junto com o ranking, o decréscimo da nota do País se deveu a fatores como o silêncio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a pauta anticorrupção, a manutenção do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, no cargo mesmo após ser indiciado pela Polícia Federal (PF) por corrupção passiva, fraude em licitação e organização criminosa.
Desde 1995, o IPC avalia 180 países e territórios e atribui notas entre 0 e 100 para medir o nível de integridade das nações com base em dados que trazem a percepção de acadêmicos, juristas, empresários e especialistas acerca do nível de corrupção no setor público. Quanto menor a pontuação, pior é a percepção de corrupção do país.
No último relatório, os melhores resultados vieram de Dinamarca (90 pontos), Finlândia (88), Cingapura (84) e Nova Zelândia (83). O Brasil recebeu 34 pontos. A média para as Américas é de 42 pontos. Para o mundo, 43 pontos.
A melhor pontuação do Brasil aconteceu em 2012 e se repetiu em 2014, ambos durante os governos Dilma Rousseff (PT), com registro de 43 pontos.
O estudo
Com 34 pontos, o Brasil demonstrou piora que o colocou abaixo da média de seus pares regionais, de 42 pontos, e da média global, de 43 pontos. Aproximou-se, assim, do grupo de países de regimes antidemocráticos, a exemplo da Turquia, que teve a mesma pontuação.
No grupo do G20, o Brasil ficou à frente de apenas dois países: México e Rússia. O relatório cita pontos de enfraquecimento do combate à corrupção como a renegociação dos acordos de leniência da operação Lava Jato, em que réus se comprometeram a pagar multas para ressarcir danos causados por desvios éticos.
Também menciona a retomada da influência de empresários que confessaram ilícitos junto ao governo. Os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do Grupo J&F são citados. Em maio, eles chegaram a participar de uma reunião no Palácio do Planalto na presença de Lula.
O documento lembrou ainda das decisões do ministro Dias Toffolli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou sanções previstas em acordos de leniência. Foram beneficiadas a empreiteira Novonor (antiga Odebrecht), que se livrou do compromisso de pagar R$ 8,5 bilhões, e a J&F, que teve sua multa de R$ 10,3 bilhões anulada.
Há menção a “episódios reiterados de conflito de interesse de magistrados, principalmente em julgamentos envolvendo bancas de advogados de parentes e em eventos cada vez mais frequentes de lobby judicial”.
No ano passado, investigações apontaram para a atuação de lobistas e advogados junto a tribunais para compra de sentenças. O caso chegou a lançar suspeitas sobre ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relatório criticou o que chamou de “institucionalização da corrupção em larga escala” mediante a persistência da distribuição de recursos via emendas parlamentares sem transparência e rastreabilidade mesmo após decisões do STF que consideraram esse mecanismo inconstitucional
Pontos de avanço
Apesar de o Brasil ter piorado no cômputo geral, a Transparência Internacional reconhece que houve avanços na agenda anticorrupção, como a decisão do STF que proibiu emendas parlamentares sem transparência e rastreabilidade. O Plano de Integridade e Combate à Corrupção lançado pela Controladoria Geral da União (CGU) foi lembrado, assim como esforços de fiscalização que culminaram na queda do desmatamento e na redução da exploração ilegal do ouro.
De acordo com a Transparência Internacional, casos como o da operação “Overclean”, deflagrada em dezembro, evidenciam o impacto de escândalos de corrupção no meio ambiente. A investigação revelou que uma organização criminosa movimentou cerca de R$ 1,4 bilhão por meio de desvios em licitações e emendas parlamentares no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).
Recomendações
No relatório, a Transparência Internacional apresenta recomendações a cada um dos Poderes da República. Sugere, por exemplo, que o Executivo não coadune com emendas sem transparência, fortaleça mecanismos de governança de empresas estatais para blindá-las do Centrão, tire de seus respectivos cargos funcionários do alto escalão do governo investigados por irregularidades e assegure que a renegociação dos acordos de leniência se baseie em critérios técnicos, com transparência e direito de participação das vítimas.
Ao Legislativo, a entidade sugeriu garantir transparência em todas as emendas destinadas por parlamentares e aprimorar projeto de lei que regulamenta o lobby, já aprovado na Câmara e que agora está pendente de discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Para o Judiciário a lista de recomendações inclui garantir o cumprimento das decisões que exigem transparência das emendas parlamentares, julgar no STF o recurso do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que pede revisão de decisão monocrática de Dias Toffoli que anulou multas previstas nos acordos de leniência da Lava Jato. Pediu ainda que se assegure punição às pessoas envolvidas em ataques contra as instituições democráticas sem permitir que “o enfrentamento às ameaças à democracia brasileira não gerem, elas próprias, violações de direitos e de garantias fundamentais ou levem ao enfraquecimento das instituições”.
O que diz a CGU?
A Controladoria-Geral da União publicou uma nota sobre o estudo da Transparência Internacional, leia na íntegra:
A Controladoria-Geral da União (CGU) reforça seu compromisso com a transparência e o combate à corrupção. Por isso, alerta para limitações metodológicas do Índice de Percepção da Corrupção (IPC), da Transparência Internacional (TI). O IPC mede percepção, não a ocorrência real de corrupção, e seu próprio relatório recomenda cautela na interpretação dos resultados, especialmente em relação a variações (“sutis” ou “estatisticamente irrelevantes”) da pontuação.
Os países que combatem corrupção podem ser penalizados no IPC, uma vez que a exposição de casos e investigações impacta negativamente a percepção sobre o problema. O combate à corrupção não pode ser tratado como um fator negativo para a avaliação de um país.
O uso do IPC para embasar debates públicos pode levar a distorções, alimentando narrativas que minam a confiança nas instituições democráticas. O índice se baseia em pesquisas com grupos específicos, como empresários, e não representa a percepção geral da população. Além disso, vários eventos mencionados no relatório como fatores negativos para o Brasil ocorreram após o período de coleta de dados do índice, o que compromete a coerência da análise.
Por outro lado, avanços concretos não são devidamente reconhecidos. O Brasil ampliou sua transparência com melhorias no Portal da Transparência, avançou na rastreabilidade de emendas parlamentares e lançou o Plano de Integridade e Combate à Corrupção 2025-2027, com 260 ações estratégicas. Além disso, a CGU bateu recorde de operações contra a corrupção em 2024, totalizando 47 ações.
O Brasil também retoma protagonismo internacional na transparência, sendo sede da COP 30 e fortalecendo sua participação na Parceria para Governo Aberto (OGP). Esses avanços refletem um compromisso sólido com governança democrática, algo que o IPC não mede de forma adequada.