Site icon DeFato Online

Ditadura? Vocês perderam o juízo?!

ditadura

Crédito: Allan White/FotosPublicas

Um capítulo triste da história de democracia do Brasil foi escrito nesse domingo (19). Travestidos de manifestantes pró-Bolsonaro e contrários a posturas de governadores, deputados e outros agentes públicos, grupos saíram às ruas em várias cidades do país e pediram a volta da ditadura e de seu artifício mais macabro, o Ato Institucional 5 (AI5). Um protesto descabido, fora de realidade e que ignora toda perversidade vivida nos anos de chumbo, em que pessoas foram reprimidas, torturadas e exiladas e centenas morreram porque não concordavam com o regime.

A ditadura militar no Brasil perdurou 21 anos, entre 1964 e 1985. Foram, ao todo, cinco presidentes, desde a chegada do general Humberto Castelo Branco até a saída do general João Figueiredo. Duas décadas de repressão, marcadas, essencialmente, pela ausência total de liberdade. E por uma política nefasta escondida por trás de índices econômicos e uma falsa sensação de lisura no trato com a coisa pública, tudo maquiado por uma censura tirana que chegava às redações de imprensa de todo país.

Números oficiais, divulgados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2014, apontam 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no país. Metade dessas vítimas ainda está sem qualquer notícia sobre o paradeiro de seus corpos. Cerca de 20 mil pessoas foram torturadas, de acordo com documentos oficiais, e 4,8 mil detentores de cargos públicos, eleitos pelo povo, foram destituídos pelos militares da época.

O tal AI5, tão exaltado pelos amantes da repressão, foi editado em dezembro de 1968. É o mais duro dos 17 atos institucionais expedidos durante a ditadura. Resultou em perda de mandatos de parlamentares contrários ao regime da época, em intervenções nos estados e municípios e, principalmente, na suspensão de quaisquer garantias constitucionais, o que culminou na institucionalização da tortura (!!!), método asqueroso tão usado como instrumento pelo Estado durante os anos de chumbo.

Dados que por si só já seriam suficientes para causar medo em qualquer um, mas que parecem ser colocados de lado por uma parcela de brasileiros que insiste em flertar com o que há de pior na história política do país. Pessoas dispostas a entregar de bandeja o que há de mais precioso: a liberdade, seja ela de expressão, de ir e vir, de credo, de votar. Tudo isso em troca de um estado de ordem fantasioso.

Repressão nunca deveria ser uma opção, em qualquer dos sentidos. Esquerda ou direita, se você é a favor da perda de direitos, você está errado. É no mínimo estranho alguém ir às ruas para “impedir que o Brasil vire uma Venezuela” e pedir o retorno de um governo ditatorial. Ora, quanta incoerência. Venezuela, Cuba, Coreia do Norte, Nicarágua e outras dezenas de países com regimes fechados, controlados por um só tirano, sem alternância de poder, têm entre eles a marca da intolerância. E não existe lado que justifique.

Quer a volta de um militar ao poder? Simples, vote em algum. Faça campanha, convença as pessoas, comemore a vitória ou aceite a derrota. Jogue o jogo democrático. Mas esqueça isso de ditadura. O poder emana do povo e assim deverá continuar. É o eleitor quem coloca no poder aquele que ele quiser. Ou o que a maioria quiser.

O próprio presidente Jair Bolsonaro tem passado militar. Tem um vice militar e uma porção de militares em seu primeiro escalão. Foi eleito democraticamente, assim como foi nas quase três décadas em que se manteve na Câmara dos Deputados. A participação dele nas manifestações desse domingo, em Brasília, em meio a faixas e cartazes pela volta da ditadura e do AI5, é um ponto crítico desse capítulo. Por mais que tenha discursado e falado em democracia, o presidente tem a exata noção do que significou sua presença naquele ato e como isso pode inflar novas ações.

É possível apoiar ideias do governo Bolsonaro sem flertar com a ditadura. É possível até mesmo enxergar boas medidas no governo Bolsonaro e não aprovar o próprio Bolsonaro. Assim como é possível não gostar de nada e criticar o presidente. Ou criticar um governador. Ou criticar um prefeito. Em uma democracia, é possível tudo isso. É o lado mais belo do regime que vivemos.

Volta de ditadura não deve ser pedida nem por brincadeira. Imagina, então, ir às ruas para defender isso. Aliás, trata-se de um crime, estipulado pela Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), na Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/50) e no próprio Código Penal (artigo 287), com pena de prisão que pode chegar a seis meses.

É possível almejar a ordem pública no regime democrático. Desejos de respeito e moral não podem ser ilustrados somente por uma eventual ditadura. Não podem, jamais, servir de moedas em troca do fim da vontade popular, da volta do autoritarismo e da falta de diálogo entre o povo e os poderes. Existe uma arma muito mais eficiente que o anseio pelo retorno de regimes fechados: se chama urna. Vote certo! Escolha com correção o homem ou mulher que vá fazer o melhor para todos nós.

Aos que foram às ruas clamar pela volta da ditadura, aos que escrevem nas redes sociais no mesmo sentido, aos que espalham mensagens em aplicativos, desejo sanidade. Espero, realmente, que não saibam o que estão fazendo. E que todos nós, brasileiros, possamos, sempre, continuar manifestando nossas aspirações. Divergindo. Concordando. Com liberdade. Democraticamente. Ditadura nunca mais!

Gustavo Milânio é advogado e chefe de gabinete da Presidência do TCE/MG

Exit mobile version