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Daniel de Grisolia: Muita irreverência e confusão no exercício do poder

Daniel de Grisolia: Muita irreverência e confusão no exercício do poder

Foto cedida por Abílio Couto

Parte 2

Daniel de Grisolia iniciou o seu segundo mandato com bastante tranquilidade. Dos 15 vereadores eleitos, 12 eram situacionistas. DG mudou muito pouco em relação ao início de sua carreira política. Dessa vez, porém, levou para o poder um problema que o acompanharia pelo resto da vida: o alcoolismo. Mas estava muito mais experiente. Já havia completado 42 anos de idade.

O prefeito nunca mudou o seu comportamento pessoal. O “cargo maior” de Itabira não alterou sua maneira de ser. Era muito autêntico em suas atitudes. Grisolia foi um sujeito naturalmente “folião”. Nos Carnavais, desfilava animadamente pelas ruas da cidade. Nessas ocasiões, fantasiava-se de zebra ou baiana. Também conservava um costume bastante extravagante. Durante o reinado de Momo, amarrava vários penicos velhos à cintura com uma corda de bacalhau. Com essa estranha parafernália, subia e descia a Rua Santana várias vezes. O bizarro desfile provocava uma barulheira infernal.

A figura chamava a atenção. O homem era alto, corpulento, com a barriga ligeiramente saliente. Andava impecavelmente vestido. O “Trim” (que não empastava) deixava os cabelos fixos e brilhantes. E haja copos! Grisolia bebia em casa, em sofisticados restaurantes, na zona boêmia ou nos copos- sujos da periferia. Não fazia a menor diferença. Esse exotismo aumentava ainda mais a sua popularidade. A maioria do povo tinha sincera admiração por esse político pouco convencional.

Em 7 setembro de 1970, o mandatário trouxe uma ala da Portela para desfilar em Itabira. Pouco antes da exibição da escola de samba, ele percorreu as principais ruas da cidade em cima do capô de um automóvel. Equilibrava-se com dificuldade e agitava uma enorme bandeira do Brasil. Luiza Grisolia – a esposa de DG (já falecida) – guardava uma recordação muito triste desse episódio. Em certo ponto da Rua Água Santa, um sujeito se aproximou do carro. Resoluto, gritou para o motorista: “dá uma brecada que esse filho da puta cai, bate a cabeça numa pedra e morre de uma vez”. “Foi uma cena muito estranha, pois Daniel era muito estimado”, lamentava a ex-primeira dama.

A administração do município não ia bem. Em determinadas ocasiões, o chefe do Executivo bebia demais e ficava uma semana inteira sem pôr os pés na prefeitura. Nesses períodos – de intensas ressacas – os assessores sempre tinham uma resposta na ponta da língua, quando alguém perguntava pelo prefeito. Eles invariavelmente respondiam: “Daniel está viajando”. E como viajava!

Apesar de tudo, Grisolia foi um grande tocador de obras. Atropelando o Legislativo e ignorando preceitos legais, deixou importantes realizações para a posteridade. São de sua lavra: a estação rodoviária, o Mercado Municipal, o viaduto do Alto Pereira, o Cemitério da Paz e as duas pontes, que ligam Ipoema a Senhora do Carmo. Abriu ainda uma usina de asfalto e construiu moderna avenida na região central da cidade, a atual Avenida Daniel Jardim de Grisolia. Uma justa homenagem post mortem. O polivalente prefeito era também desenhista. Ele mesmo fez os projetos da rodoviária e Mercado Municipal.

O ex-presidente da Câmara e adversário político – Benedito Moreira de Souza – fez uma espécie de “mea-culpa” alguns anos mais tarde: “eu não entendo como Daniel conseguiu fazer tantas coisas com tão pouco dinheiro”, reconheceu o popular Bené Moreira. Em Santa Maria de Itabira, o padre Luiz Moreira não se cansava de ironizar: “o prefeito de Santa Maria deveria beber igual ao (prefeito) de Itabira. Talvez, assim (bêbado), ele consiga fazer alguma coisa de útil aqui na nossa cidade”, alfinetava o sacerdote.

A convivência pacífica com o Legislativo acabou já no segundo ano de mandato. Os vereadores descobriram uma série de irregularidades na Prefeitura e rejeitaram as contas do exercício anterior. Grisolia não tomou conhecimento dessa divergência. Continuou seu trabalho sem dar satisfações pra ninguém. Para complicar ainda mais, o governante exonerou Francisco de Assis Ferreira – secretário da Fazenda. O popular Chico Rato era uma pessoa íntegra e de reconhecida competência. Essa demissão repercutiu muito mal no seio da sociedade itabirana.

A Prefeitura e a Câmara funcionavam num mesmo local. Os dois poderes coexistiam no casarão do atual Museu de Itabira, na Praça do Centenário. O relacionamento entre o prefeito e os vereadores deteriorou-se tanto que o Legislativo se transferiu para um imóvel da Rua Tiradentes, em frente ao atual Banco do Brasil.

Num dado momento, Grisolia passou a contar com o apoio de apenas dois vereadores: José Jésus de Souza (o Zé Jésus) e João Eli de Moura. Os demais faziam acirrada oposição. E quase cassaram o mandato de DG. O processo só não avançou graças a “Zé Jésus”. Muito hábil, ele sempre obstruía as manobras da oposição.

Mas o quadro não mudava. A quantidade de nuvens negras só aumentava no céu itabirano. A ditadura militar já ameaçava intervir na administração da cidade. Grisolia corria sério risco de parar na cadeia. No auge da confusão, Virgílio Gazire (o vice-prefeito) também rompeu com o titular. O chefe do Executivo estava isolado e o desfecho da crise caminhava rapidamente para um imprevisível final. E tudo acabaria da pior maneira possível.

PS1: Na imagem, DG desfila pelas ruas da cidade sobre o capô de um automóvel. De repente, um homem se desgarra da multidão e grita para o motorista: “Dá uma brecada que esse filho da puta cai, bate a cabeça numa pedra e morre de uma vez”. Foto cedida pelo advogado e ex-vereador Abílio Couto.

PS2: Na próxima terça-feira, o último capítulo. “A morte de Daniel Jardim de Grisolia: O dia mais trágico da história política de Itabira”

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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