A pequena e desconhecida localidade de Cuité, na zona rural de Santa Maria de Itabira, é o ponto de partida de uma curiosa história. Daquela comunidade, simples a ponto de receber luz elétrica apenas em 2007, saiu Sérgio Hermínio Santiago, rumo a outros centros urbanos que lhe possibilitassem construir a trajetória que contaremos nesta matéria.
A narrativa é longa e será detalhada abaixo. Aqui, falaremos de um personagem que abandonou uma caminhada bem sucedida no jornalismo para se dedicar à venda de lanches e bebidas.
Sérgio Santiago, antigo chefe de redação da DeFato Online, hoje é sócio do Esplanada Lanches, localizado no bairro Esplanada da Estação, em Itabira. Seu irmão, Jaime Santiago, também administra o negócio.
Ao invés do agitado ambiente da redação, ele optou pelo não menos movimentado espaço do trailer. O microfone que levava em mãos foi substituído por uma espátula, e a antiga preocupação em dar uma informação antes dos outros veículos da região deu lugar à pressa para servir seus fiéis clientes.
Uma troca radical de funções, sem muita relação com sua trajetória acadêmica, mas que também não gerou nenhuma ponta de remorso no mais ilustre “cuitezeiro” da região.
O início
Uma simples bicicleta foi a alternativa encontrada por Sérgio, ainda na adolescência, para atravessar os 40 quilômetros que separam a comunidade em que nasceu e Santa Maria de Itabira. No município, conseguiu seu primeiro emprego, de padeiro, que só veio após muita insistência e cerca de 15 visitas ao local.
Seis meses depois, era hora de trocar o endereço e rumar, sozinho, à Itabira. Tudo o que o santa-mariense tinha coube no bagageiro de um ônibus de viagem, mas a esperança por um futuro mais promissor continuava o acompanhando. Quando a mudança ocorreu, por volta de 2003, ele era o único dos seus colegas de Cuité a ignorar a distância para a escola e continuar estudando no período.
O jornalismo
Em Itabira, viveu muitas dificuldades e pensou em voltar para casa. Sérgio assume que chegou a passar fome em alguns momentos e foi abandonado por um colega com quem dividia o aluguel.
Mas as coisas começaram a mudar. Ele encontrou empregos no comércio itabirano e ingressou, em 2005, em uma área que sempre quis atuar: a comunicação. Quando ainda morava na zona rural de Santa Maria de Itabira, o único meio de comunicação acessível era o radinho de pilha. Embora modesto, o objeto nutriu em Sérgio o desejo de trabalhar no setor.
A primeira experiência foi como vendedor de assinatura da revista da DeFato Online, à época em formato impresso (revista) e eletrônico (site). Nada muito impressionante, mas o suficiente para se inserir no ramo. Dali em diante, Sérgio passou por todos os cargos possíveis até se tornar chefe de redação da empresa.
Durante este período, ainda cursou Relações Públicas na UniBH, entre 2006 e 2010. No total, entre as duas passagens que teve pelo veículo de comunicação – intercaladas por outras experiências na assessoria das prefeituras de Ferros, Dores de Guanhães e Itambé do Mato Dentro – foram dez anos de DeFato Online.
A troca
E quando já era conhecido e respeitado dentro da imprensa, além de ocupar um cargo de prestígio, o empreendedor tomou a decisão mais radical da sua vida: deixar o jornalismo para virar dono de um trailer.
A justificativa? Sérgio não via espaço para crescimento caso continuasse na comunicação, mas também não queria se deslocar para outros centros. A terra de Drummond também já havia se tornado sua.
Portanto, tocar seu próprio negócio com o Esplanada Lanches seria uma forma de crescer financeiramente, continuar na cidade e trabalhar com algo que já havia experimentado. Seu primeiro emprego em Itabira também foi no setor de lanches, e coincidentemente, no mesmo espaço do seu empreendimento atual.
Embora a mudança da área de atuação, ocorrida em 2015, tenha sido brusca, o santa-mariense garante que as coisas foram bem planejadas.
