Audiências realizadas de 7h30 às 20h30, sem intervalos, somando diariamente 200 procedimentos judiciais em salas que, com o tempo, se dividiram em duas, espremendo o espaço entre juizes, estagiários e a população. Essa é uma parte de um esforço que não tem sido suficiente para desafogar os juizados especiais de pequenas causas em Minas Gerais, sufocados com o crescimento da demanda. O órgão, que nasceu para ser uma via alternativa à Justiça comum, tendo como princípio a conciliação, completa 15 anos com uma sensível piora em sua performance. Nos últimos 10 anos, a demanda pelo serviço mais que dobrou, mas a estrutura, em alguns casos, foi reduzida. Como resultado, o acervo de processos que aguardam julgamento atingiu no ano passado a marca recorde de 660 mil, um salto preocupante de 292,8% nos últimos 10 anos.
Nos tribunais de pequenas causas, o tempo dos julgamentos foi crescendo ano a ano, e mais que triplicou desde a criação do órgão. Apesar de julgar mais de 90% das ações distribuídas no período de 12 meses, os processos que antes consumiam 60 ou 90 dias podem agora levar um ano ou mais em caso de recursos. A demora já reflete no índice de conciliação. Quanto mais longo é o prazo, menor é o percentual de acordo, já que o fornecedor prefere usar o tempo a seu favor. O índice de conciliação encolheu nos últimos 10 anos de 50% para 30%.
DESEMPENHO Apesar de ressaltar a satisfação da população com o trabalho do órgão e o esforço para cumprir metas e prazos, o coordenador dos juizados especiais de Belo Horizonte, Vicente de Oliveira Silva, se mostra ao mesmo tempo preocupado com a queda do desempenho. “Mesmo se fizéssemos audiências até meia-noite ou 1h não conseguiríamos responder à demanda, com a estrutura que temos. Há cinco anos, tínhamos 18 magistrados, hoje são 15”, aponta Oliveira, referindo-se aos números do Juizado Especial de Relações de Consumo, que concentra o maior volume de processos entre todos os juizados da capital.
Quem não buscava seus direitos por desconhecer o funcionamento da Justiça comum, desestimulado pela demora ou por não ter recursos para arcar com um processo, hoje, trafega com facilidade pelos juizados especiais, onde a Justiça é gratuita, o acolhimento à queixa é imediato e ações de até 20 salários mínimos dispensam advogados. A demanda reprimida é uma das justificativas para a sobrecarga de trabalho, mas órgãos de defesa do consumidor também destacam o maior esclarecimento da população e ainda um alto índice de práticas contrárias à lei no mercado.
A desaceleração no ritmo dos juizados já causa reclamações. O empresário Glayson Ribeiro Silva reclama que, em junho de 2008, deu início a uma ação por danos morais contra a instituição financeira responsável por seu cartão de crédito. Ele espera receber R$ 8 mil, mas até o momento a sentença não foi publicada. “Meu nome foi incluído indevidamente no Serasa. De acordo com a lei, os processos deveriam ser julgados em 45 dias, mas minha ação já dura mais de um ano e meio”, queixa-se.
Fôlego
Os juizados especiais deram fôlego à Justiça e os números mostram que a população brasileira decidiu reclamar seus direitos, mesmo que o valor da causa seja inferior a R$ 50. Nos últimos 14 anos, o número de ações no estado saltou de 285 mil para 726 mil, mais que o dobro. Nos últimos três anos, só em Belo Horizonte, o número de ações relacionadas ao direito do consumidor cresceu praticamente 40%, atingindo, em 2009, 36,8 mil processos. Este ano, se a demanda crescer minimamente, o número vai atingir 40 mil.
Isso sem contar as demandas do setor de telefonia, campeão em reclamação. O prédio de quatro andares onde funciona o Juizado Especial de Relações de Consumo, na Rua Curitiba, Centro de BH, ficou pequeno e abarrotado com as reclamações de consumidores insatisfeitos. A telefonia ganhou um juizado especial, com prédio à parte. Para se ter ideia, nos últimos três anos, as ações do segmento mais que dobraram, saltando de 6.861 para 15.651, um crescimento surpreendente de 130%.
O contador Gustavo Maciel tem dois processos em curso nas Relações de Consumo. Um deles contra uma construtora e outro contra um fabricante de eletrodomésticos. Segundo ele, as empresas não têm interesse em fazer acordo. “Pedi o mínimo possível. Quero de volta o monitor que queimou em 15 dias, no valor de R$ 500, e a devolução de R$ 5 mil que paguei por um imóvel, mas desisti da compra”, diz. Segundo o contador, ele evitou pedir danos morais ou qualquer taxa além dos valores exatos para tornar o processo mais ágil. Mesmo assim, não alcançou êxito. “É visível que as empresas contam com o tempo e preferem protelar. Acho que os julgamentos deveriam ser mais rígidos para forçar um acordo, principalmente quando não restam dúvidas sobre o direito do consumidor”, desabafa.
Didferença
Algumas pequenas medidas, poderiam fazer grande diferença. Oliveira diz que o incremento de 15 para 18 magistrados no Juizado Especial de Consumo já faria grande diferença na agilidade dos julgamentos. O espaço físico apertado também desafia o bom desempenho do órgão. Até o final do ano, a expectativa é que o prédio da Rua Curitiba seja transferido para a Rua Padre Rolim, no Bairro Santa Efigênia. Se a mudança de endereço ocorrer de fato, o juizado saltará de quatro para 16 andares, o que pode devolver o ritmo aos processos.