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Itabira ou Itafila?

Itabira ou Itafila?

Foto: Redes Sociais

A primeira onda do novo Coronavírus fez um estrago danado no Brasil, em 2020. Uma danação. Foi cenário de covas rasas. O fim do ano contabilizou o empilhamento de quase 200 mil cadáveres. Até parecia enredo de um filme de terror de quinta categoria. Um script de sórdida ficção. Pintou uma inimaginável dura realidade na tela da vida. O país foi o segundo maior produtor de mortes, nos últimos 365 dias. A liderança macabra ficou com a terra de Tio Sam.

Itabira vivenciou uma realidade atípica para o padrão nacional da pandemia, nessa fase. Os registros de casos praticamente passaram despercebidos na primeira onda de infestação. O município apresentou baixo número de óbitos. A taxa de transmissão manteve-se em nível confortável. Uma circunstância fundamental contribuiu para esse cenário de relativa tranquilidade: o poder público adotou consistentes medidas restritivas, no início da crise sanitária. A prevenção surtiu efeito.

O estranho sucesso produziu mistério. O “claro enigma” justifica uma constatação prática: os itabiranos jamais foram suficientemente precavidos. Os jovens da cidade (principalmente) ignoraram solenemente as recomendações de especialistas em infectologia. “Eu mato esse vírus no peito e faço um gol de placa”, essa era a mensagem subliminar da tropa de atrevidos. E tome balada. E mais baladas.

A paisagem urbana da ocasião ilustra esse argumento. Mato Dentro se transformou num mega palco para exibições de desmazelos explícitos. Os bares e botecos permaneciam entupidos. As noitadas dos finais de semana batiam sucessivos recordes de lotação. O quadro ia muito além da natural normalidade. Enquanto isso, o grande bananal se transformava no maior cemitério a céu aberto do planeta. Mas essa alegoria pouco importava. Isso não era aqui. Ainda mais porque, um dia, todo o mundo vai virar defunto.

A displicência maluca, porém, encobria pavorosa nuvem negra em formação na linha do horizonte. E os sinais da tragédia anunciada não acabam aqui. Tem mais. A palavra distanciamento não compunha o vocabulário dos moradores da “cidadezinha qualquer”. E pior. As imprescindíveis máscaras (agora até um componente do vestuário) custaram cair no gosto popular. O inadequado comportamento só amenizou quando a Prefeitura unilateralmente endureceu o jogo. Uma coisa é certa: parte do empresariado e a maioria da população deram deliciosa banana para o traiçoeiro inimigo invisível. Ainda assim – em meio a tanta irresponsabilidade – a urbe drummondiana surfou com relativa calmaria na primeira onda.

Mas o novo Coronavírus é uma imitação do príncipe da Dinamarca (ou a morte imita a arte). O patógeno é portador de loucura metódica. A pandemia desnuda os infinitos mistérios entre o céu e a terra. E assim se fez. De repente, quando menos se esperava, a segunda procela bateu avassaladora na terra do Poeta. A infestação disseminou-se violentamente nos quatro cantos, no início desse ano. Em pouco tempo, o torrão ferroso se fez vale de lágrimas (alguma semelhança com a cavucadora de solo é mera coincidência).

A tétrica apatia transformou o imaginário popular num vasto velório. Aí o povo caiu na real. A morte virou tema de todas as conversações. A dama de negro ficou muito grata pela retardatária lembrança. No ápice da calamidade, doze pessoas, em média, perderam a vida diariamente. Esse panorama dilacerou o coração de uma centena de famílias para todo o sempre. O eficiente sistema de saúde pública do município sucumbiu e mergulhou num caos apocalíptico.

O governo local, mais uma vez, agiu com firmeza para conter a propagação da doença. O toque de recolher entrou em cena. Então, Itabira – no período noturno – ocasionalmente virou uma cidade fantasma (literalmente). O exótico Coronavírus tem método. Repete-se aqui a cantilena. Depois de 60 dias – com muita austeridade – a cidade conquistou outra aparente “normalidade”. A quantidade de óbitos desacelerou acentuadamente. A taxa de transmissão do mal caiu para patamar aceitável (entrou no perigoso modo “sob controle”). E ponto.

Bastou essa sensação de alívio para o tirocínio geral tomar o rumo do espaço. Uma nova maré de relaxamento invadiu a área. Até as máscaras estão saindo de moda. Mas, o mais espantoso, na atualidade, é a negligência com o distanciamento social. Esse panorama ainda levará Itabira às páginas do Guinness World Records (Livro dos Recordes). Aqui é o local do mundo com maior coleção de extensas filas. “Acá” (na linguística característica) é o paraíso do ajuntamento.

Há filas para tudo e todos os gostos. Uma multidão de penitentes padecesse intermináveis horas para pagamento dos famigerados boletos, em lotéricas apinhadas. Uma turma luta desesperadamente por livre acesso a supermercados. Alguns gênios até criaram plaquinhas para controlar a entrada da clientela. Uma obra de arte às avessas, pois o “sublime” dispositivo é uma eficiente ferramenta de aglutinação. A geniosa invenção até parece piada lusitana, com certeza. O drama da Caixa Econômica Federal ultrapassa a fronteira do vergonhoso. Não há adjetivos para expressar a indignação pela gigantesca indiana do banco estatal.

As filas quilométricas prevalecem em todos os lugares. Então, é hora de trocar o nome da terra de Drummond. A inspiração para a ousadia está no ar. Itabira já foi Mato Dentro. Recebeu o apelido de Presidente Getúlio Vargas, bem no auge da bajulação ditatorial do Estado Novo. Esse desatino demagógico durou apenas quatro anos (1942 a 1946). Ainda bem. O mais justo seria rebatizar a cidade para Drummonlândia (a terra de Drumond). Uma democrática votação universal resolveria o impasse. Os itabiranos – que tanto apreciam filas e mudanças – escolheriam, com muito gosto, um sugestivo novo nome para a sua terra: ITAFILA.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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