Agressão à saúde

Vista do centro de Itabira em 2 de agosto de 2011

Agressão à saúde

O tempo passa, as leis mudam, mas Itabira continua sofrendo com a poluição do ar, devido à intensa atividade minerária. A mina, praticamente dentro da cidade, dispensa poeira e tem, ainda, o vento como agravante, soprando, predominantemente, em direção à área central. O último estudo sobre a qualidade do ar no município foi concluído pela Universidade de São Paulo (USP), em 2005. A pesquisa mostrou claramente a relação entre as doenças respiratórias e cardiovasculares com a poluição, além de comparar Itabira a grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.

A Vale opera na cidade desde 1942 e, atualmente, é uma das maiores mineradoras do mundo. No ano passado, a empresa lucrou R$ 37,8 bilhões, alta de 25,7% na comparação com o ano anterior, melhor resultado de toda a sua história. Os números deixam claro: não há como desconsiderar a riqueza gerada para o município, bem como os empregos e os investimentos atraídos. Mas também não há como ignorar os efeitos colaterais. Reconhecida internacionalmente como cidade de Carlos Drummond de Andrade, Itabira respira poesia, mas também poeira e minério de ferro.

No ano passado, por três vezes, a Vale lançou no ar poluição acima do tolerado pela norma do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema). Como punição, foi multada em R$ 1,5 milhão. Todas as três ocorrências foram em agosto: dias 3, 4 e 11.  A chefe de departamento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Karine Lage, explica que na primeira ocorrência a empresa é apenas notificada. A partir da segunda, recebe multa, que dobra em caso de reincidência.

Pelas infrações de 2 de agosto 2011, a Vale foi notificada no dia seguinte. No dia 4 foi multada em R$ 500 mil e, no dia 11, em R$ 1 milhão. Ao receber as autuações, a mineradora recorreu em primeira instância (junto à própria Secretaria Municipal de Meio Ambiente) e teve a pena reduzida, por cumprir as atenuantes — medidas corretivas aplicadas para amenizar o problema. De R$ 1,5 milhão, o valor caiu para aproximadamente R$ 1,1 milhão. Como permite a lei, a Vale poderia recorrer ao Codema e ao prefeito, ou ignorar tais instâncias e ir direto à Justiça. O processo ainda tramita e pode acabar como nos casos em que ocorreram outras autuações: sem a Vale destinar nenhum centavo aos cofres do município.

Desconforto

As vítimas de problemas respiratórios sofrem com o ambiente desfavorável. O encarregado de obras aposentado Darcílio Hilário de Carvalho, 60, morador do Jardim Gabiroba, sofre de rinite alérgica, mal que se agrava com a poluição. Devido ao problema de saúde, o aposentado tem dificuldades para dormir, pois não consegue deixar a janela fechada — o que impossibilitaria a circulação do ar. “Se eu abrir fica pior, por causa da poeira que vem de fora”, reclama.

O nível de poluição do ar é medido por quatro estações de monitoramento funcionando em pontos estratégicos da área urbana e são operadas por uma estação terceirizada da própria mineradora. Embora contestado por membros da sociedade, assim ficou decidido na Licença de Operação Corretiva (LOC) 2000. A Vale teria de construir e operar os equipamentos responsáveis por medir a intensidade das partículas lançadas na atmosfera diariamente.

A empreiteira responsável pelo trabalho envia os dados das estações ao mesmo tempo para a Vale, Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e Secretaria Municipal de Meio Ambiente. A classificação dos poluentes se divide em dois tipos: Partículas Totais em Suspensão (PTS), o pó preto visível com alto poder de sujidade, e o PM10, poeira respirável e agressiva à saúde.

