Madrugada de 8 de fevereiro. Menos de 15 dias após o desastre de Brumadinho, outra cidade de Minas Gerais era atormentada por uma barragem de mineração. Ao som de sirenes, moradores de quatro comunidades de Barão de Cocais precisaram sair de suas casas às pressas, sem levar qualquer pertence, deixando até mesmo animais para trás, motivados pela elevação do nível de risco da estrutura Sul Superior, da mina de Gongo Soco, operada pela Vale.
8 de junho. Quatro meses depois, a realidade de Barão de Cocais foi revirada pelo avesso. Desde o primeiro toque das sirenes, toda a cidade passou a viver dias de tensão, esperando pelo desenrolar dos acontecimentos, que ainda pode ser o rompimento da barragem, algo não descartado enquanto ela permanecer em nível 3 de risco. O que acontece de agora para frente ainda é uma incógnita, mas é possível relembrar o que a comunidade passou até então.
8 de fevereiro
Por volta das 3h da madrugada, as sirenes tocam nas comunidades próximas à barragem Sul Superior. Quase 500 pessoas das localidades de Socorro, Piteiras, Tabuleiro e Vila do Gongo são retiradas de suas casas às pressas. A estrutura acabara de ser elevada para o nível 2 de risco de rompimento após uma empresa especializada se recusar a atestar a estabilidade da mesma.
Os moradores primeiro foram levados a um ginásio poliesportivo, onde foram cadastrados e receberam os atendimentos necessários. Depois, as pessoas foram encaminhadas a hotéis em Barão de Cocais, Santa Bárbara e Caeté.
14 de fevereiro
Nos dias após o toque das sirenes, a Vale informou que contratou uma empresa alemã para analisar as condições de estabilidade da barragem. O documento, no entanto, demoraria quase dois meses para ficar pronto. No dia 14 de fevereiro, a empresa notificou a Prefeitura de Barão de Cocais com resultados preliminares: a estrutura realmente apresentava riscos e os moradores teriam que ficar fora de suas casas por um longo tempo. Retornar às comunidades só seria possível quando a barragem fosse descomissionada, o que poderia levar quase dois anos.
23 de fevereiro
A Vale anuncia a realocação dos moradores retirados das comunidades. O pedido havia sido feito dias antes pelo prefeito de Barão de Cocais, Décio Geraldo dos Santos (PV). Eles deixariam os hotéis para irem para casas alugadas pela mineradora. Além disso, informou que pagaria uma ajuda inicial de R$ 5 mil para cada residência evacuada. Naquela data, também já havia uma ação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para a remoção imediata dos animais que ficaram nas localidades.
1º de março
A Justiça de Barão de Cocais acata um pedido de liminar do Ministério Público e bloqueia R$ 50 milhões da Vale para eventuais ressarcimentos dos prejuízos ocasionados pela evacuação das comunidades vizinhas à barragem Sul Superior. Ao deferir o pedido, a juíza Renata Nascimento Borges considerou que o abandono dos pertences materiais, das atividades econômicas eventualmente desenvolvidas, dos alimentos e dos animais poderia acarretar prejuízos materiais aos envolvidos na evacuação.
12 de março
Representantes dos moradores evacuados e da Prefeitura de Barão de Cocais se reúnem com uma equipe da Vale para falar da situação das famílias que deixaram suas casas. Eles apresentam um documento com 22 questões à mineradora e fazem exigências como prazos mais concretos para a saída dos hotéis e para o pagamento de despesas, celeridade no compartilhamento das informações e notícias sobre o descomissionamento da barragem.
18 de março
Deputados federais da comissão especial que apura desastres na mineração visitam Barão de Cocais para uma reunião pública. Durante o encontro, representantes da Vale pedem mais 90 dias para retirar todas as famílias de hotéis e geram indignação entre os moradores. Até aquela data, somente 23 famílias haviam deixado os quartos alugados e outras 27 tinham dado o aceite e aguardavam o término de reforma nos imóveis. Restavam, pelo menos, mais 100 famílias em hotéis.
22 de março
Sirenes voltam a tocar em Barão de Cocais. O nível de risco de rompimento na barragem Sul Superior sobe de 2 para 3, o mais alto na escala de alerta da Agência Nacional de Mineração. Na mesma noite, os equipamentos também foram acionados por engano em São Gonçalo do Rio Abaixo, provocando pânico na situação.
Em nota, a Vale admitiu que a auditoria independente contratada apontou que as condições de estabilidade da barragem eram críticas. Imediatamente, a Defesa Civil, autoridades de segurança, Prefeitura e mineradora iniciaram uma mobilização para detalhar o plano de emergência para as pessoas das chamadas zonas secundárias de salvamento (ZSS).
A preocupação passava a ser com os moradores dos bairros mais próximos ao rio São João, que corta a cidade.
25 de março
Já com a realidade da cidade completamente afetada por causa da elevação do risco na barragem da Vale, a Defesa Civil promove o primeiro simulado de evacuação em Barão de Cocais. Dos 6.054 moradores que teriam de deixar suas casas em caso de um rompimento, algo em torno de 62% compareceu ao treinamento. A simulação durou 32 minutos, tempo dentro da estimativa calculada pelo órgão de segurança, o que fez a coordenação considerar o evento satisfatório.
28 de março
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é chamada para fiscalizar a represa de Peti, em São Gonçalo do Rio Abaixo. De propriedade da Cemig, o local teve quase a metade de seu volume esvaziado para conter a onda de rejeitos em caso de rompimento.
