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Jenisse Lanza explica o funcionamento do Observatório Social

Observatório Social

Jenisse Lanza, presidente da entidade em Itabira, concedeu entrevista à DeFato. Foto: Victor Eduardo/DeFato Online

O Observatório Social do Brasil (OSB) iniciou as suas atividades em Itabira no dia 5 de fevereiro de 2018. A Instituição foi fundada na cidade de Maringá, Paraná, em 2007. Tempos depois, transferiu-se para Curitiba. Atualmente, o OSB funciona em 150 municípios brasileiros. Dez cidades mineiras também já contam com uma unidade.

A professora Jenisse Lanza é a atual presidente do Conselho de Administração do Observatório Social do Brasil, em Itabira. Lanza trabalhou por três décadas no Banco do Brasil e tem expressiva interação na sociedade itabirana. Em 2007, ela começou a sua carreira no voluntariado, na Pastoral da Saúde. As suas principais ações se desenvolveram  no Hospital Nossa Senhora das Dores (HNSD). Foi, inclusive, uma das fundadoras da Brinquedoteca do HNSD.

Na entrevista a seguir, Jenisse faz uma radiografia completa do Observatório Social de Itabira: esclarece a dinâmica de funcionamento da entidade, mostra os principais resultados desses cinco anos de atuação no município e deixa bastante claro o caráter apartidário do OS. A dirigente, porém, esclarece que a escassez de voluntários impede um trabalho mais eficiente e completo. Confira a entrevista completa.

DeFato:  O Observátório Social funciona em alguns municípios brasileiros. Qual é a origem dessa instituição?  Como surgiu essa ideia de Observatório Social, no Brasil?

Jenisse Lanza: O Observatório começou especificamente em Maringá(Paraná), em 2007. E, depois, a sede se transferiu para Curitiba. Então, como se vê, já são quase 16 anos de vida. No Brasil inteiro, nós temos 150 Observatórios em atividade. Aqui em Minas, nós temos em torno de dez(em funcionamento). Existem também Observatórios em processo de criação. Quando um  grupo de pessoas  de uma cidade decide criar o seu Observátório, a primeira providência é entrar no site  do Observatório do Brasil e se inscrever como uma cidade interessada. 

DeFato: o que chama a atenção é que, embora com bastante tempo em funcionamento (16 anos), o Observatório Social tem um  baixo número de adesão. O Observatório atua em uma quantidade  muito pequena  de municípios, tanto no Brasil quanto em Minas Gerais. Qual o motivo desse desinteresse?

Jenisse: Nesse caso, a gente vai remontar na nossa escolarização. Nós, brasileiros e brasileras, não somos educados para o exercício da cidadania. Está na Constituição, no artigo 205, que o Estado deve preparar o cidadão para o exercício da cidadania. Além disso, a Lei 5097 do nosso município dispõe sobre a obrigatoriedade de se ter esse conteúdo ministrado  na rede municipal de ensino, e não apenas nas escolas públicas. Mas isso ainda não acontece. Essa lei ainda não está sendo aplicada (aqui em Itabira)…

DeFato: O Observatório não teria alguma prerrogativa para exigir a aplicação dessa Lei?

Jenisse: Na verdade, a nossa autonomia é o questionamento sobre o cumprimento dessa Lei. E aí, falando da nossa falta de educação cidadã, ainda existe, na base nacional curricular de 2017, para começar a ser implementada em 2020, a Educação Fiscal como um tema transversal. Então, nós temos leis que obrigam os municípios a oferecerem a educação para a cidadania. 

DeFato: Mas o que o Observatório Social  pode fazer para que o município cumpra essa Lei?

Jenisse: A nossa missão, a nossa razão de existir, é exatamente despertar nas pessoas, o interesse por fazer o que nós fazemos. E o que a gente faz? Exercemos o controle social, que é a gente participar, questionar e interessar em saber como está sendo gasto o nosso dinheiro. É a gente se apropriar desse direito constitucional, porque os recursos públicos são nossos. Esses recursos saem dos nossos bolsos e, para nós, eles (os recursos) têm que voltar. 

DeFato: Mas por que o Observatório, com toda essa atuação, em cinco anos de existência , não conseguiu despertar o interesse da sociedade itabirana?

