A estudante Âmbar Soldevila Cordoba, de 29 anos, mora em Lavras Novas e é aluna do Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Biomas Tropicais da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Ela defendeu sua tese quando estada grávida de nove meses, mas teve o título de mestre inicialmente negado pela pós-graduação, que cursava na instituição, após sua licença maternidade não ser contabilizada pela UFOP.
Âmbar é bacharel formada em Ciências Biológicas pela UFOP, e desenvolveu um projeto de mestrado sobre a flora das sempre-vivas da Serra do Caraça, como bolsista da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
O programa de mestrado em que ela está inserida pertence ao departamento de Biologia (DEBIO) da UFOP. Os professores fazem parte do curso de graduação em biologia e a comissão que, à princípio, revogou a concessão do título foi o colegiado da pós-graduação.
Ela estava nas etapas finais de seu mestrado, em que já havia cursado mais de dois terços da pós-graduação, quando descobriu a gestação, faltando apenas sete meses para a conclusão do curso e defesa de sua dissertação.
O título negado
A negativa do título de mestre ocorreu após a defesa de sua tese. De acordo com os protocolos estipulados pela universidade, mesmo sendo aprovada pela banca examinadora, Âmbar ainda deveria entregar as correções e submissão do produto final da pesquisa, solicitadas pelo programa como requisito para obtenção da titulação.
No entanto, ela perdeu os prazos pois ganhou seu bebê apenas 20 dias após a defesa do projeto. Em conversa exclusiva com o portal DeFato, Âmbar relembrou a situação, que lhe provocou profundo nervosismo e desgaste emocional poucos dias antes do parto.
“No dia que eu apresentei a dissertação eu estava com 36 semanas de gravidez. Dois dias antes da apresentação eu passei mal, tive muitas contrações de treinamento e achei que meu filho ia nascer antes da hora de tanto nervosismo que eu estava vivendo naquele momento”.
Em função do regimento da Universidade e da CAPES, a estudante foi impedida de realizar sua licença-maternidade, pois as legislações somente amparam alunas que ainda estejam estudando, sem definições sobre o processo após a defesa da dissertação.
Os direitos da licença-maternidade
A licença não é contemplada na computação no prazo máximo para obtenção do título, somente até a defesa do projeto, não abrangendo o período após a mesma. Para solicitar a licença maternidade, é necessário que a mulher tenha a certidão de nascimento da criança.
Ciente da existência de uma legislação sobre a licença-maternidade para bolsistas da CAPES, a aluna solicitou informações à coordenação do programa da UFOP para saber seus direitos, quando ainda estava gestante. Contudo, a instituição questionou sobre sua data provável de parto (DPP) e informou que, para solicitar a licença, Âmbar deveria, primeiro, ter a criança.
Por e-mail, Âmbar pediu mais informações sobre o prazo de prorrogação da pós-graduação. A resposta, no entanto, declinou qualquer possibilidade de aumento de seu prazo.
“Eu acho que existe uma coisa muito séria, não somente na UFOP mas em todas as universidades, dessa questão de hierarquia. Os alunos são tratados com muito descaso pelos seus superiores, técnicos e professores. As nossas dores são invisibilizadas”, lamenta.
Em busca de outras informações e apoio no exercício de seus direitos, a estudante contatou a ouvidoria feminina da instituição e solicitou apoio do Coletivo Andorinhas, que defende os direitos femininos na UFOP, ainda antes do processo após a defesa de sua dissertação.
A defesa da dissertação
Âmbar defendeu sua tese, e seu filho nasceu dias depois. Com isso, a estudante não pôde solicitar a licença maternidade. Ela passou pelo puerpério – conhecido como os três meses após o nascimento da criança, em que a mulher vivencia o resguardo – e deu continuidade às correções e adaptações solicitadas pela banca em seu projeto.
Inicialmente, Âmbar teria seis meses improrrogáveis para entregar a versão definitiva da dissertação e para submeter do artigo, produto da mesma, completamente pronto e corrigido – segundo a resolução CEPE 7320 da Universidade.
Entretanto, com o bebê, a pandemia, dificuldades financeiras e responsabilidades da maternidade, ela não conseguiu cumprir o prazo e recebeu um comunicado do programa de pós-graduação, que pontuava sobre a sua perda de direito ao título.
“Eu achei, na minha ingenuidade, que eu ia conseguir dar conta. Só que a minha bolsa acabou, o meu companheiro tem um pequeno negócio aqui em Lavras Novas, uma pizzaria, e a gente foi muito impactado pela pandemia. A gente teve que fechar as portas, ficamos um tempão fechados, depois decidimos abrir o delivery e conseguimos nos reerguer um pouco economicamente. Mas, toda vez que a pandemia piorava e os protocolos de segurança ficavam mais rígidos, a gente ficava super mal financeiramente de novo. Cada mês que passava era pior”.
A mestranda destaca que, entre todos os desafios, sempre se manteve em contato com a secretaria do programa da pós e tentou buscar o máximo de orientações possíveis com os responsáveis por passar essas informações aos alunos e seus orientadores.
Desencontro nas informações
Após ser informada da negativa de seu título, ela e sua orientadora de mestrado, profa. dra. Lívia Echternacht, se comunicaram com o programa para justificar a perda do prazo. Ali, foram informadas que, na verdade, a resolução da universidade que regia o caso de Âmbar se tratava da CEPE 8039 – a qual dá apenas três meses de prazo para a entrega dos documentos, mas permite ao colegiado uma prorrogação do prazo sob justificativa.
Âmbar e Lívia reuniram a documentação completa, com a dissertação corrigida e o artigo para submissão em revista, e encaminhara para a UFOP e a pós. Elas ainda escreveram ao colegiado solicitando a prorrogação. Porém, o órgão decidiu manter a não-concessão de seu título com a justificativa de que ambas não haviam solicitado a prorrogação no prazo determinado pelo regimento.
