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Itabira anda irritantemente escandalosa

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Foto: Reprodução/TV Globo

“Um homem vai devagar, um cachorro vai devagar, um burro vai devagar, devagar as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus”. Assim, as fatigadas retinas de Carlos Drummond de Andrade perceberam  a bucólica Itabira de Mato Dentro, mergulhada entre gigantescas e quase intransponíveis montanhas de ferro.

O poeta testemunhou um panorama de meados da primeira metade do século passado. O remoto lugarejo, portanto, era sinônimo de paz, sossego, sombra e muita água fresca. 

O tempo passa. De tão rápido, assimila metamorfoses físicas, morais e éticas. Nessa trajetória histórica, então, imensos e consistentes paradigmas ruíram como meros castelos de areia. Chegamos aqui. E, hoje, esses novos tempos revelam uma cidade pulsante, progressista, exuberante e plena de vivacidade. 

Esse cenário – para ser completo – carece apenas de um metrô para emoldurar a paisagem urbana. Essa máquina ultramoderna (embora sem o charme das antigas marias-fumaças) mexe com o imaginário da mineirada. E o povo das alterosas muito aprecia o tal trem, um simulacro de metrô ou vice-versa.  

Tudo estava relativamente bem na terra do poeta modernista, apesar da presença de uma entidade invisível, que muito molesta a suavidade de espírito da gente daqui – mas a pandemia não é nefasto privilégio dessa pólis. Morre-se todo mundo, em todos os lugares. Então, aí está o “claro enigma” desse ainda limiar de novo século. E cadê a suposta tranquilidade interiorana? Esse privilégio não existe mais na “cidadezinha qualquer”. A

Para começo de conversa, uma realidade assusta: a sensação de insegurança é um fenômeno onipresente. A sequência de homicídios aumentou muito o trabalho dos funcionários da necrópole da Paz. Da Polícia – que parece escassa – idem. 

E não é só. De repente, sabe-se lá o porquê, uma variedade de ruídos ensurdecedores invadiu os quatro cantos. Itabira anda escandalosamente irritante. A zoeira intensa não começou de uma hora para outra. Muito menos está explícito o motivo da balbúrdia: seria ação coletiva involuntária ou um modelo de protesto subliminar?  

A arruaça estreou com as justificáveis comemorações pelo inédito bi do Atlético Mineiro. E, com razão, os torcedores alvinegros passavam por uma seca de quase meio século. O último título de campeonato brasileiro foi conquistado em 1971. Tudo bem. Com poucos dias, porém, o entusiasmo voltou à acomodação natural.  

Mas, a partir de então, a baderna ensurdecedora virou componente da paisagem. A barulhada acaba com a tranquilidade do recesso sacrossanto de qualquer lar – como gostavam de frisar os velhos sacerdotes das igrejas barrocas de Ouro Preto. Itabira, de repente, foi invadida por decadentes motocicletas com escapamentos mais esburacados que solo lunar. A algazarra não tem limites. Um inferno. Por sinal, a moradia do tinhoso deve ser bem mais silenciosa. E, cá para nós, qual o prazer em trafegar com o cano de descarga em frangalhos? Nem Freud explica tão bizarro prazer, mas é coisa de louco.  

E a aporrinhação não acaba nesse ponto. Há ainda a mórbida satisfação de “maníacos”, que desfilam os seus péssimos gostos musicais, a pleno volume, em velhos automóveis rastejantes. E a patuscada sonora não tem local, hora ou dia específico. O espalhafatoso prazer obedece a involuntário revezamento. A coisa detona os tímpanos e a paciência pela manhã, tarde, noite e madrugada adentro. O desatino inicia na região central, passa pela periferia e invade a zona rural.   

Itabira virou um território antissocial – sem lei e ordem. E Deus, caso ele haja, que tenha misericórdia dos pobres habitantes dessa barafunda. É muita falta de cidadania e respeito ao próximo. São sinais dos tempos. 

PS: Gostaria, então, de voltar para Ouro Preto. Mas, não dá. Lá não é muito diferente. Como diria padre Simões, a antiga Vila Rica virou a maior zona a céu aberto do planeta. E – caso fosse uma zona convencional – até daria para encarar.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato

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