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Itabira perde Dadá Lacerda, profunda conhecedora da obra drummondiana

Câmara emite moção de pesar à família de Dadá Lacerda

Foto: Heitor Bragança / Arquivo pessoal Dadá Lacerda

Na manhã desta quinta-feira (25), Itabira se entristece com uma grande perda. A historiadora e profunda conhecedora da vida e da obra de Carlos Drummond de Andrade, Dadá Lacerda, faleceu em Belo Horizonte, vítima de um linfoma cutâneo. A informação foi confirmada pela família de Dadá.

Maria das Graças Lage Lacerda era natural de Ferros, mas se orgulhava de ostentar o título de cidadã honorária itabirana. Dadá Lacerda tinha 72 anos. Ela deixa os filhos Rodrigo, Rosane e Rossele; e os netos Guilherme, Clara e Amanda. O velório e o sepultamento acontecerão nessa sexta-feira (25), das 9h às 10h, de maneira restrita, no Cemitério da Paz.

“Ela já estava lutando com a doença há alguns anos. Sempre teve uma fé inabalável e nem nos momentos mais difíceis deixou de alimentar essa fé em nós, filhos! Ela tinha uma intimidade muito grande com Nossa Senhora Aparecida! Temos certeza de que agora ela está sob o manto sagrado de Nossa Senhora”, disse a filha Rossele Lage.

Pesquisadora e historiadora

Dadá Lacera atuou como diretora e professora na rede pública estadual em Itabira. Além disso, foi co-autora de dois livros, “Caminhos Drummondianos” e “De Carlitos a Carlos”. Entre os anos de 1998 e 2000, foi diretora do Museu de Itabira, onde implementou diversos programas culturais voltados para a cultura do “museu vivo”. A professora e coordenadora do Memorial Carlos Drummond de Andrade, Solange Alvarenga, conta que trabalhou muitos anos com Dadá Lacerda.

“Como diretora do Museu, ela gostava de vê-lo sempre em movimento. Ela fazia exposições e gostava que viessem curadores itabiranos. Agregadora, Dadá recebia a colaboração de vizinhos do museu que emprestavam fotos, documentos e peças para as exposições”, relembra.

Solange Alvarenga explica que ela estava sempre pesquisando sobre as histórias de Itabira. “Ela tinha um grande carinho pelo arquivo público de Itabira. Este arquivo hoje está fechado, mas na época ele ficava no Museu. Ela, pessoalmente, conseguiu um patrocínio para que ele fosse higienizado e organizado”, conta Solange Alvarenga.

Nitidamente emocionada, Solange contou, ainda, sobre a última conversa que as duas tiveram, pelo telefone, há pouco mais de um mês.

“Penso que ela lutou e fez tudo o que poderia pela cidade de Itabira, principalmente na área cultural. Ela se dedicou muito ao Museu e à obra de Drummond. Até pouco tempo, Dadá ainda fazia os Caminhos Drummondianos, mas já estava sofrendo muito com a doença dela. Quando conversamos, mesmo estando muito lúcida, ela contou que a doença era incurável. Ela partiu cedo. Dadá tinha muita energia para viver mais”, lamente.

Vida e obra drummondiana

Quando os Caminhos Drummondianos foram criados, Dadá Lacerda integrou a equipe de pesquisadores e historiadores que tornaram esse sonho possível. Um dos poucos museus a céu aberto do mundo, os Caminhos Drummondianos são os únicos que tem como tema a literatura.

Dadá Lacerda se orgulhava muito fazer parte desse marco. Ela, pessoalmente, recebeu centenas de estudantes e escolas vindos do país inteiro, interessados em saber mais sobre a vida e a obra de Carlos Drummond de Andrade. Quem não se lembra de ver Dadá caminhando pelas ruas de pedra de minério no centro da cidade com seu inseparável microfone portátil?

Foto: ONG Século XXI

“Mamãe foi uma grande estudiosa e admiradora de Carlos Drumond de Andrade! Ela amava poder passar todo o seu conhecimento a quem a procurasse! Tinha um enorme orgulho do projeto Caminhos Drummondianos. Ela nos deixa um grande legado de que devemos sempre estar em busca do conhecimento. O estudo é a melhor herança que os pais podem passar aos seus filhos”, explicou Rossele Lage, filha de Dadá.

