Há algum tempo, os brasileiros passaram a conviver com uma expressão em inglês que cada vez mais faz parte do nosso vocabulário: fake news. Na tradução literal, notícia falsa. Uma praga que se alastra em altíssima velocidade no campo fértil da internet e que se mostra cada vez mais difícil de ser combatida. Desafio duríssimo para as autoridades políticas e jurídicas do país, que quebram a cabeça e se equilibram na delicada linha tênue que há entre esse tipo de publicação mentirosa e a liberdade de expressão.
A própria Constituição Federal estabelece que é livre a manifestação do pensamento no país, mas deixa claro que há limites para a liberdade de expressão, sobretudo quando há o anonimato tão típico das redes sociais. O problema é que ainda não existe no Brasil uma legislação específica que trate desse tipo de ocorrência, que seria a produção e proliferação em larga escala de notícias falsas. Daí a dificuldade: como produzir uma lei que cerque as fake news, mas que, ao mesmo tempo, não agrida ou crie empecilhos para a livre manifestação?
Essa discussão ficou ainda mais fervorosa depois que o Supremo Tribunal Federal (STF), sob a batuta do ministro Alexandre de Moraes, determinou operações que miraram apoiadores do presidente Jair Bolsonaro acusados de fabricarem fake news. Na última semana, o magistrado foi além e ordenou que as contas de vários dos investigados fossem removidas das plataformas Twitter e Facebook, tanto no Brasil quando no exterior. Como tem sido tudo no país ultimamente, o tema ganhou ares de “nós contra eles”.
Toda essa efervescência só prejudica o trabalho de quem deve pensar o assunto. Paixões políticas costumam provocar cegueira e nada seria pior neste momento do que apagar fogo com gasolina. Ainda mais porque uma eleição se aproxima, o que torna ainda mais urgente encontrar soluções que impeçam a disseminação desse tipo de conteúdo mentiroso.
O projeto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet já foi aprovado pelo Senado no fim de junho. O texto agora está na Câmara dos Deputados, que deve começar a analisar a matéria em breve. Entre os principais pontos, a nova legislação estabelece o rastreamento de mensagens reencaminhadas em aplicativos de conversa; a obrigação de que provedores de redes sociais mantenham uma sede no Brasil; e uma série de critérios para impulsionamento e propaganda nas redes sociais. As empresas que descumprirem as medidas ficarão sujeitas a advertência e multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício.
Outro ponto importante do texto é a criação de um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, a ser instituído pelo Congresso Nacional, que terá como atribuição a realização de estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet. Serão 21 membros, incluindo representantes do poder público, da sociedade civil, da academia e do setor privado.
Não há consenso entre os deputados sobre o texto aprovado no Senado. Somente na Câmara existem mais de 50 projetos que tratam sobre fake news, o que já demonstra como será a discussão na Casa. Se houver mudanças, a matéria terá de voltar ao Senado antes de ser encaminhada ao presidente Jair Bolsonaro, e aí encontrará outra fonte de resistência, dada as últimas declarações do chefe do Executivo. Ou seja, a legislação das fake news é algo que ainda vai se arrastar no Brasil.
Os tempos de pandemia estão tornando cada vez mais digital da vida do brasileiro e deverá ser assim também nas campanhas eleitorais que se aproximam. A internet nunca teve um papel tão importante, o que só faz aumentar a preocupação com as notícias falsas. Que as autoridades cheguem logo ao um denominador comum e que o cidadão também assuma o papel que lhe cabe, de desconfiar sempre e não passar para frente aquilo que lhe parecer inverídico. Novembro vem caminhando e não seria justo que os municípios elegessem prefeitos e vereadores baseados em mentiras.
Gustavo Milânio é advogado e chefe de gabinete da Presidência do TCE/MG
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