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Interdição da Vale é esdrúxula e capaz de efeitos colaterais profundos em Itabira

prefeito

Nesta segunda-feira (15) completam-se dez dias que as atividades da Vale em Itabira estão paralisadas por determinação de fiscais da Superintendência Regional de Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG). A medida, endossada pela Justiça do Trabalho, está diretamente relacionada às centenas de casos positivos de Covid-19 encontrados entre funcionários na testagem em massa promovida pela mineradora. Um remédio em superdosagem, capaz de efeitos colaterais gravíssimos. Mais do que uma punição à empresa, a interdição total é um duro golpe para a cidade, ainda diretamente dependente dos recursos financeiros arrecadados a partir da extração do minério de ferro.

Você que me acompanha por aqui semanalmente conhece bem o meu posicionamento crítico contra a visão que a Vale tem de Itabira. Costumo sempre dizer que a empresa não seria nada sem a cidade, mas é inegável que o contrário também é muito verdadeiro. A arrecadação financeira do município é totalmente atrelada aos tributos gerados pela cadeia de produção da atividade mineral, e uma ruptura como essa, tão repentina, é devastadora para a manutenção dos serviços essenciais prestados pela Prefeitura, inclusive o combate ao coronavírus.

É lógico que, sim, é muito preocupante a proliferação da Covid-19 entre funcionários da Vale. Falei disso neste espaço há duas semanas, quando questionei se o grande número de trabalhadores infectados faria a mineradora ajudar mais o sistema público de saúde de Itabira ou se a empresa estaria preocupada apenas em detectar colaboradores doentes para manter ativa a produção do minério de ferro em sua principal praça de Minas Gerais. Evidente que a situação requer medidas enérgicas e um olhar atento das autoridades competentes, mas mandar parar tudo passa de qualquer limite aceitável.

A mineração é responsável, em 2020, por uma média mensal de R$ 12 milhões de arrecadação para os cofres públicos municipais somente com a Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais (Cfem). A esses valores ainda são somados impostos como o ICMS e ISSQN, as três principais fontes de receita para a cidade, todas diretamente ligadas às operações da Vale. As perdas chegam a R$ 400 mil para cada dia de inatividade das minas Centrais, Conceição e Cauê, segundo dados oficiais. Itabira já perdeu cerca de quatro milhões com essa suspensão.

A análise mais profunda desses impactos escancara o quão preocupante é a situação. É com parte do dinheiro da Cfem, por exemplo, que a Prefeitura mantém em funcionamento o Hospital Municipal Carlos Chagas (HMCC), totalmente dedicado ao SUS, e que hoje possui cerca de 100 leitos, entre UTIs e enfermarias, somente para tratamento contra a Covid-19. Sem falar no pagamento de servidores, dos trabalhadores da saúde e de outras áreas, que corre o risco de sofrer atrasos com a arrecadação abaixo do projetado pela equipe econômica.

É muito evidente de que a medida aplicada à Vale pelos órgãos do Trabalho ultrapassa os muros e cercas da mineradora. Não por acaso, a interdição foi negada pelo juiz de primeira instância, que conhece a realidade do munícipio e tem noção dos impactos de ato tão rigoroso. O Ministério Público do Trabalho (MPT) teve que apelar ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT), em Belo Horizonte, para ter êxito na paralisação. Aliás, fica o questionamento de o porquê do mesmo rigor não ter sido empregado em outras cidades, já que a Vale tem feito testagem em todas suas unidades.

Reitero: sou um crítico da Vale e assim continuarei até que haja uma mudança de postura da empresa na sua relação desigual e até certo ponto indiferente com Itabira. Mas isso não me faz deixar de pensar que a interdição das atividades é esdrúxula. Simplesmente mandar parar a produção é remédio amargo, com efeitos devastadores e que pode colocar toda uma cidade doente em vários sentidos.

Gustavo Milânio é advogado e chefe de gabinete da Presidência do TCE/MG

O conteúdo expresso neste espaço é de total responsabilidade do colunista e não representa necessariamente a opinião da DeFato.

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