“Foi uma decisão pensada, sempre gostei muito do comércio e adoro lidar com pessoas. No meio de uma crise, apareceu a oportunidade do Esplanada Lanches. Meu irmão também já tinha experiência grande no ramo e a gente se uniu, já que comecei com 15 anos a trabalhar com lanches. Decidi mudar totalmente os rumos profissionais da minha vida pensando na oportunidade de crescimento e por ser um ramo que eu gosto”, explica Sérgio.
A crise dos 30, que afeta tantas pessoas, também foi um empurrão para que o ex-morador de Cuité decidisse, ao lado do irmão, arrendar a empresa que está há mais de 20 anos em Itabira. Segundo ele, o setor de alimentos o ofereceu uma perspectiva que não existia anteriormente.
“Uma coisa que eu acho que foi o divisor de águas na minha vida é que eu não queria virar os 30 anos da forma que eu estava. Eu queria mudar, crescer mais, e consegui fazer isso. Mas é um risco. Quando você assume um negócio próprio, o risco é exponencial. Você vai investir dinheiro, na expectativa que aquilo vai dar certo. Eu fiz um plano de negócio muito precário, que deveria ter sido estruturado melhor. Mas, como já era uma área que eu conhecia, acreditava que a chance de sucesso era muito alta”, destaca.
Apesar dos dois empregos serem muito diferentes, a experiência adquirida durante os dez anos em que trabalhou na DeFato foi muito útil para Sérgio em sua nova empreitada.
“Tem uma interface que é essa relação com pessoas. Para ser um bom repórter, você precisa ter habilidades de relacionamento interpessoal. Para conseguir uma boa entrevista, é preciso adquirir uma empatia com seu entrevistado. E isso no comércio faz muita diferença também, você conseguir conquistar o cliente. Essa experiência na comunicação me ajudou a ter as habilidades sócio emocionais que são tão importantes na relação com o cliente”, garante Sérgio.
Pandemia
Assim como vários outros comerciantes, Sérgio e seus dois colegas de empresa foram impactados pelo surgimento do coronavírus. As portas do estabelecimento se fecharam em março, funcionando apenas com o serviço delivery. Após reabrir as portas em outubro, o empreendedor ressalta que o impacto da pandemia foi menor do que o esperado em março.
“No início eu imaginava duas coisas: primeiro que o impacto sobre nossas vendas seria muito maior do que realmente foi, e segundo que a gente ia voltar ao normal mais rápido. Nenhuma das premissas se confirmou, mas uma substituiu a outra. O impacto não foi tão grave, conseguimos sustentar uma venda boa por causa do delivery forte que temos, mas demorou muito mais do que eu achei que demoraria para voltarmos a funcionar.”
Arrependimento? De forma alguma
Cinco anos depois de tomar a decisão mais importante da sua vida, Sérgio relembra que foi muito questionado por outras pessoas. Mas se você pensa que ele se arrepende de ter abandonado a carreira jornalística para vender lanches e bebidas, está enganado.
“Fui muito ‘zuado’ por colegas que diziam ‘nossa, mas você caiu demais de produção, era o cara que trabalhava na DeFato e agora vai trabalhar sábado e domingo, você ficou doido’. Mas nunca fui um cara de status, sempre gostei do operacional, de botar a mão na massa, do chão de fábrica. E lá eu faço tudo, desde atender o telefone até preparar um x-tudo. Não me arrependo de ter feito essa escolha e acho até que mais pessoas deveriam se aventurar no caminho do empreendedorismo. Pode dar errado? Pode. Mas, se der certo, é muito gratificante.”
Embora se dedique integralmente ao Esplanada Lanches, Sérgio ainda mantém alguns laços com o jornalismo. Foram dois anos como assessor de imprensa da Câmara de Vereadores em Itabira, entre 2017 e 2018, e uma passagem pela TV Web da Câmara. Hoje, ele presta serviço para uma agência de conteúdo sobre educação financeira do Rio Grande do Sul.