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Liberdade de expressão não é libertinagem de expressão

O cantor Johnny Hooker, centro de uma polêmica instaurada em Itabira durante o mês de junho. Foto: Reprodução

Tudo tem limite. O Festival de Inverno de Itabira começou com inesperado alvoroço. A organização do evento anunciou um show do pernambucano Johnny Hooker, na praça do Areão. E quem é esse personagem? Não sei. Nada ouvi falar sobre o distinto. Ainda não escutei os grandes sucessos desse “famoso cantor”. Mas a minha ignorância não tem a menor importância.

  

Chamou a atenção, porém, o tamanho do fogaréu que a possível apresentação provocou na terra do poeta maior. Católicos tradicionais e neopentecostais ficaram fulos da vida com a coisa toda. E qual o motivo para tamanha ojeriza? Vamos ao ponto. A polêmica nasceu no Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), em 2018.  Durante a sua “performance”, subitamente Hooker disparou para a plateia: “E eu estou aqui hoje pra dizer pra vocês que Jesus é travesti, sim, Jesus é transexual, sim. Jesus é bicha, sim, porra! Pode vaiar a vontade. Enfia a vaia no cu”, vociferou o artista.

Essa manifestação ecoou em Itabira no mês passado. O desabafo de Johnny simplesmente virou um escândalo de dimensão abismal. Ponto para o cantor bissexto. Ele alcançou seus 15 minutos de fama, até muito além das fronteiras pernambucanas. Mas qual o motivo para essa agressão “putiniana”? Tudo não passou de uma estratégia para decolagem de carreira, provavelmente.

O desabafo do “cantante” pode ter sido uma simples conversa fiada à procura de holofotes. Bingo! O moço conseguiu seu objetivo. E, convenhamos, Jesus Cristo é uma ótima ferramenta para essa estratégia. Mas esse estratagema – oportunista e pouco cristão – não é privilégio do Johnny pernambucano. Os proprietários das religiões sempre usaram o santo nome do messias para outros fin$$.

Alguns “cidadãos de bem” chiaram muito com o desatino verbal de Hooker. Em Mato Dentro, o “astro pop” até contou com o contra-ataque retórico de alguns simpatizantes. “Ele só foi criticado porque é gay”, justificaram os rábulas de defesa. Nada a ver. O tamanho da baboseira falada independe da orientação sexual do franco atirador. E vale citar aqui um ditado popular muito apropriado para o momento: “a língua é o chicote do corpo”.

Conclusão: o “discurso” de Johnny Hooker foi simplório, besta, barato e sem a mínima fundamentação intelectual. De onde ele tirou que Jesus Cristo é gay?  No “Novo Testamento” não há o menor indício da orientação sexual do “ilustre judeu”. A retórica do cantor nordestino não passou, portanto, de simples apelação midiática.

Mas, aí, alguém na plateia pode até indagar: e onde fica a liberdade de expressão nesse dramalhão todo? Em qualquer lugar. A liberdade de expressão é livre, leve e solta. Não tem contraindicação, mas deve ser usada com moderação e responsabilidade. E, mais importante: liberdade de expressão também é alteridade – a capacidade de se colocar no lugar do outro.

Em outras palavras: toda pessoa tem o direito de ser heterossexual, homossexual, não-binária ou até assexual. Isso não é da conta de ninguém. Mas respeito é uma obrigação de mão dupla. Um cidadão qualquer também tem todo o direito de ser católico, evangélico, presbiteriano, macumbeiro ou ateu. Cada um em seu respectivo quadrado, com suas escolhas meramente pessoais. Isso é alteridade.

Que fique claro. A liberdade de expressão necessita ser controlada por freios da moral e ética. Não pode atropelar suscetibilidades várias. Então, convém não confundir liberdade de expressão com libertinagem de expressão. Todo cuidado é pouco. Muito facilmente incontinência verbal descamba para tagarelice de papagaio de lupanar. Tudo tem limite.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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