Para combater os efeitos, Darcílio mantém a casa extremamente limpa e toma medidas paliativas, como colocar uma toalha molhada no quarto. Mesmo assim, o aposentado precisa usar um forte antialérgico, administrado somente em momentos de crise, devido a seu efeito indesejado aos ossos. Segundo ele, o problema é peculiar em Itabira. Durante o tempo em viveu em Nova Era e Ipatinga, respirava bem melhor e não tinha problemas com noites de sono.

A situação de Darcílio é explicada pela pneumologista Enerstina Freitas de Figueiredo. De acordo com a médica, principalmente em ocasiões de baixa umidade do ar, pessoas portadoras de problemas respiratórios têm dias ruins. Entre as doenças, a renite alérgica é a principal, mas há também a asma, faringite, rinossinusite, entre outras. “São esses pacientes que, quando expostos a um ambiente potencialmente agressivo, vão apresentar os sintomas”, diz a médica.

Segundo Dra. Ernestina, a partícula do minério não é tão preocupante quanto a poeira fina. Sobre a nuvem amarela de pó, que costuma invadir a cidade, o efeito é considerado degradante ao corpo humano, principalmente às vias aéreas e pulmões, segundo a pneumologista. Para conviver com o ambiente, a médica recomenda cuidados com a hidratação, tanto oral quanto nasal. Em casos que demandem uso de medicamentos específicos, é preciso procurar um médico especialista.

Lei mais rigorosa

Ciente do incontestável dano que a poeira e o pó de minério causam à saúde, a Prefeitura de Itabira reviu a lei que regula a mineração. Até 2007, a norma seguida era a do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que tolera até 240 microgramas de PTS (as partículas não inaláveis) e 150 microgramas de PM10 (partículas que se respira), ambas por um m³ de ar, diariamente.

A partir de 2007, o Codema criou uma deliberação normativa reduzindo de 240 para 150 a quantidade de PTS, considerando os mesmos parâmetros de medidas. De acordo com Karine Lage, foi um grande avanço, pois diminuindo as partículas maiores, as menores também são reduzidas.

A legislação municipal foi questionada pela Vale, por ser mais rigorosa que a federal, mas entrou em vigor mesmo assim. A base para a elaboração da norma foi a própria legislação do Conama e o estudo da USP, de 2005, pago pela mineradora em atendimento à LOC. Na pesquisa, um trecho da conclusão diz: “Os níveis de poeira com diâmetro capaz de penetrar os pulmões são da ordem de grandeza dos centros urbanos de nosso país”. Em outro trecho, o estudo confirma: “Assim como observado em outras cidades, existem efeitos adversos à saúde humana associados à poeira existente na atmosfera de Itabira. Aumentos de 10 milésimos de miligramas por mil litros de ar de poeira mostraram associação com incrementos de doenças respiratórias em crianças e adolescentes e doenças cardiovasculares em adultos”, atesta o documento.

Os prejuízos vão além. As lojas de roupas, por exemplo, perdem produtos para as partículas em suspensão. Os mostruários se encardem em duas semanas de exposição e as peças precisam ir a promoção. A reportagem conversou com mais de uma dezena de empresários que confirmaram o problema, mas não quiseram conceder entrevista formalmente.

Dona de duas lojas de roupas, uma na rua Água Santa e outra na avenida João Pinheiro, uma empresária itabirana diz que a perda maior é de roupas brancas. O motivo é o pó do minério que penetra nos tecidos e os deixam encardidos a ponto de não voltarem à cor original, nem com os mais avançados recursos de lavagem.

Na Região

Em São Gonçalo do Rio Abaixo, município que mais cresceu nos últimos dez anos em Minas Gerais, o problema da poeira parece não ser tão preocupante, ainda, porque a mina está distante do centro urbano. Na cidade, os impostos decorrentes da atividade minerária geraram ganhos significativos aos cofres públicos, depois do início das operações de Brucutu, em 2006.

