A legalidade de quatro emendas à Lei Orçamentária Anual (LOA) 2023 e que foram aprovadas pela Câmara de Itabira está sendo questionada na Justiça pelo governo Marco Antônio Lage (PSB), que ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade 1.0000.23.053483-6/000, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). O processo tem o objetivo de reverter propostas dos vereadores Neidson Dias Freitas (MDB) e Sidney Marques Vitalino Guimarães “do Salão” (PTB) — ambos do bloco de oposição à atual administração municipal — que, somadas, podem custar R$ 13,1 milhões aos cofres do Executivo. Essas quatro emendas foram aprovadas por unanimidade pelo Legislativo no ano passado — ou seja, recebeu apoio inclusive da base de apoio do prefeito. As informações sobre a ação judicial foram publicadas incialmente pelo jornal Diário de Itabira.
Além disso, as emendas, assim como a LOA, após serem aprovadas pela Câmara, foram sancionadas pelo prefeito Marco Antônio Lage — que à época poderia ter vetado as propostas. A falta desses vetos, inclusive, é abordada na defesa apresentada pelo Legislativo na ação judicial.
Uma das emendas que estão sendo questionadas pela Prefeitura de Itabira prevê a destinação de R$ 1 milhão para a castração de cães e gatos no munícipio. O texto, de autoria de Neidson Freitas, propôs retirar R$ 400 mil da Secretaria Municipal de Auditoria e Controladoria Interna e outros R$ 600 mil da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia, Inovação e Turismo. Inclusive esses R$ 600 mil seriam retirados de consultorias que a atual gestão municipal pretendia contratar ao longo deste ano.
As outras três emendas que constam na ação direta de inconstitucionalidade são de autoria de Sidney do Salão. A primeira delas propõe a pavimentação das travessas Joaquim Costa, Jade e Nova 2, assim como da rua Joaquim Costa, todas no Barreiro. Para isso, o vereador pediu a reserva de R$ 10 milhões.
Na segunda, é colocada a construção de um posto do Programa da Saúde da Família (PSF) no bairro Jardim das Oliveiras, com um custo estimado de R$ 2 milhões — com R$ 1 milhão saindo da Secretaria de Governo e outro R$ 1 milhão sendo redirecionado do Gabinete do Prefeito. Já a terceira emenda pede a construção de um muro de arrimo na rua Vereador José Getúlio Soares, no Eldorado, a um custo de R$ 100 mil.
O que diz a Prefeitura?
Na ação direta de inconstitucionalidade, o prefeito alega que as emendas aprovadas pelos seus oposicionistas representam “aumento” de despesas para o município, o que é considerado ilegal já que o vereador é proibido de legislar sobre matérias financeiras. “As emendas parlamentares ao projetos de lei de inciativa do Executivo não podem ocasionar aumento de despesas para o poder público e nem trazer matéria estranha à proposição original”, diz trecho do documento.
“As alterações legislativas impugnadas estabelecem obrigações ao Executivo local e acarretam aumento de despesas. Ofendem, por consequência, o princípio da separação de poderes”, acrescenta.
Mesmo que as emendas de Neidson Freitas e Sidney do Salão não tratem necessariamente de aumento de despesas, mas de remanejamento de recursos, Marco Antônio Lage, na fundamentação da ação, alega que “ainda que eventualmente essas emendas venham a apontar a origem dos recursos a serem utilizados para as ações nela definidas, a medida de é inconstitucional, pois somente o chefe do Executivo pode deliberar sobre a destinação de verbas e o enfrentamento de despesas. Além disso, a destinação de recursos, em Lei Orçamentária Anual, para a realização de atividades específicas não guarda pertinência com o seu objeto, que se restringe à previsão de receita e fixação de despesas em âmbito genérico”.
No processo, Marco Antônio Lage pede que o TJMG conceda liminar para barrar as emendas. A ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada no dia 6 de março.
Posicionamento oficial
Na manhã desta segunda-feira (12), o portal DeFato solicitou um posicionamento oficial à assessoria de comunicação da Prefeitura sobre os motivos que levaram a ajuizar a ação contra as emendas da Câmara ao orçamente deste ano. Confira na íntegra:
“A Ação Direta de Inconstitucionalidade aborda quatro emendas que foram inseridas na Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada no ano passado pela Câmara de Vereadores. A matéria em tramitação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) trata de questões técnicas que não foram observadas pelos autores das propostas e da ilegalidade que é a criação de despesas por parte do Legislativo. Exigências legais que impossibilitam a execução das emendas e que agora o Executivo discute na esfera judicial”.