Jenisse: Olhe, se nós observarmos, e a gente tem usado, aqui em Itabira, os dados de abril de 2022, da atenção primária do SUS. E esses dados são altamente fidedignos. E através deles (os dados dos Sus) nós chegamos nos agentes de saúde, que agora foram equiparados a profissionais da saúde. Então, esse levantamento, muito importante, revela que temos, aqui na nossa cidade, 74.822  pessoas na faixa etária entre 20 e 59 anos. São pessoas que poderiam se interessar pelo trabalho voluntário, como esse do Observatório. E, hoje, nós temos apenas 25 pessoas voluntárias no Observatório. O trabalho voluntário é muito complexo porque depende da disponibilidade das pessoas. Mas nós temos também 25 entidades que nos apoiam. Temos, principalmente, empresas mantenedoras. Empresas que nos mantêm e possibilitam a realização desse trabalho. Mas existem também 150  pessoas físicas contribuintes. Tudo isso para manter o coração e os braços do Observatório.

DeFato: E o que seriam o coração e os braços do Observatório?

Jenisse: O coração e os braços são as nossas causas, que são o trabalho voluntário exercido e a estrutura física. 

DeFato:  Onde funciona o Observatório Social?

Jenisse: Funciona no Shopping Avenida, lá na avenida Martins da Costa, 327, sala 111, no bairro Pará. 

DeFato: Pelo que se consta, o Observatório Social é apartidário, mas tem uma forte interação na atividade política, com a fiscalização do Executivo e o Legislativo. Nesse caso, não há o risco da instituição se contaminar pela prática da política e assumir uma postura tendenciosa?

Jenisse: Veja, nós temos um código de conduta, que é seguido por todos os Observatórios. Uma das condições para se fazer parte do  Observatório é não ser filiado a partidos políticos. E isso não significa ser apolítico, pois ninguém é apolítico. Nós vivemos na pólis e toda a nossa ação – o que a gente faz ou deixa de fazer – é atitude política. Então, falando da política partidária, o nosso código de conduta  recomenda que a gente não se manifeste, não participe de movimentos partidários. E aí inclui, inclusive, manifestações nas redes sociais. E isso ficou muito claro para nós, desde o começo. Nas redes sociais, as pessoas falam, falam e falam. Há uma necessidade muito grande de falar. E esse é um cuidado que precisa se ter. Então, nós temos um código de conduta e as nossas causas estão acima de nossas crenças políticas pessoais ou ideológicas. 

DeFato: Mas o senso comum pode ter outra percepção dessa situação e aferir que, quando o Observatório fiscaliza quem está no poder, a instituição estaria fazendo um papel de  oposição e, então, se comportando como uma agremiação partidária. Como explicar essa contradição?

Jenisse: Aí, precisaríamos voltar à nossa pauta de educação para a cidadania. Essa postura (de oposição) nunca passou pela nossa cabeça, porque a gente entendeu um direito nosso, que está previsto na Constituição, que é o exercício do controle social e, quando nos apropriamos desse direito, a gente exerce esse direito. Então, não existe essa possibilidade de se atuar como oposicionista, porque estamos exercendo um direito. E nós percebemos que o exercício do controle social é uma grande novidade para a cidade. Nós somos uma empresa sem fins lucrativos, inclusive temos CNPJ, cujo negócio é o exercício do controle social. E isso é uma grande novidade. Aqui em Minas, temos cerca de dez empresas que fazem isso. Mas nem as pessoas e nem os órgãos observados estão acostumados com o controle social, e essa é a grande novidade. Então existe esse entendimento desvirtuado (de Observatório Social como oposição).

DeFato: E quais são as ferramentas práticas de atuação do Observatório Social? A estratégia  visa exclusivamente os processos licitatórios do Executivo e Legislativo?

Jenisse:  A gente analisa os processos de licitações da Prefeitura e da Câmara, por enquanto. Mas, no futuro, o Observatório poderá  observar também os órgãos da administração indireta, como Fundação Cultural, Itaurb e SAAE. É muito importante a gente dizer que vamos olhar também a administração indireta, quanto tivermos uma quantidade suficiente de voluntários. O nosso objetivo é monitorar  a execução orçamentária, se o que está orçado foi feito. Monitorar todos os convênios, monitorar a frota da Prefeitura, monitorar os almoxarifados, monitorar os recursos humanos, monitorar a utilização das diárias, os prédios públicos, as transferências voluntárias e acompanhar os  procesos judiciais contra órgãos públicos. Então, são muitos itens para tão poucos voluntários. Na Câmara, a gente já faz o monitoramento da frota, que é formada por apenas dois veículos.

DeFato: A Prefeitura, normalmente, tem um número muito grande de procesos licitatórios. Como o Observatório consegue fazer esse acompanhamento, com um número tão reduzido de voluntários?