Parte de seu legado está diretamente ligado ao amor que ela tinha por estudar, pesquisar e dividir seus aprendizados. O turismólogo e presidente da ONG Século XXI, criada por Dadá Lacerda, Eduardo Sampaio, fala sobre a convivência com ela. “Depois de me formar em Turismo, nos primeiros meses que eu estava aqui, vi o anúncio de um curso sobre os Caminhos Drummondianos. E tive a sorte de ser o único inscrito”.

O curso era ministrado por Dadá Lacerda. “Tive um curso feito exclusivamente para mim. Durante as 60 horas de curso, ela me adotou. Ela viu em mim alguém que poderia ajudá-la a cuidar dos Caminhos Drummondianos e continuar fomentando sua visitação. O que ela fazia, conduzindo as pessoas ao longo do percurso era, sem dúvida, o passeio mais interessante e rico de detalhes”, relembra Eduardo Sampaio.

Foto: ONG Século XXI

Assim, ele virou guia do Caminhos Drummondianos e nascia ali uma grande amizade. “Ela me contou que tinha a ONG Século XXI e a gente, junto, resgatou os trabalhos por meio dela. Assim, por meio da ONG, a gente conseguiu dar continuidade a esse legado iniciado pela Dadá”.

“Dadá era mais que uma guia. Ela era uma interlocutora de Itabira com o Pedro Drummond, neto do poeta e responsável pelos direitos da obra dele. Ela era quem tinha acesso a ele para viabilizar novos projetos ligados à obra drummondiana. Eles eram amigos pessoais. Com certeza, perdemos a maior referência sobre a história de Drummond. Não conheço uma pessoa que tenha tido tanta dedicação por ele. Drummond e os Caminhos Drummondianos eram amores da vida dela”, conta Eduardo Sampaio.

A filha Rosane Lage endossa esse amor. “Ela era completamente apaixonada por Drummond. O olho brilhava para falar dele. Ela tinha um prazer enorme em falar com as pessoas sobre o poeta. Recebia em casa, atendia ligações, respondia pela internet. Era uma vontade enorme de querer divulgar a obra”.

Admirada e homenageada

As filhas fizeram questão de frisar o quanto o carinho que estão recebendo das pessoas tem sido acolhedor nessa perda. Rosane explica que “nos conforta muito nessa hora o carinho das pessoas que admiravam o trabalho dela. A gente sente que ela conseguiu cumprir a missão dela. Ela foi um exemplo de uma mulher guerreira, lutadora e que nos ensinou a ser pessoas fortes”.

Diversas pessoas que tiveram a chance de trabalhar, estudar ou conviver com Dadá Lacerda já se manifestaram nas redes sociais. A redação do portal DeFato entrou em contato com Pedro Drummond, neto de Carlos Drummond de Andrade e amigo pessoal da historiadora.

“Não há palavras suficientes em momentos de perda e qualquer coisa que eu diga nada acrescentará ao legado cultural e de ternura deixado por Dadá. Ela foi uma pessoa que dedicou-se plenamente a Itabira e à preservação de sua história. A cidade perde uma cidadã importante, que soube valorizar a educação e a cultura, algo tão importante e necessário nos dias de hoje. Mais uma notícia triste para o Brasil. De Dadá guardo algumas lembranças especiais: o carinho incondicional que ela teve por papai e por meu filho Miguel. Todo um tempo de boas lembranças se foi com Dadá. Resta a Itabira seguir seu exemplo e construir o futuro preservando o passado”, disse Pedro Drummond.

A Fundação Carlos Drummond de Andrade, na pessoa de seu atual superintendente Marco Alcântara, fez uma publicação em seu perfil no Instagram, lamentando a perda.

A turismóloga Elainde Cristina Linhares Diniz teve a chance de trabalhar e aprender com Dadá Lacerda.

“Não contar mais com a presença física de Dadá entre nós muito me dói. Ficam as recordações pessoais de uma relação de enorme carinho. Mas, a grandiosa Dadá Lacerda, com todas as letras maiúsculas, apaixonada por cultura, história e pela vida e obra drummondiana, continuará presente graças aos ensinamentos que nos passou. Suas lutas, seu sorriso, sua disposição, sua intensidade, marcaram positivamente a vida daqueles que conviveram com ela. E, assim, ela se fará sempre presente em nossa memória e na história de Itabira. Dadá foi uma grande mulher, merecedora de todo o nosso respeito”.

A professora Rose Gonçalves, amiga próxima de Dadá, também fez uma publicação em seu perfil no Facebook.

Hoje o dia amanheceu triste. Vc fará muita falta minha amiga Dadá Lage Lacerda . Jamais de esqueceremos. Eternas…

Publicado por Rose Gonçalves em Quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

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