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Longas jornadas e serviço limitado: a alta da gasolina sob a ótica dos motoristas de aplicativo

Foto: Cris Cantón Photography/Getty Images

Na última terça-feira (26), a Petrobras anunciou um reajuste de 5,05% no preço da gasolina nas refinarias. Foi o segundo aumento desde o início de 2021, já que no dia 18 de janeiro houve uma elevação de 8%, o que representa um aumento de cerca de 13,4% no total.

A medida causa um impacto direto no bolso dos brasileiros. Mas um grupo, em específico, tende a ser ainda mais atingido: os motoristas de aplicativo. O portal DeFato conversou com cinco destes profissionais que trabalham em Itabira e compartilham preocupações muito parecidas.

Todos citaram que o aumento do preço da gasolina os obriga a cumprirem jornadas de trabalho ainda maiores que as usuais, já muito cansativas. Neste contexto, é comum os trabalhadores trafegarem durante 13 ou 14 horas ao dia; e atuarem, também, nos fins de semana.

Além disso, o “efeito dominó” causado pela elevação do custo da gasolina reflete nos preços cobrados em postos da região. Vários motoristas itabiranos relatam que os valores praticados no município são maiores se comparados aos de cidades vizinhas.

Arcando com, praticamente, todos os custos das corridas, e tendo que repassar boa parte do dinheiro recebido às empresas, os motoristas se veem obrigados a encarar rotinas desumanas.

Horas a mais e corridas mais seletas

Ouvido pela DeFato, o motorista Everton Bretas, que atua no ramo há quase três anos, logo trata de ponderar algo importante. Enquanto o preço do combustível aumenta regularmente, os preços cobrados pelo transporte alternativo não mudam há cerca de cinco anos. Ou seja, a diferença entre lucro e prejuízo é levada ao limite.

Sobre o impacto no seu dia a dia, ele cita o aumento da jornada de trabalho e a necessidade de uma escolha mais precisa no momento de aceitar uma viagem.

“O combustível demanda em torno de 35 a 40% do custo operacional que a gente tem. Em casos de viagens mais longas, esse custo chega a ser de 55%. Com o aumento, o motorista tem que ter uma jornada de trabalho maior, às vezes 12, 13 horas por dia, adicionando o fim de semana. As viagens consideradas longas ficam cada vez mais inviáveis, então os bairros afastados são prejudicados por isso”, relata.

De acordo com Everton, o aumento dos valores não se reflete apenas no combustível. “Minha jornada de trabalho normal são 11 horas, desde que saio de casa e quando chego em casa também. Mas, como a demanda desse preço subiu, eu já passei minha jornada para, pelo menos, 12 horas, podendo se estender a 13 horas. Como a alta do combustível vai acarretar na alta do pneu, do supermercado e outras coisas, preciso trabalhar mais para também compensar estes outros aumentos.”

Everton Bretas está no ramo desde meados de 2018. Foto: Arquivo pessoal

24 horas de trabalho

Se 14 horas em serviço já é um período desgastante, imagine trabalhar durante 24 horas seguidas? Foi o caso do motorista Matheus Alves. Durante um festival de música ocorrido em Itabira, o condutor trabalhou entre as 7h da manhã de uma sexta e as 7h da manhã do sábado. Outros colegas chegaram a fazer 22 ou 23 horas no período.

Ele adota alternativas parecidas às de Everton para driblar a situação, e diz que passageiros que embarcam em lugares mais afastados também sofrem com o problema.

“A alta da gasolina tem impacto em tudo relacionado ao nosso trabalho. A porcentagem de lucro é menor e, por conta disso, temos que aumentar a jornada de trabalho, selecionar bem as corridas, tendo em vista que nós não ganhamos nada indo buscar o passageiro, apenas depois que ele entra no carro. O combustível aumenta, mas o preço das corridas não”, diz Matheus.

Ruim para todos

Colecionando mais de 20.000 viagens entre dois aplicativos de transporte, o itabirano Marcelo Reis diz que a população do município aderiu bastante à novidade no mercado. Com a experiência de quem transporta pessoas de todas as idades e classes sociais, ele afirma que o aumento do preço da gasolina prejudica a todos, dos motoristas aos passageiros.

“Com esse aumento da gasolina, a situação está ficando insustentável. Como todo mundo sabe, a gente não tem vínculo nenhum com a operadora, apenas prestamos um serviço. O carro, a manutenção, o combustível, tudo é por nossa conta. E esse aumento vai impactar bastante, pois a distância para buscar os passageiros em bairros distantes vai ficar inviável. Muitas pessoas aqui dependem do serviço alternativo, porque o transporte público não está atendendo 100% a população. Se não fosse o transporte alternativo aqui em Itabira, o caos seria ainda maior na cidade”, comenta Marcelo.

Marcelo Reis acredita que o transporte alternativo supriu uma demanda importante em Itabira. Foto: Arquivo pessoal

E a situação, que já não é boa, pode piorar. Quem diz isso é o motorista Kilber de Castro, que projeta um cenário ainda mais grave caso a greve dos caminhoneiros, amplamente discutida nos últimos dias no país, ocorra.

“A gente está tendo que trabalhar dobrado, de duas em duas semanas tá aumentando o combustível. Existe um boato grande de parada dos caminhoneiros, e se acontecer, aí que iremos sofrer mesmo. A gasolina vai ficar 10 reais para nós igual da primeira vez (em 2018)”, afirma Kilber.

Kilber de Castro enxerga com preocupação a possibilidade de uma greve dos caminhoneiros. Foto: Arquivo pessoal

“Escravos do aplicativo”

O motorista itabirano A.S., que preferiu não revelar o nome, disse à DeFato que, independente do preço da gasolina, a categoria já é “escrava” dos aplicativos. Para ele, o aumento também pode ser sentido de outras maneiras.

“O impacto é para todo mundo no geral, mas quem tem subemprego, como a gente que é motorista de aplicativo, sente mais. Sobre as horas a mais trabalhadas, nós já somos escravos, independente do combustível alto ou baixo. Claro que o aumento também impulsiona o preço do pneu, do óleo, e a gente vai levando. O maior impacto que temos é a nossa margem de lucro que diminui”, explica.

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