Jenisse:  O primeiro critério definidor – para acompanhar uma licitação – é a disponiblidade de voluntários com especialização, para analisar a licitação. E nós analisamos a licitação sob um aspecto importante, que é o aspecto legal, a conformidade da legislação e as normas vigentes. Isso a gente sempre faz, porque aí é que se encontra a origem de um contrato. Mas, prioritariamente, nós focamos nas licitações que têm um valor mais expressivo, que chamam a atenção. Ainda assim, é importante a existência de um voluntário para se fazer a análise técnica. Nós precisamos de mãos de obra voluntárias especializadas para análises técnicas, mas análises legal a gente sempre faz.

DeFato: Mas aí, fez-se o monitoramento, seguiram-se todos os critérios, e foi detectado algum indício de irregularidade. Nesse caso, qual seria o próximo passo?

Jenisse: É preciso deixar claro que nós não somos fiscalizadores, nos não temos poderes para isso. A gente apenas monitora. Os principais fiscalizadores das licitações feitas pelo Executivo são as Câmaras de Vereadores, com auxílio do TCE (Tribunal de Contas do Estado). Mas, quando nós monitoramos e encontramos algum indício de irregularidade, primeiramente faz-se um questionamento ao gestor. Se a resposta dele for satisfatória, está tudo ok. Se a resposta não for satisfatória, jutamos indícios, provas e encaminhamos ao Ministério Público, mais especificamente à Promotoria do Patrimônio Público. Nós divulgamos, nos nossos relatórios quadrimestrais, o resultado final dessas ações. Tudo isso pode ser acompanhado no site do Observatório Social (www.itabira.osbrasil.org.br).

DeFato: Uma polêmica, que surgiu na cidade há pouco tempo, é a possibilidade de instalação  de uma CPI para investigar o repasse de verbas da Vale para a Prefeitura, para as obras da Unfei. O Observatório Social está acompanhando essa situação?

Jenisse: Os questionamentos, que nós fizemos à Prefeitura sobre esse assunto, já constam em um dos nossos relatórios quadrimestrais. Nós já fizemos esse questionamento e tem um outro detalhe: quanto à licitação, quando a gente percebe alguma irregularidade, a gente faz uma impugnação. E todo cidadão, com base na lei, tem o direito de fazer uma impugnação. E algumas impugançãoes têm como resposta o acatamento de  todos os pontos que nós questionamos. Em algumas oprtunidades, até acontece o cancelamento do edital. Com relação à Unifei, nós analisamos esse processo e fizemos a impugnação. E o relatório sobre esse processo está à disposição de qualquer pessoa. Lá, pode ser visto o que apontamos, qual foi a resposta do órgão público e o encaminhamento ao Ministério Público Federal, porque ali tem verba federal.

DeFato: O atual governo da cidade completou a metade do mandato, no ano que passou. Qual a atuação do Observatório Social, no Executivo, nos  últimos dois anos?

Jenisse: Nos últimos dois anos, nós analisamos 149 processos licitatórios do Executivo. Em decorrência dessas análises, o Observatório Social enviou pedidos de esclarecimentos, informações e fez impugnações. 

DeFato: O Observatório Social está completando cinco anos de ações, aqui em Itabira. O que de mais relevante foi feito nese período?

Jenisse: Olha, na verdade, quando nós falamos  da educação para a cidadania, a nossa missão é despertar o interesse das pessoas por fazer o que fazemos. Logo no início, nós criamos uma palestra, em 2018. Uma palestra de duas horas. Nós fizemos virtualmente  essa palestra, em 2021, para 600 professores da rede pública municipal. Na oportunidade, nós falamos de noções básicas de política, da nossa constituição e nossos direitos civis, sociais, políticos, etc. Em 2018, junto com o Ministério Público, a gente participou do projeto “corrupção, uma pedra no meio do caminho”. Com esse tema, fizemos seis palestras para 480 pessoas. No final, essas pessoas respondiam o que se deveria fazer em Itabira para coibir a corrupção. Essas respostas deram origem a dez medidas, que nós lançamos entre 2019 e 2020. Dessas dez medidas, cinco já foram implementadas. Agora, estamos marcando uma reunião com a Transparência Internacional, com o Ministério Público, para ver como vamos fazer para implementar essas propostas. O objetivo é continuar com essas palestras. Nós já fizemos um total de 45 palestras para 2.400 pessoas. Esse é o nosso balanço de cinco anos.

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