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Muro da Praça do Povo é grafitado com nomes de escravizados pioneiros na história de João Monlevade

Foto: Divulgação

O muro da Praça do Povo recebeu nesta semana novas pinturas em grafite com uma série de nomes como Carolina, Teodorico, Leonora, Cipriano e outros, alguns acompanhados de informações tais como “casado com Ignácia”. As letras têm estilo inspirado na cultura visual africana e retratam nomes de negros e negras escravizadas que trabalharam para o engenheiro francês Jean Monlevade (1791-1872), fundador da cidade.

Trata-se do projeto “Alátúnṣe (pronuncia-se “alatunxé”), iniciativa do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Compir) e da Fundação Casa de Cultura de João Monlevade (FCC) para marcar o 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Este ano, pela primeira vez, a data foi feriado municipal (Lei nº 2588/2023) e nacional (Lei nº 14.759/2023).

A ideia é divulgar os nomes daqueles africanos e afrodescendentes que, segundo a coordenação do projeto, ajudaram, no século 19, a fundar a futura cidade de João Monlevade no antigo Arraial de São Miguel do Piracicaba, mas “sempre estiveram inviabilizados” na história.

Neste primeiro momento, a coincidência com o período de decoração natalina na praça – que permanecerá no local até 7 de janeiro de 2025 – comprometerá provisoriamente a visualização dos nomes grafitados, mas o projeto não se limitará a este mês nem a este ano. Outros nomes serão acrescentados à divulgação em anos seguintes, e são previstas também ações educativas para disseminar o conhecimento sobre esses trabalhadores e trabalhadoras.

Descoberta

Tudo começou no primeiro semestre deste ano quando o jornalista Wir Caetano, servidor da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), à qual está vinculado o Compir, encontrou em uma tese de doutorado a transcrição dos dois inventários: de Jean Monlevade, com 247 nomes, distribuídos entre suas fazendas: a Solar Monlevade e a Serra, localizada em Tombos de Carangola; e de sua mulher, Clara Sofia, falecida em 1876, quatro anos após o marido, com 105 nomes.

A pesquisa acadêmica, intitulada “Fábricas e Tendas de Ferro em Dinâmicas Escravistas, Termo de Santa Bárbara, Minas Gerais, 1822 – 1888”, foi defendida pela professora de história Martha Rebelatto em 2012 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicada em livro em 2014 pela Fino Traço Editora.

Segundo Wir Caetano, ele procurou a tese depois de encontrá-la citada em um artigo do professor Sérgio Gimenes Romero, do grupo de pesquisa “História e Memória” da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). Há dois anos, a FCC firmou parceria com esse grupo para ter acesso a produções acadêmicas que exploram aspectos pouco ou nada divulgados da história local.

Por meio de conversas, via email, com a autora da tese, o jornalista soube que os inventários haviam sido localizados por ela no Fórum de Santa Bárbara, cidade a que pertencia o antigo Arraial de São Miguel de Piracicaba (atual Rio Piracicaba, de que Monlevade foi distrito até se emancipar em 1964). Em contato com a instituição santa-barbarense, foi informado que os documentos históricos haviam sido transferidos para o Museu da Memória do Judiciário Mineiro (Mejud), em Belo Horizonte. Junto a essa última instituição, o Compir, que é presidido pelo jornalista e gestor escolar Gláucio Santos, conseguiu este mês cópia digitalizada desse material.

Projeto

Após discussões sobre a melhor forma de divulgar os nomes dos escravizados e escravizadas como parte da programação comemorativa do 20 de novembro, a diretora-presidente da Casa de Cultura, Nadja Lirio Furtado, apresentou a proposta do grafite na Praça do Povo. Já o nome “Alátúnṣe” nasceu depois que ela descobriu a Oluwere, escola virtual gratuita da língua africana iorubá. Essa instituição recorreu a uma yá (expressão iorubana equivalente a “mãe de santo” no candomblé) nigeriana que sugeriu “Alátúnṣe”, que designa pessoas que contribuem com a comunidade.

Conforme falas de Nadja Lirio e do jornalista Wir Caetano para o vídeo institucional de divulgação do projeto, a escolha do Praça do Povo para receber os nomes dá “centralidade” à memória desses negros e negras que ajudaram a construir a cidade. Em complemento a esse aspecto, o projeto, por preencher uma grande lacuna na história local, marca de forma significativa o ano em que o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra se tornou feriado na cidade e em todo o país.

 

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