O que diz a Câmara?
Em 21 de março, o desembargador Domingos Coelho pediu para que a Câmara de Itabira fosse comunicada e apresentasse a sua defesa. Embora não seja o autor das emendas, Heraldo Noronha (PTB), por ser presidente do Legislativo, que é o órgão citado no processo, é o responsável por responder às questões judiciais.
A defesa da Câmara foi encaminhada ao TJMG no dia 12 de abril e foi preparada pelo seu procurador jurídico, Hugo Eustáquio Mendes. “É inegável que o processo legislativo permite a adoção de emendas aos projetos, inclusive sendo este o papel primordial do poder Legislativo. Todavia, o poder Executivo, ao elaborar o projeto de lei, com a previsão de despesas no orçamento, adotou precário detalhamento das despesas, sem especificar a destinação”, diz trecho da argumentação.
E ainda acrescenta: “A Suprema Corte [Supremo Tribunal Federal], em reiteradas decisões, já reafirmou sobre a impossibilidade do aumento de gastos, em desacordo ao previsto originalmente no projeto de lei. Pois bem, no caso em comento, todas as despesas foram decorrentes do próprio orçamento traçado pelo próprio Executivo”.
O Legislativo também argumenta que o governo Marco Antônio Lage não conseguiu comprovar que houve o aumento das despesas: “a Câmara Municipal executou detido trabalho na apresentação das emendas, para garantir que não houvesse o aumento de despesas e, obviamente, já prevendo futura ação arguição de inconstitucionalidade. Diga-se, neste ponto, a importância preliminar arguida, pois o requerente [Marco Antônio Lage] defende a ‘inconstitucionalidade’, sem demonstrar qual foi o aumento de despesa indevidamente proposto por emenda parlamentar. Assim, com a omissão estratégica do chefe do Executivo, a Câmara afirma que não houve aumento de despesas, mas, sim, houve o detalhamento orçamentário, com demandas urgentes inseridas pela vertente mais genuína da participação democrática, que é o processo legislativo guarnecido pelos representantes do povo”.
O fato de Marco Antônio Lage não ter vetado as emendas também entrou na defesa da Câmara: “a compreensão do projeto como elaborado pelo Executivo, prejudicou a transparência, que é princípio básico do orçamento público e, estrategicamente, após a realização das emendas pelos parlamentares e a própria sanção pelo Executivo, houve a impugnação pela ação de inconstitucionalidade, seja pelo argumento do aumento de despesas, seja pela suposta ausência de pertinência temática, sem o devido apontamento dos dispositivos ofendidos e do liame que implicaria na invalidade das normas”.
Dessa forma, a Câmara de Itabira pede que não seja concedida a liminar requerida por Marco Antônio Lage e que a ação seja extinta.
O que diz o Ministério Público?
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio da Coordenadoria da Constitucionalidade, já se manifestou sobre o caso e lembrou que o próprio TJMG já foi contra uma ação semelhante, movida pelo Prefeitura de Crucilândia contra a Câmara de Vereadores, também por causa de emendas ao orçamento.
Sobre o caso de Itabira, o MPMG considera que Marco Antônio Lage não conseguiu provar que houve aumento de despesas pelas emendas de Neidson Freitas e Sidney do Salão. “Com efeito, o requerente [prefeito], pretendendo ver declarada a inconstitucionalidade das emendas apresentadas pelos parlamentares ao projeto transformado na lei nº 5.414/2022, não fornece ao órgão julgador os meio formais adequados para apreciar a causa de pedir, uma vez que, impugnando genericamente a legislação municipal, não observou a necessidade de demonstração da justificativa e das especificidades da suposta inconstitucionalidade”, diz o Ministério Público.
A decisão do MPMG também afirma que “o procurador geral de Justiça [Jarbas Soares Júnior], por meio da sua Coordenadoria de Constitucionalidade, manifesta-se pelo indeferimento liminar da petição inicial”.