Não há espaço para a barbárie na Constituição
A Constituição não é perfeita, mas provavelmente seu maior erro está fora dela: em seu intérprete. Aquele que teima em confundir liberdade de expressão com libertinagem e destruição
“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”.
Essas palavras são do discurso de Ulysses Guimarães presidente da Assembleia Nacional Constituinte e foram proferidas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição do Brasil.
Hoje, 9 janeiro de 2023, acordamos sob o eco dos fatos ocorridos ontem em Brasília: a destruição física e simbólica do Estado. As imagens que foram amplamente divulgadas por todos os meios de comunicação deixaram boquiabertos todos nós. Cenas que mais pareciam ter saído de um filme distópico.
Como bem disse Ulysses Guimarães, a Constituição não é perfeita, mas provavelmente seu maior erro está fora dela: em seu intérprete. Aquele que teima em confundir liberdade de expressão com libertinagem e destruição.
Não é demais lembrar que logo nas suas primeiras linhas a Constituição nos constitui, acertadamente, como Estado Democrático de Direito que tem como um de seus fundamentos o pluralismo político.
Fundamentalmente, portanto, devemos respeitar as diferenças. Isso implica permitir ao outro que fale, que lute e principalmente que exista. Essa coexistência, por óbvio não implica a concordância em todos os aspectos. Mas a discordância deve ocorrer da forma e meio devidos. Caso contrário abriremos as portas do regresso e da barbárie, exatamente como vimos ontem.
Conhecer o que diz a Constituição nos imuniza de dizer absurdos e fazer comparações incomparáveis. O conhecimento do texto constitucional nos revela que o repudio ao terrorismo é um princípio explícito.
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Há uma teoria que afirma que os direitos fundamentais são um trunfo, exatamente como o jogo, e que ao serem invocados devem superar e sobrepor qualquer outra situação jurídica.
Ocorre que não se pode admitir que a invocação de um direito, como, por exemplo, liberdade de manifestação, aniquile o próprio sistema. Não é possível que haja uma carta que faça com que o jogo se autodestrua.
Se há algo que a Constituição não erra é em proteger os direitos legítimos e o regime democrático. Isso é inegociável.
As instituições de poder – e sim, cabe poder ao Estado – devem agir para preservar a Constituição. E por mais polêmicas e controversas que possam às vezes parecer, seu papel constitucional é o de manter a ordem.
Há na destruição física, o desrespeito simbólico. Atirar ao chão o brasão da República é muito mais que causar dano ao patrimônio material. Não há qualquer resquício de liberdade em uma atitude como essa, nem justificativa que socorra.
É preciso que haja a imposição das regras democráticas, que as responsabilidades sejam atribuídas de forma a assegurar tudo aquilo que a Constituição prevê, a começar pelo devido processo legal. Não há espaço para revanchismo. Por mais que esse sentimento esteja latente é o momento de (re) lembrar Ulysses Guimarães: “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança”.
Pedro Moreira. Advogado. Pós graduado em Gestão jurídica pelo IBMEC. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Atua nas áreas do direito civil e administrativo, em Itabira e região. Redes sociais: Instagram
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