Mesmo sem grandes transtornos relacionados à poluição, a Prefeitura vai instalar, em no máximo 90 dias, três estações de monitoramento da qualidade do ar na mina e em locais estratégicos no centro urbano. De acordo com o secretário municipal de Meio Ambiente são-gonçalense, Luiz Antônio dos Santos, é a própria Prefeitura que fará a medição dos dados, diferentemente de Itabira, onde a Vale se responsabiliza pela medição. “Ela [Vale] terá seus dados e nós teremos os nossos”, explica o secretário.

Outra discussão em São Gonçalo do Rio Abaixo, também presente em Itabira, é sobre a água. De acordo com Luiz Antônio, o manancial que abastece o município está em área da mina e pode, no futuro, sofrer impactos decorrentes da mineração. Segundo o secretário, a Prefeitura vai desenvolver um projeto, em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), para monitorar também o rio Santa Bárbara. Reuniões com a empresa estão sendo feitas para discutir alternativas para que a cidade não padeça, no futuro, de problemas de abastecimento.

Em Barão de Cocais, a mineração também não incomoda tanto quanto em Itabira, quando se trata de poeira. A mina Gongo Soco está longe da área central. Já sobre a mina Brucutu, bem mais próxima de Barão do que de São Gonçalo, a situação inspira um dito popular aos cocaienses: “São Gonçalo fica com o bônus e nós com o ônus”. As doenças respiratórias em Barão de Cocais, com índices preocupantes, estão ligadas à siderurgia, também responsável por lançar na atmosfera grandes quantidades de poluentes.

Com o fim do período chuvoso, a época mais crítica se aproxima, com baixos níveis de umidade relativa do ar se estendendo de junho a setembro, com pico em agosto. No caso de Itabira, é esperar e torcer para que as infrações de 2011 não se repitam.

As justificativas

Questionada pela reportagem, a Vale, por meio da Assessoria de Imprensa, esclareceu que não há uma operação específica que provoque tal fenômeno. A poeira em direção à cidade, segundo a empresa, tem contribuição de diversas fontes e está estritamente associada a particularidades do regime de ventos na região.

A Vale informou, ainda, que mantém, em caráter permanente, aspersões com caminhões-pipa das principais vias das minas de Itabira, feitas continuamente, em todos os dias da semana. É feito, ainda, segundo a empresa, o tratamento das superfícies dos taludes e pilhas de estéril com produtos aglomerantes, de forma a minimizar a emissão de poeira. São executados, também, segundo a empresa, plantios para restabelecer a cobertura vegetal. Também como medida preventiva, as áreas inativas do complexo foram cobertas com gramíneas e leguminosas.

A empresa informa que implantou aspersores fixos no pátio da usina do Cauê e em mais cinco quilômetros de estradas do Complexo e, desde 2001, mantém uma Rede Automática de Monitoramento da Qualidade do Ar em Itabira. Trata-se, segundo a Vale, de um sistema composto de quatro estações de monitoramento, que controlam, a cada uma hora, parâmetros como partículas totais em suspensão e partículas inaláveis. De acordo com a empresa, os resultados são transmitidos, a cada hora, via linha telefônica para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Itabira, para a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e para o Centro de Supervisão da Vale, e que estão à disposição da comunidade.

O Sistema de Monitoramento da Qualidade do Ar é, segundo a empresa, o único do país instalado em cidades do porte de Itabira. De acordo com a Vale, além do sistema de monitoramento, a empresa conta com uma Estação Meteorológica de Superfície, que monitora, continuamente, sete parâmetros meteorológicos, como forma de obter a correta interpretação dos dados coletados.

Apesar de todos os esforços aparentes, considerando-se as medidas informadas pela empresa, seus efeitos ainda são irrelevantes, levando-se em conta o prejuízo provocado à saúde de pessoas como o aposentado Dercílio e fatos como o ocorrido em 2 de agosto de 2011, quando toda a cidade sentiu os impactos da nuvem de poeira. O que a sociedade espera é que medidas mais eficazes sejam tomadas, em nome do bem-estar da coletividade. 

 

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