Carlos Drummond de Andrade sempre foi um contestador visionário. O ilustre itabirano enxergava muito além do seu tempo. Em 1984, num poema criado exclusivamente para um jornal itabirano, o poeta maior previu toda a tragédia ambiental e social dos dias de hoje:
O Rio? É Doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga
Entre estatais
E multinacionais
Quantos ais!
A dívida interna
A dívida externa
A dívida eterna
Há anos observo a sociedade itabirana reivindicar um maior envolvimento da Vale nos assuntos socioeconômicos da cidade. A empresa mostra um acanhado, tímido e pequeno interesse social perante Itabira, infinitamente desproporcional as benécias que o minério de lá extraído proporcionou a mineradora. As mínimas “colaborações”, são só para inglês ver.
O objetivo primordial da Vale é somente o lucro. Apenas isso.
Infelizmente, nossa legislação não determina, de forma incisiva, os limites de reponsabilidades das exploradoras de minérios por suas atividades operacionais tão degradantes.
O que se deve buscar, mesmo não havendo uma legislação especifica para se tratar do tema, é a responsabilidade social. Em suma, se não se pode esperar compromisso social, então temos que emitir a fatura da responsabilidade. É necessária uma cobrança compensatória pelos danos ambientais, que já são praticamente irreversíveis. O fundamental é evitar, de qualquer forma, que a exaustão das minas provoque uma grave crise social, econômica e ambiental. Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso.
A Vale tem uma dívida histórica para com Itabira. É a “dívida eterna” dos versos de Drummond.
O aniversário de Itabira, nove de outubro, representa uma ótima oportunidade para revisitarmos a nossa própria história. Ao contrário do que se plantou no imaginário popular, a Vale não descobriu Itabira. A cidade é centenária. Há nossa terra muito antes das minas da antiga Cia Vale do Rio Doce (CVRD).
Onde estava a empresa nos momentos cruciais da história de Itabira? A Vale, na verdade, sempre se esquivou quando precisou assumir compromissos perante nossa gente (um povo guerreiro e batalhador).
Manteve esse comportamento omisso e arrogante quando desapropriou por várias vezes bairros inteiros em Itabira. Essa iniciativa afetou covardemente a vida de muitos itabiranos, que foram praticamente expulsos de suas casas, deixando para trás conquistas e laços afetivos. A multinacional brasileira passou por cima de tudo (sem dó nem piedade) para saciar sua inesgotável voracidade por números a qualquer custo. Na década de 1990, a mineradora firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Por meio desse instrumento legal, ela deveria cumprir inúmeras condicionantes paisagísticas e ambientais. A empresa, contudo, simplesmente ignorou esse acordo. Por isso, o município teve que recorrer à Justiça para que o referido TAC fosse respeitado, hoje objeto da ação n° (031702002977-1/TJMG).
A exploradora de minério é a principal responsável pelo desabastecimento de água, em Itabira. A Vale ainda dentre outras, tem uma grave e literal “culpa no cartório”. Não cumpriu com sua obrigação de pagar ao município, aliás pagar a nós Itabiranos, os valores firmados na permuta por ela mesma, conforme escritura pública lavrada em 22 de maio de 1989, onde ficou avençada a cessão de uma área do estimada em mais de 700 mil metros quadrados, ficando ressalvados os direitos minerários para o município.
O nosso ponto de vista não pode ignorar também os sérios conflitos sociais provocados pela chegada do grande número de trabalhadores de outras regiões. É necessário que fique bem claro o seguinte: o órgão municipal carece de recursos suficientes para atender à demanda da população com serviços de saúde, limpeza, manutenção, assistência social, e outros. Itabira cresceu, sim, com a implantação da Vale. Isso é inquestionável. Mas esse tal desenvolvimento exigiu uma readequação da infraestrutura diante da repentina explosão demográfica.
Minhas convicções não me impedem de admitir que o ciclo do minério de ferro proporcionou importante desenvolvimento para Itabira. Mas, minhas convicções também sustentam os apontamentos negativos das consequências adversas da mineração.
Estou convicto de que a Vale jamais reconheceu a enorme (e essencial) contribuição de Itabira para sua consolidação como grande empresa do mercado internacional. A riqueza do nosso subsolo permitiu que a ex- estatal alcançasse importantes conquistas, em diversos cenários globais.
A Vale tem quase oitenta anos de atividades. São quase oito décadas extraindo a riqueza das entranhas de Itabira. Mas, não tenham dúvidas: a empresa legará para a posteridade um imenso passivo social, econômico e ambiental. Enfim, reafirmo: o interesse da Vale é o minério, e não Itabira. Itabira é interesse nosso (Itabiranos)!
(*) Artigo publicado originalmente no Portal da Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil)