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Floyd, os meninos João Pedro e Miguel e o racismo que asfixia e mata diariamente

prefeito

A cena do policial branco ajoelhado sobre o segurança negro George Floyd, nos Estados Unidos, é brutal. Remete às passagens mais tristes de nossa história, como a escravidão. É a materialização do racismo diante de nós, filmado em todos os seus detalhes, acompanhado por gemidos de dor e pedidos de súplicas que dispensam qualquer tradução; esculpido, inescrupulosamente, pelo sorriso sádico daquele que jurou proteger a lei. Um horror!

Cenas terríveis que acontecem, com outras formas tão assustadoras quanto, também no Brasil. João Pedro Motta, jovem negro de 14 anos, brincava com os primos na casa de um tio, na comunidade de Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), quando foi morto com um tiro durante uma operação policial. Um tiro pelas costas, segundo constatou a perícia. Miguel Otávio, menino negro, de apenas 5 anos, caiu do nono andar de um prédio depois de ser colocado sozinho em um elevador pela patroa da mãe, que, naquele momento, passeava com o cachorro da família que a empregava.

Nos Estados Unidos, a morte de Floyd acendeu um pavio e colocou a nação mais rica do mundo em erupção. Os negros são minoria entre os americanos (algo em torno de 13%) e a relação com os brancos sempre foi muito problemática por lá. Nunca houve, porém, pelo menos recentemente, um movimento tão forte quanto o de agora, com participação massiva da comunidade, artistas, esportistas e políticos. É histórico também por causa de seu poder de propagação. Em todo planeta, atos contra o racismo foram estimulados e ganharam o noticiário. A discriminação por causa da cor da pele está no centro dos debates, talvez com uma intensidade inédita.

No Brasil, chama atenção o baixo índice de pessoas que se autodeclaram negras (9,3%, segundo o Censo de 2018). Não há dúvidas: o racismo intimida. O racismo mata. Dados do informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, editado pelo IBGE em novembro do ano passado, mostram que as chances de pretos morrerem no país é quase três vezes maior do que entre os brancos. No período entre 2012 e 2017, examinado pela pesquisa, foram 255 mil assassinatos de pessoas negras, um índice de 43,4 mortes para cada 100 mil habitantes. Entre os brancos, esse índice é em torno de 16.

O racismo está tipificado no Brasil na Lei 7.716, de 1989. Pela redação, é crime inafiançável qualquer manifestação, direta ou indireta, de segregação, exclusão e preconceito com motivação racial. A pena é de um a três anos de reclusão para aqueles que praticam atos de ódio ou intolerância racial, como negar emprego ou acesso a qualquer lugar, público ou privado, por causa da raça da pessoa. Se o crime de incitação ocorrer em veículos de comunicação, a pena pode chegar a cinco anos de prisão.

A lei, embora importante, ainda está muito ligada a manifestações públicas e explícitas. É preciso avançar e abraçar também os casos que acontecem aos montes, toda hora, na intimidade das relações. O racismo brasileiro persiste através dos séculos, é estrutural e quase sempre está mascarado por uma “normalidade” que só é sentida de verdade por quem sofre na pele – e por causa da pele! – os seus efeitos perversos. O Estado precisa dar uma resposta mais enérgica ao racismo.

O joelho do policial branco sobre o pescoço negro de George Floyd é emblemático para ilustrar uma asfixia que sufoca diariamente pessoas pretas nos Estados Unidos, no Brasil e em qualquer país onde há discriminação racial. A morte do garoto João Pedro escancara as milhares de mortes de negros nas comunidades e o quanto violência está mais presente na realidade deles. A queda do menino Miguel do nono andar é a representação dolorosa do desprezo pela vida negra na intimidade dos convívios sociais.

“Vidas negras importam”, proclamam cartazes e faixas nos protestos que ganharam o mundo a partir dos Estados Unidos. Triste, em pleno século XXI, que isso ainda tenha que ser lembrado. Pois que seja, então, definitivo. Que cada um de nós carregue consigo esse mantra e deixe de praticar, todos os dias, os atos que asfixiam os negros na sociedade. O racismo, essa praga, tem que acabar!

Gustavo Milânio é advogado e chefe de gabinete da Presidência do TCE/MG

O conteúdo expresso neste espaço é de total responsabilidade do colunista e não representa necessariamente a opinião da DeFato.

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