29 de março
Simulado de evacuação é realizado em Santa Bárbara. Dos 1620 moradores que seriam afetados pelo rompimento, apenas 850 comparecem ao treinamento. Todo o deslocamento foi realizado em 53 minutos, tempo suficiente, segundo a Defesa Civil, para que todos deixassem suas casas com tranquilidade até que inundação chegasse ao município.
2 de abril
A Prefeitura de Barão de Cocais decide pintar de laranja os meios-fios das ruas consideradas como áreas de risco na cidade. A princípio, a ação chegou a confundir moradores, que pensaram se tratar de uma rota de fuga, mas as explicações foram dadas posteriormente.
11 de abril
A Vale anuncia a construção de um muro gigantesco, avaliado em R$ 500 milhões para conter a lama de rejeitos em caso de rompimento da barragem. A estrutura seria feita a base de concreto compactado, com 35 metros de altura, 5 metros de fundação, 10 metros de espessura e um total de 400 metros de extensão.
A ideia do muro foi apresentada aos moradores evacuados em uma reunião. A intenção da Vale era que, depois de pronta a estrutura, a barragem Sul Superior fosse descomissionada e dinamitada. Todo o processo poderia levar até três anos.
26 de abril
Atormentados por notícias de que as casas nas comunidades vizinhas às barragens estavam sendo alvo de saques, moradores furaram o bloqueio determinado pela Prefeitura de Barão de Cocais e visitaram as residências. As pessoas denunciaram abandono dos imóveis, arrombamentos e furtos.
Dias depois, a Polícia Militar localizou aparelhos televisores que haviam sido furtados nas casas evacuadas. Uma arma também foi apreendida.
3 de maio
Simulado de evacuação é realizado em São Gonçalo do Rio Abaixo. No município, a participação popular é grande, maior até mesmo do que a quantidade prevista pela Defesa Civil.
14 de maio
Um novo risco reacende toda a preocupação com o rompimento da barragem. A Vale informa às autoridades que um talude da cava de Gongo Soco passou a se movimentar com maior intensidade e corria o risco de se desprender. O questionamento era se o impacto causado pela queda da estrutura da mina poderia comprometer ainda mais a estabilidade do barramento localizado a um quilômetro e meio de distância.
18 de maio
Diante do risco iminente de rompimento da barragem, um novo simulado de evacuação é realizado em Barão de Cocais. A adesão da população não chega a 30% e muitos dos que foram ainda protestaram contra a situação. Naquela semana, a Vale estipulou que o talude poderia se desprender até o dia 25 de maio. Diversos serviços foram afetados no município, inclusive da própria mineradora, que interrompeu o trânsito de trens próximo a Gongo Soco.
23 de maio
Torna-se público o estudo de impacto entregue pela Vale à Justiça. O documento aponta o potencial destruidor da barragem e o caos que seria instaurado em Barão de Cocais, Santa Bárbara e São Gonçalo no pior dos cenários.
Em um dos pontos do estudo, ao apresentar de maneira resumida os riscos em caso de um rompimento, a Vale cita “inundação generalizada de áreas rurais e urbanas com graves potenciais de danos estruturais e perda de vidas humanas”.
26 de maio
A previsão da Vale de que o talude de Gongo Soco poderia se romper até o dia 25 de maio não se confirma. A empresa, então, decide não apresentar nova projeção para a queda do maciço, que segue se deslocando cada dia mais rápido.
27 de maio
Em reunião da CPI de Brumadinho, na Câmara de Vereadores de Barão de Cocais, moradores da localidade de Socorro apresentaram documentos de 2011 que apontavam interesse da Vale em estudar as áreas hoje evacuadas para comprovar possibilidade de extração mineral no local. Foi levantada a suspeita de que a retirada das comunidades estivesse atrelada a esse interesse, o que foi refutado pela empresa em nota encaminhada à imprensa.
28 de maio
Em nota divulgada em seu site, acompanhada de um vídeo do diretor de Operações, Marcelo Barros, a Vale ameniza a situação do talude de Gongo Soco. A empresa afirma que as movimentações indicam um assentamento mais tranquilo do maciço no fundo da cava, sem impactos à barragem Sul Superior. Apesar dessa nova informação, a Defesa Civil manteve toda a estrutura montada para o pior cenário, que seria o rompimento da estrutura de rejeitos.
29 de maio
Representantes da Vale se reúnem com vereadores e membros da comunidade na Câmara e explicam um novo plano para desviar os rejeitos em caso de um rompimento da barragem. Os trabalhos acontecem na localidade de André, em Santa Bárbara. Para fazer as obras, a mineradora conseguiu na Justiça uma liminar para entrar em propriedades particulares, o que causou polêmica na cidade.
31 de maio
Parte do talude se rompe em Gongo Soco e se acomoda no fundo da cava, sem prejuízos à estabilidade barragem. O porção que se desprendeu, no entanto, é considerada “insignificante” pela Defesa Civil, algo em torno de 1% do tamanho total do maciço. O paredão da mina e a estrutura de rejeitos continuam com monitoramento 24 horas.
5 de junho
Em visita a Barão de Cocais, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), afirma que vai fazer o que estiver ao seu alcance para ajudar a cidade, mas, diferente do que o município esperava, ele não anunciou a liberação dos R$ 14 milhões que foram bloqueados pelo governo anterior, de Fernando Pimentel (PT). Durante a passagem do governador, foi anunciado que Barão de Cocais terá um gabinete de crise, semelhante ao implantado em Brumadinho, ainda sem data para implantação.