A crise econômica fez disparar o índice de endividamento e de inadimplência entre as famílias brasileiras. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), atingimos o maior patamar nos últimos 10 anos. Hoje, cerca de 67% das famílias estão endividadas e 26% estão inadimplentes. A situação é tão drástica que cerca de 4,6 milhões de brasileiros devem a instituições financeiras mais do que podem pagar. Ou seja, estão inadimplentes, têm comprometimento de renda e empréstimos em várias modalidades. Sair do vermelho é o desafio para a maioria dos brasileiros, já que o planejamento financeiro vai muito além de planilhas de entrada e saída.
O especialista em planejamento financeiro e gestão de risco, Yuri Utida, diz que equalizar as finanças não é tarefa muito simples porque as pessoas já sabem que precisam gastar menos do que ganham, poupar nos supérfluos, guardar e, se possível, investir alguma coisa com regularidade. Sabem, também, que é preciso ter clareza do valor total de suas dívidas, renegociá-las, trocar uma divida por outra de juros menores. O problema é que a maioria dos planos não resiste ao campo de batalha, a realidade. “Isso acontece por duas razões: imprevistos como desemprego, doenças, acidentes, crises como o coronavírus, crises políticas e econômicas. Esses imprevistos fazem com que as pessoas queimem reservas ou se endividem cada vez mais”, explica.
Embates
O segundo obstáculo são os vícios, necessidades comportamentais, emocionais:
“Mesmo endividadas, muitas pessoas não conseguem abrir mão de algumas coisas. São ‘luxos’ conquistados ao longo dos anos que não queremos abrir mão pois ‘merecemos’. Não estamos falando de coisas caras, mas da pizza no final de semana, o combo de TV a cabo e inúmeros itens supérfluos que se tornam sacrifícios muito grandes para abrirmos mão. Isso significaria perder a dignidade conquistada”, comenta.
Segundo Utida, um planejamento financeiro efetivo considera os princípios de vida da pessoa. “É preciso avaliar todo o cenário, descobrir o que a pessoa não abre mão, quais sacrifícios está disposta a fazer e por quanto tempo. Só assim o planejamento se torna sustentável e conduz as pessoas a saírem das dívidas”, avalia.
Organismo
Utida conta que a maioria das pessoas sabe o que precisa ser feito, só não sabe como fazer. Muitos iniciam um controle rígido, se empolgam porque o nosso cérebro é inundado de neurotransmissores nesse início, com dopamina e serotonina:
“Essa inundação hormonal, a mesma que ocorre quando nos sentimos apaixonados, é desgastante para o nosso organismo, por isso ela tende a diminuir depois de algum tempo, que varia de um organismo para o outro. A pessoa volta à normalidade, perde a empolgação e desiste. Por isso muita gente não segue um plano rígido de controle financeiro ou atividade física. Sem consciência disso, as pessoas ficam presas nesse ciclo”, orienta.
A solução, reforça Utida, é encontrar o equilíbrio entre a meta desejada e a sustentabilidade disso. “Claro que não dá pra usar isso como desculpa para seguir se endividando. O ideal é contar com ajuda profissional para encontrar seus pontos cegos. Mesmo que isso exija algum investimento, é algo que tende a se pagar e se manter numa progressão positiva”, avalia.
O especialista destaca que a falta de educação é um problema que impede que as famílias com menor renda consigam fazer esse controle. Com uma renda per capita média de R$1.439, guardar 20% representa uma economia de R$ 288 por mês, valor que pode não resolver muita coisa e, ao mesmo tempo, representar um sacrifício inviável:
“Uma solução a ser pensada é o aprimoramento desse individuo. Pessoas com curso superior, ganham três vezes mais que aquelas com ensino fundamental. Por questões sociais e falta de tempo, muito brasileiros não têm como acessar esse nível de educação, mas se utilizarem esse raciocínio, podem buscar educação e autodesenvolvimento em outras formas que agreguem valor às suas carreiras e habilidades. Com isso, podem buscar uma segunda renda e ganhar mais, ao invés de cortar o pouco que tem”, finaliza.