“Era uma vez no Oeste”. O enunciado remete a uma época de sonhos e encantamentos, na adolescência, lá em Ouro Peto. As lembranças desse cenário de vida lentamente vão se perdendo na inexorável bruma dos tempos. A maravilhosa década de 1970 – onde nada se podia e tudo se fazia. As ruas da cidade histórica viviam apinhadas de hippies. E, em algumas oportunidades, literalmente tomadas por milicos de todas as forças. A imagem emblemática ilustra os “Anos de Chumbo” da Ditadura Militar. Ainda assim, o centro da velha Vila Rica exalava forte cheiro de maconha. Todo o mundo via o “bagulho” e sentia o aroma da fumaça, menos a polícia.
Os membros da minha tribo – com idades idênticas – conservavam um costume peculiar, nas noites de sábados: enfrentavam longas filas para assistir filmes de faroeste, no tradicional Cine Vila, na Rua São José. A plateia vibrava com as estripulias de Clint Eastwood, John Wayne, Lee Van Cleef, Kirk Douglas, Giulliano Gemma e uma multidão de outros protagonistas. Alguns incautos torciam desesperadamente pelos bandidos. E em vão. Os mocinhos sempre triunfavam. Mas tudo era permitido. Inclusive, vibrar com as momentâneas arruaças dos malfeitores. Gosto é gosto. A suposta democracia permitia essa opção no mundo das artes.
A indústria cinematográfica produziu algumas obras-primas do bang-bang. “Era uma vez no Oeste” é um clássico do gênero. O elenco da trama foi formado por astros e estrelas da mais alta magnitude: Charles Bronson, Henry Fonda, Cláudia Cardinale e Janson Robrads. O filme é épico. E tem mais. A música tema emoldura um dos mais sublimes momentos da história da telona. O compositor e maestro italiano – Ennio Morricone – elevou a sua inspiração à enésima potência. Vale a pena ver e ouvir um dos mais belos exemplares da invenção dos irmãos Lumière.
E ponto. Sou barroco. Às vezes, dou um salto triplo e mudo de assunto. Esse estilo artístico da contrarreforma é puro contorcionismo. Migro de uma abobrinha para outra, sem aparente motivação. Era uma vez na Grécia antiga. Estamos, agora, em Atenas, a cidade-estado de Sócrates, Platão e Aristóteles – o filósofo clássico de minha predileção. Nem sei se Sócrates existiu. Certos estudiosos juram que não. Essa dúvida pode ser facilmente esclarecida com a ingestão de cicuta. A morte de corajoso beberrão voluntário comprovaria a existência de Sócrates. Bebo, logo morro. Então, o mestre de Platão existiu.
A referência icônica de Atenas era a Ágora – a praça onde se exercitava uma democracia direta, mas nem tão plena. Praticamente só a elite participava das deliberações. Mulheres, jovens, escravos e estrangeiros eram alijados das discussões. Apenas os chamados cidadãos tinham a honra do debate. Muitos atenienses ignoravam essas reuniões públicas. Os omissos recebiam a solene designação de idiotes. E nada é tão atual como esse termo. O mundo anda repleto de idiotas. Bem mais sutil, o alemão Bertolt Brecht apelidou essa turma por analfabetos políticos.
O apolítico, então, é um espécime de animal irracional? Aristóteles decretou a seguinte sentença na Ágora: “o homem é um animal político”. A prática da política, porém, não é privilégio da raça hegemônica do planeta. Afinal, essa atitude é uma qualidade inata no cão (um animal político). E fico por aqui. Meu modo barroco de ser acaba nesse ponto final.
Enfim: essa é a crônica de número cem, em dois anos de DeFato. Uma centena de abobrinhas. A mais pura irrelevância. Então, foi “sem” temas, em 24 meses. E antes que o mundo caia sobre mim: cardinal, sempre. Preposição, nunca.
PS: simples coincidência motiva e emotiva: foram cem crônicas, em plenos 30 anos da DeFato.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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