Além disso, a alegação principal do colegiado para a negativa do título de mestre a Âmbar é de que ela foi negligente, tendo se manifestado somente quando foi informada de que não o receberia. Contudo, além dos desafios enfrentados na maternidade e produção científica, a aluna pontuou que não tinha conhecimento sobre a possibilidade de perder a titulação.
A situação se mostrou contraditória, visto que a mestranda e sua professora foram mal orientadas sobre as resoluções que regiam seu caso. A estudante tentou negociar com a coordenação, tendo em vista a defasagem da legislação acerca da licença-maternidade durante a realização da pós-graduação. Ainda assim, os professores responsáveis mantiveram a suspensão do título, a que Âmbar ainda pode recorrer.
Busca por solução
A estudante e sua orientadora participaram de uma reunião com o coordenador da pós-graduação, a vice coordenadora e uma representante do Coletivo Andorinhas (apoio à questão da causa materna). A coordenação aconselhou que seu caso fosse levado ao Conpep, visto que houve confusão sobre qual seria o regimento e a instância responsável pelo caso.
“Eu corri atrás, fiz tudo o que podia, o mais rápido possível, para não ter brecha para tirarem o meu título. (…) Eu e minha professora trabalhamos muito neste final. (…) Minhas opções eram: desistir desse título de mestre ou realmente bancá-lo. E mesmo a gente atolado em dívidas, contratei uma pessoa para me ajudar e consegui submeter o artigo um dia antes da reunião do colegiado, que me daria uma chance maior deles aprovarem o meu título”, relembra a aluna.
“Tudo isso me afetou muito. Quando eles me enviaram esse e-mail falando que eu iria perder o meu título, eu pedi o prazo de prorrogação e eles me negaram. Fiquei muito abalada. Eu tive crises de choro, fiquei muito mal emocionalmente. Eu já estava mal por tudo o que estava vivendo e ainda estou. Não consigo dormir de madrugada, a minha vida está sendo essa. Essa história me abalou muito, eu não estou bem. O meu filho está absorvendo toda essa situação, dessa injustiça que eu estou vivendo”, desabafa Âmbar.
E a aluna expôs sua situação durante uma participação em reunião do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CONDIM/OP), em Ouro Preto, no dia 23 de maio. Os participantes se sensibilizaram com a situação da estudante e se mobilizaram para ajudá-la, entre esses a vereadora Débora Queiroz (PC do B).
Além disso, o grupo de apoio a gestantes e puérperas da região (Gestar Inconfidentes) e membros da sociedade civil ouro-pretana vem promovendo uma campanha nas redes sociais em prol da causa.
“Eu estou me sentindo injustiçada porque as informações necessárias não me foram passadas quando eu estava grávida. E, por mais que eu tenha me manifestado só depois que o programa me enviou o e-mail, eu me prontifiquei no mesmo dia. A minha professora enviou um e-mail depois de dois dias justificando, a gente enviou até a certidão de nascimento do meu filho. Nós pedimos que fosse concedido um prazo por causa da licença maternidade.”
Repercussão
Âmbar destacou estar recebendo apoio de alguns setores da universidade, como a Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (PRACE) e de sua orientadora de mestrado, Lívia Echternacht, que publicou uma nota nas redes sociais sobre o caso. Confira:
A vereadora Débora Queiroz encaminhou um ofício diretamente à reitora da UFOP, Profª. Cláudia Aparecida Marliére de Lima, solicitando uma reunião juntamente com a PRACE, as conselheiras que representam o Conselho e a estudante, para debater a situação e buscar uma solução para o caso.
A estudante fez uma postagem em seu Instagram em que fala sobre o assunto, buscando apoio e mobilização social. A publicação foi compartilhada por diversos perfis e usuários, não somente estudantes da UFOP como influenciadores, mulheres e acadêmicos de diversas regiões do país. A postagem já acumula mais de 20 mil curtidas e mais de 4 mil comentários.
Também usando seu perfil no Instagram, a Universidade Federal de Ouro Preto se pronunciou sobre o assunto. Por meio de uma nota oficial, a instituição esclarece que o caso já está sendo acompanhado pela coordenação do programa de pós-graduação e que o conselho superior relacionado ao tema deve ser acionado para avaliar a situação. Segue a nota na íntegra.
Resolução
O caso de Âmbar ainda não está definido, pois a estudante vai recorrer da decisão ao colegiado e, se este mantiver a negativa do título, ao Conselho de Pesquisa e Pós-Graduação (Conpep).
Atualmente, não existe legislação no regimento da UFOP que proteja as mães na totalidade do processo de realização de seus programas de pós-graduação, garantindo o seu direito à licença e prazo em todas as obrigações exigidas durante a formação.
“A gente precisa levantar essa discussão para que a universidade mude a legislação, para que a gente não tenha que ficar lutando para a nossa maternidade ser visível para eles. A gente não precisa disso, a gente não precisa ter que lutar por isso. É óbvio que a mulher precisa de tempo depois que o filho nasce, ainda mais eu que passei por situações financeiras drásticas e não tive como contratar uma pessoa para ficar com o meu filho. Onde eu moro, aqui em Lavras Novas, não existe creche. A universidade não disponibiliza creche pública para você poder estudar. Então, eu acho que a gente precisa de políticas que assegurem que essas mães possam continuar na vida acadêmica delas, porque é uma universidade pública”, frisa Âmbar.
Vale destacar que, segundo as definições da Constituição Federal, a proteção da maternidade é um direito, assim como a dignidade da mãe e da criança (Art. 6º da CF/88) e a proteção à maternidade, especialmente gestante (Art. 201 da CF/88 – redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).