Para ser sincero, insofismável, claro e objetivo: não gosto muito de poesias. E mais ainda: não me empanturro de poetas. Acho essa categoria de gente bastante escassa. Não dá em jabuticabeiras. Então, há poetas e poetas. O resto é “armazém de secos e molhados” (com permissão de Millôr Fernandes).
Meia dúzia de criadores de versos satisfaz-me integralmente: Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Adélia Prado e Cora Coralina. E basta. Aproveito para cometer a heresia das heresias: conservo baixíssima simpatia por Fernando Pessoa. E, confesso: não tenho a menor obrigação de apreciar o “suprassumo” do talento português apenas para exibir falsa sofisticação intelectual.
Mas, nessa área de poemas, convivo com sério conflito estético. Não sei quem aprecio mais. O dilema começa com uma constatação sentimental: tenho paixão radical pelas obras de Carlos Drummond de Andrade (modernista) e Vinicius de Moraes (segunda fase do modernismo). O Itabirano é demasiadamente completo e complexo. Muito eclético. Era farmacêutico por formação acadêmica e acidentalmente professor de geografia. Por acaso, virou funcionário público. Tinha declarada simpatia pelo comunismo. Gostava do Vasco da Gama e Cruzeiro. Bebia Campari moderadamente. Pelo menos, nos momentos de ócio.
Mas, “cadê” o ecletismo do literalmente “gauche na vida”? Claro, está inserido em sua imensa criação literária. E com razão. Quem mergulhar pacientemente na vasta produção drummondiana não encontrará apenas lirismo poético, mas se deparará com muito de filosofia, sociologia, antropologia e até psicologia. No fundo, no fundo, Drummond foi um garimpeiro da alma humana.
Nas predileções meramente mundanas (e até submundanas), me identifico mais com Vinicius de Moraes. Temos gostos similares. O “poeta maior” não era tão extenso quanto o “poetinha”, apenas mais eclético. Moraes era multifuncional: foi poeta, cantador, compositor, cronista e músico. A voz de Vinicius – na interpretação e declamação de suas composições – tem um quê de transcendental: é suave, às vezes rouca, cansada, compassada e levemente embriagada. Afinal, o “poetinha” não ingeria líquidos dionisíacos com a mesma moderação do “poeta maior”. Pelo contrário. Vinícius de Moraes era literalmente movido a uísque. Em certo instante, em pleno êxtase etílico (etílico? Estou usando muito essa expressão ultimamente: Freud explica), o trovador carioca fez uma sublime comparação, mais que perfeita em todos os aspectos: “o uísque é o melhor amigo do homem, o uísque é um cachorro engarrafado”.
Enfim, minha maneira de ser, ver e pensar tem muito dos dois poetas. Assimilo a solidão e o estilo cabisbaixo de Carlos (como a mesma entonação de Pedro, o neto). Gosto de navegar imaginariamente por uma Itabira antiga. Os versos do velho “Fazendeiro do Ar” são a minha nau nessa viagem ao passado, embora já tão remoto.
De Vinicius, absorvi o gosto pelas noitadas desvairadas. Aprecio os bares de então, certos personagens exóticos da noite e as assombrações madrugadoras. E nem preciso ir a Ouro Preto para isso. Itabira atende eficientemente as minhas fantasias barrocas. Tenho, porém, um leve e fatal pressentimento. Entre Vinícius e Carlos há um vácuo mental absoluto, praticamente intransponível. É muito para mim. Não dou conta. É hora de tomar cervejas.
Em tempo: o pior livro que já li na vida é “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Que coisa mais maçante. O renascentista botou – em cada um dos noves círculos do inferno todo mundo que ele detestava. E pior. Arrumou um lugar especial no paraíso para Beatriz (Beatrice), o seu amor platônico. Haja saco!
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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