Após as intensas chuvas que atingiram o estado de Minas Gerais entre os dias 24 e 25 de janeiro, imóveis ficaram alagados e foram evacuados em municípios mineiros e capixabas por onde passa o Rio Doce. Em algumas localidades, o nível da água subiu mais de quatro metros. Ao mesmo tempo, o Rio Paraopeba transbordou, o que também obrigou muitos moradores a deixarem suas casas.
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) acompanha a situação e manifesta preocupação uma vez que ambos os rios foram atingidos respectivamente pelos rompimentos das barragens da Samarco, em novembro de 2015, e da Vale, em janeiro de 2019.
A instituição cobra medidas para que não ocorram novos impactos produzidos pelos rejeitos de minério que ainda estão dispersos no ambiente e depositados na calha dos rios. Mas a prefeitura de Governador Valadares, cidade de 245 mil habitantes que é atravessada pelo Rio Doce e que teve seu fornecimento de água suspenso quando ocorreu a tragédia de 2015, afirma que os danos já são visíveis. O município decretou situação de emergência e anunciou que cobrará na Justiça indenização da Samarco.
“A lama que invadiu ruas e casas em 14 bairros da cidade, deixou centenas de desalojados e atingiu quase 50 mil valadarenses, é muito diferente dos resíduos deixados pelo rio em enchentes anteriores. O barro fininho e arenoso que ficava nas ruas quando a água baixava foi substituído por uma lama densa, viscosa, abundante e com visíveis sinais de minério. Um resíduo de limpeza muito mais difícil, demorada e que exige muitos mais recursos”, diz a prefeitura em nota divulgada hoje (4).
Procurada pela Agência Brasil, a empresa Samarco não comentou a decisão do município de mover uma ação judicial. De outro lado, a mineradora informou que acompanha o aumento do índice de chuvas das últimas semanas em Minas Gerais e Espírito Santo e que, após a tragédia em 2015, foi construído um sistema de contenção para impedir o carreamento dos rejeitos, o qual é submetido à auditoria do MPMG. “A Samarco reafirma o seu compromisso com as comunidades e com as áreas afetadas pelo rompimento da barragem”, acrescenta a mineradora.
O MPMG afirma estar preocupado com a situação do Rio Doce, devido ao volume de lama que está depositado na Usina Hidrelétrica de Candonga. O reservatório, situado no município de Santa Cruz do Escalvado (MG), funcionou como uma barreira após a barragem da Samarco se romper em Mariana (MG). Estima-se que nele foram retidos cerca de 10 milhões de metros cúbicos de lama, impedindo que este material seguisse pelo Rio Doce até a sua foz no Espírito Santo.
Dragar todo o volume de lama depositado na Usina de Candonga foi um dos compromissos pactuados em acordo entre a União, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton. O trabalho caberia à Fundação Renova, entidade que tem as três mineradoras como mantenedoras e que foi criada para reparar todos os danos da tragédia. Um trabalho de revitalização do Rio Doce está em curso. Passados mais de quatro anos, apenas 10% do rejeito foi dragado da Usina de Candonga.
O MPMG cobrou medidas para impedir que a lama remanescente vaze do reservatório. “O promotor de Justiça que acompanha o caso determinou a expedição de solicitação de informações, com urgência, à Fundação Renova, inclusive sobre o plano emergencial para o período chuvoso. Algumas informações já foram prestadas. A Fundação Renova pediu mais prazo para encaminhar outras”, diz em nota a instituição.
Por sua vez, a Fundação Renova informou que uma equipe de técnicos coletou amostras dos resíduos da enchente em Governador Valadares. Elas serão analisadas e o resultado é previsto para as próximas semanas. No momento, segundo a entidade, não há evidências de que o rompimento da barragem tenha agravado as enchentes. “O aumento de turbidez em decorrência da elevação de partículas ocorre sazonalmente no período chuvoso e, até o momento, não é possível afirmar se está associado ou não ao rejeito”, acrescenta em nota da Fundação Renova.
Rio Paraopeba
As enchentes ocorridas no Rio Doce também levaram o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) a emitir um posicionamento. Segundo a entidade, cheias históricas foram registradas não apenas em Governador Valadares, mas também nos municípios capixabas de Colatina e Linhares. O MAB diz ainda que houve danos em localidades banhadas pelo Rio Paraopeba, que transbordou em 24 de janeiro, um dia antes do rompimento da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), completar um ano.
“Os 11 milhões de metros cúbicos que desceram do Córrego do Feijão pioraram os efeitos da enchente em São Joaquim de Bicas (MG) e em Betim (MG). Além disto, o rio avançou sobre as várzeas e áreas de plantação e fez com que a Hidrelétrica de Retiro Baixo abrisse as comportas e despejasse mais rejeitos, que agora descem para a Hidrelétrica de Três Marias”, diz o MAB em nota publicada no seu site.
Poucas horas antes do transbordamento, a prefeitura de Brumadinho (MG) já havia comunicado pelas redes sociais sobre a situação. Famílias que haviam impactadas após o rompimento da barragem da Vale em janeiro do ano passado, foram colocadas novamente em alerta. “A prefeitura de Brumadinho, comunica que existe alto risco dos rios saírem de seus leitos nas próximas horas. Fiquem atentos e tomem as medidas preventivas para o caso de alagamento. E não corram riscos”, diz o texto.
A Vale afirma em nota que o conjunto de estruturas de contenção implantada pela mineradora interrompeu, desde o dia 27 de maio de 2019, o carreamento de sedimentos para o Rio Paraopeba. “A companhia reforça que estão em execução atividades de remoção de rejeitos, limpeza e tratamento da água no trecho de aproximadamente 10 quilômetros do leito do Ribeirão Ferro-Carvão a partir do ponto do rompimento e nos dois primeiros quilômetros do Paraopeba após a confluência com o ribeirão. Neste trecho foram depositados cerca de 80% dos rejeitos que vazaram”, acrescenta o texto.
Estabilidade
As chuvas também geraram preocupações com a estabilidade de barragens. A Agência Nacional de Mineração (ANM) determinou que as empresas que possuem estruturas na região mais afetada mantenham estado de alerta até 10 de fevereiro. A Vale chegou a elevar a situação da Barragem Sul Inferior, em Barão de Cocais (MG), para o nível de emergência 2.
“Em razão das fortes chuvas na região, ocorreu uma erosão na parte interna do reservatório da estrutura, que se mantém estável. A Sul Inferior é uma barragem de contenção de água e sedimentos, construída em etapa única, considerado um dos métodos construtivos mais seguros”, disse a mineradora em comunicado divulgado em 25 de janeiro.
Quando o nível de emergência 2 é acionado, a mineradora é obrigada a realizar a evacuação de imóveis situados na área que seria alagada em caso de rompimento. No entanto, a Vale informou que todos os moradores já haviam sido retirados de suas casas no ano passado em função dos riscos com outra estrutura situada no mesmo complexo minerário: a Barragem Sul Superior. Desde março de 2019, ela se encontra no nível de emergência 3, que é acionado quando há risco iminente de rompimento.
*Agência Brasil