Há 12 dias, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o surto da Covid-19 como uma pandemia. Na ocasião, o Brasil confirmava 52 casos da doença. Nesse domingo, já eram 25 mortos e 1546 infectados em todo o país.
Nesse período, o número de contaminados (somente os confirmados) pelo Coronavírus aumentou mais de 20 vezes. Há algumas semanas, no início do surto, o governo rebaixou a estimativa do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,4% para 2,1%. Nesta sexta-feira, com o agravamento da crise sanitária e decretação do estado de calamidade pública, a revisão da equipe econômica foi bem mais drástica. O crescimento de 2020 será praticamente nulo, ou 0,02%. O país está a caminho de uma grave recessão. Para o mercado, esses índices são muito mais pessimistas. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil poderá ter uma contração de 4,4%, nesse ano.
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A pedido do Governo Federal, o Congresso aprovou o decreto de estado de calamidade pública. Esse dispositivo permitirá que o Executivo gaste mais para custear as ações de combate à pandemia, mas, com isso, a administração pública nacional não conseguirá cumprir as metas fiscais. Vale lembrar o seguinte: desde que Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) entrou em vigor, no ano 2000, é a primeira vez que o Brasil declara estado de calamidade.
O estado de calamidade é um instrumento jurídico essencial para a governo agir e se prevenir contra a proliferação do vírus. A medida permite que o presidente da República faça mais investimentos na Saúde, sem cometer crime de responsabilidade fiscal. Assim, os chefes do executivo poderão redirecionar recursos de outras áreas para as iniciativas de combate ao vírus. Isto é, deixarão de destinar recursos para outras áreas para priorizar a saúde pública.
Na prática, deixa de ser ilegal o descumprimento das previsões orçamentárias, diante do caos que se instalou na nação. Ainda bem que o nosso ordenamento jurídico dispõe de instrumentos que permitem aos administradores públicos, deixar de cumprir com uma obrigação para priorizar outra. Só assim será possível combater o coronavírus de modo mais agressivo possível. Afinal, a vida é o bem maior a ser protegido!
Agora, vejamos. Busquei informações no mundo jurídico, mas ainda não encontrei um entendimento pacificado para a situação dos empresários. Em especial os autônomos (empresário individual), micros, pequenos e médios. Esses empreendedores são responsáveis pela manutenção de mais de 80% dos empregos no país, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Como esses gestores cumprirão suas obrigações, em especial a manutenção dos salários? Sem faturamento, os seus negócios fecharão.
Sem dúvida, a primeira preocupação dos empresários é a manutenção dos salários em dia. Mas, além da folha de pagamento, outras obrigações batem à porta desses geradores de empregos todos os meses. Dentre elas: aluguel, telefone, internet, água, luz, impostos, taxas, fornecedores, prestadores de serviços, seguros, financiamentos e muito mais.
Mas aqui é diferente da administração pública. Não existe possibilidade de escolha. As empresas que não honrarem com suas demais obrigações para manter em dia os salários arcará com protestos, execuções judiciais e cobranças. Os serviços por elas contratados e não pagos serão suspensos. Poderão ser despejadas, caso não paguem o aluguel. E, pior: se não quitar os impostos, não conseguirão crédito junto às instituições financeiras por falta de certidão negativa de débitos. Esse quadro, portanto, se transformará numa realidade insuportável.
No caminho inverso, pior será se buscarem o equilíbrio econômico por meio das demissões. Essa dinâmica provocará consequências ainda mais impactantes para toda a sociedade e consequentemente para própria empresa. Uma economia com desemprego em massa é uma economia sem dinheiro, é uma economia sem a circulação de bens e serviços.
Nunca, como agora, refletimos tanto sobre a importância da vida em sociedade, da relevância em ceder um pedaço de cada um de nós ao próximo. Então, se você pode arcar, não deixe de pagar à faxineira, ao jardineiro, à diarista, mesmo sem os serviços prestados. Mantenha os salários dos seus empregados em dia. Pague a remuneração da sua doméstica, ainda que ela esteja em quarentena. Adquira produtos alimentícios de autônomos. Seja cordial e solidário com os profissionais do delivery, pois eles arriscam suas vidas para entregar os produtos de nossa necessidade. O vírus mata, mas a fome também!
A lei maior está na consciência de cada um. Ou vivemos juntos com compaixão ao próximo ou morreremos como idiotas.
Gustavo Milânio é advogado e chefe de Gabinete do presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE)
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