Mesmo cedendo às demandas do Centrão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tido, nas últimas semanas, pressão do Congresso por cargos e verbas. Essa é a percepção de especialistas que participaram de um debate no 47º encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS). Os estudiosos alegam que, na atualidade, esse será o novo normal do parlamento na política brasileira.
O cientista político Lúcio Rennó, professor da Universidade de Brasília (UNB), afirma que “mudanças institucionais recentes transformaram a governabilidade no Brasil em algo mais complexo do que já era antes”.
Em um intervalo de poucas horas, Lula entregou o comando da Caixa Econômica Federal (CEF) a um aliado de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, e viu seu indicado para a Defensoria Pública da União ser rejeitado no Senado — evidenciando que a mudança no comando do banco estatal não seria o bastante para conseguir no Legislativo os votos necessários à aprovação dos seus principais projetos, cruciais para a pauta econômica do seu governo.
Segundo Rennó, “o cenário que se coloca é muito mais difícil de ser navegado pelo presidente e o Congresso se tornou uma arena imprevisível. Não dá para esperar que o governo vá conseguir aprovar tudo o que quiser e que suas propostas vão sair ilesas. O Executivo agora precisa se preocupar mais em impedir a votação de propostas negativas para seus interesses do que tocar sua própria agenda”.
“Um Congresso hoje tão pulverizado e independente aumenta os riscos de ser governo, em virtude de maior número de partidos. A ameaça deimpeachment hoje é muito maior”, completa.
O sociólogo Sérgio Abranches, em artigo publicado em 1988, percebeu no sistema brasileiro algo diferente tanto do presidencialismo americano, caracterizado por um jogo entre apenas dois partidos, quanto do parlamentarismo europeu. “O poder foi descentralizado e o Legislativo ganhou força, mas a responsabilização do Congresso pelas políticas públicas continua baixa”, afirma Rennó.
No debate da ANPOCS, a professora e cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), elencou outros fatores além desses. “Um deles é a divisão geográfica entre os partidos e, em alguns casos, dentro das próprias agremiações. Hoje a gente está num sistema em que a polarização ideológica se expressa também do ponto de vista do eleitorado, e o político esta cada vez mais afetado pela opinião pública. Outro ponto é que as mudanças institucionais alteram o comportamento dos parlamentares”, avalia.
A antropóloga Isabela Kalil, finalizando o debate, citou elementos da reconfiguração do bolsonarismo que dificultam a vida do governo petista. O primeiro, conforme a pesquisadora, é a interiorização do bolsonarismo, já que o PL se propõe eleger ao menos 1500 prefeitos em 2024.
O segundo ponto é a bolsonarização do Congresso e das instituições de Estado. O terceiro e último ponto são as iniciativas parlamentares que têm por objetivo esvaziar direitos previstos na Constituição.