Durante dois anos trabalhei como psicólogo no Hospital Nossa Senhora das Dores. Lá, pude atender muitos tipos de pessoas: crianças, pacientes cirúrgicos, UTI, pessoas que tentaram tirar suas vidas… dentre elas, tive contato com os pacientes em cuidados paliativos, mais conhecidos como “pacientes terminais”. São pessoas que sempre me tocaram de uma maneira diferente. Instigaram-me tanto que o assunto se tornou o tema de minha dissertação de mestrado, e em breve seguirá sendo também minha tese de doutorado.
Nesse período tive o privilégio de acompanhar o fim de vida de muitos pacientes. Pode parecer estranho, mas considero meu trabalho um privilégio. Nestas situações eu atendia o paciente e sua família, além de fazer o acolhimento da família após o falecimento. São experiências que nos marcam, isso é inegável. Atuar no momento mais difícil da vida destas pessoas é bastante desafiador.
Tomando a situação atual, em tempos de pandemia, como isso está ocorrendo? Já era tarefa bastante difícil morrer em um hospital com familiares ao redor. Nesse momento, enquanto eu escrevo, enquanto você lê, há pessoas que estão morrendo longe seus entes queridos, sozinhas, apenas com a presença da equipe de saúde. Até ontem, 26 de maio de 2020, foram 24.512 mortes confirmadas e notificadas por Covid-19 em nosso país. Quantas milhares de pessoas ainda vão morrer desta maneira, sem ter acesso a uma morte digna? E isso não se aplica somente para os pacientes com Covid-19, visto que as visitas nos hospitais atualmente estão bastante restritas a todos os pacientes. Pensar nesse cenário me entristece muito.
Eu também me considero privilegiado de participar de um projeto que atende profissionais de saúde de todo o Brasil que estão na linha de frente do combate à pandemia. Esses profissionais, que atuam em regiões em que a doença está mais avançada, relatam-me semanalmente o sentimento de perplexidade que têm ao saírem de suas jornadas de trabalho exaustivas e verem pessoas na rua, aglomeradas, sem máscaras.
Impossível não lembrar de Freud, que escreveu há mais de cem anos que a morte só se torna uma possibilidade a nós quando alguém que nos é querido morre ou quando nós mesmos ficamos doentes. Contudo, é preciso que cheguemos a esse ponto?
Adotar as medidas básicas de segurança não é só por você. É provável que a maioria de nós que contrair o vírus não tenha sintomas. No entanto, um descuido meu pode provocar o contágio, e talvez a morte de outras pessoas. Mais do que nunca a ação individual se reflete no coletivo. Parece tão simples, não parece? Mas me pergunto: por que é tão difícil de se praticar?
Arthur Kelles Andrade é psicólogo, mestrando em Estudos Psicanalíticos
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