“Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre. Quem traz no corpo a marca, Maria, Maria, mistura a dor a alegria”. O trecho de um dos clássicos do mineiro Milton Nascimento, entoado em coro pelas musicistas itabiranas Jana Beats, Rayene Silva e Renata Araújo, no Teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), traduz o simbolismo do evento de posse das novas secretárias municipais de Itabira: Laura Souza, para a Educação; Nádia Sales, para a Auditoria Interna e Controladoria; e Nélia Cunha, para a Assistência Social.
As três assumirem os seus novos cargos, em um 8 de março, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, é mais uma demonstração da linha progressista adotada pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB), que tem dado destaque às lideranças femininas em seu governo — com sete das 19 secretarias municipais ocupadas por mulheres. Porém, mais do que isso, o ato foi uma contundente resposta a uma das recentes polêmicas no Município.
Desde que foi indicada ao cargo de secretária de Educação, ainda no final de fevereiro, Laura Souza se tornou alvo de uma série de comentários preconceituosos, homofóbicos e machistas vindos de certos setores conservadores da cidade e de lideranças políticas. Além disso, em nível nacional, presenciamos as falas, também machistas, do deputado estadual, por São Paulo, Arthur do Val (sem partido), sobre refugiadas ucranianas.
Esse conjunto de fatores deu o tom de toda a solenidade de posse das novas secretárias municipais. A começar pelo discurso de abertura da solenidade, feito pela jornalista Carol Viera, assessora de comunicação da Prefeitura de Itabira. “Nós mulheres somos metade da humanidade e mães da outra metade. Mas, infelizmente, sofremos todo tipo de discriminação. Seja com salários menores para as mesmas atividades exercidas por homens ou por outras formas de preconceitos, muitas vezes acompanhadas por violências verbais ou físicas”.
“A luta das mulheres pela ocupação de espaços na vida pública passa, sobretudo, pela conscientização das mulheres. Mas, não se esgota nisso. É preciso também que os homens participem conosco desta luta e que, de mãos dadas, possamos construir um mundo sem preconceitos de qualquer espécie. Muito ainda tem a ser feito. Mas, esta posse, conjunta de hoje [ontem] simboliza que Itabira é uma cidade solidária e pronta para ser uma cidade onde as mulheres tenham voz e vez, e que possam ocupar os espaços condizentes com suas qualidades, necessidades e capacidades”, continuou Carol Vieira.
O pedido de respeito às mulheres — e às suas escolhas —, assim como a necessidade de manter o espírito combativo em busca da conquista de direitos, também se fez presente nos discursos de posse das novas secretárias:
Laura Souza, secretária de Educação
Laura Souza iniciou e finalizou o seu discurso citando o teórico da educação Paulo Freire — “A educação é a arma mais poderosa para diminuir a enorme distância que separa aqueles que têm daqueles que não têm oportunidades”, para começar; e “não se pode falar de educação sem amor”, para ao final da sua fala. Ela também agradeceu e ressaltou o trabalho realizado pela sua antecessora, Luziene Lage.
“Cada etapa da educação municipal é de extrema importância para o desenvolvimento dos nossos alunos e para o avanço de nossa sociedade. Mas quero deixar claro aqui a importância do trabalho realizado na primeira infância, em nossas creches, e nos primeiros anos escolares, pois é nessa etapa que temos a construção de princípios fundamentais do ser humano: autonomia, cooperação, solidariedade e respeito. Quero, junto com a nossa gestão, que se apresenta moderna, honesta e corajosa, contribuir para profundas e benéficas mudanças nesse seguimento. Mas não apenas nele, e sim em todas as etapas educacionais pelas quais o estudante itabirano passa”, afirmou Laura Souza.
Ela também não deixou de comentar os ataques que recebeu ao longo das últimas semanas. “Não poderei citar aqui hoje os ataques homofóbicos cruéis dos quais fui alvo nos últimos dias, mas não quero fazer esta noite palco para esses ataques, que só me fizeram ter ainda mais vontade de abraçar com todas as minhas forças o desafio de elevar a educação itabirana aos mais altos patamares de qualidade e relevância. Eu quero destacar hoje a solidariedade que eu recebi de uma parcela enorme de cidadãos do nosso Município”, ressaltou Laura Souza, que também agradeceu o apoio de seus familiares e da sua esposa.
Nádia Sales, secretária de Auditoria Interna e Controladoria
Em seu pronunciamento, Nádia Sales destacou que a Secretaria Municipal de Auditoria Interna e Controladoria tem a missão de assegurar a transparência, a probidade e o cumprimento das leis e procedimentos internos, além de garantir o bom uso do dinheiro público. Ela também destacou o número de mulheres que compõem o governo Marco Antônio Lage e comentou sobre o Dia Internacional da Mulher.
“É um honra muito grande estar aqui hoje neste palco, diante de todas essas pessoas, sobretudo neste Dia Internacional da Mulher. Uma honra e uma grande responsabilidade. A visibilidade desta data precisa sempre estar atrelada à valorização das nossas lutas diárias e à busca incessante por direitos. E como é bom constatar que Itabira, hoje, é uma cidade com uma gestão que respeita de verdade as mulheres. Somos mais três secretárias que entram para somar um time de extrema competência já impactado por mãos femininas desde a sua concepção”, declarou Nádia Sales.
Nélia Cunha, secretária de Assistência Social
Em seu discurso, Nélia Cunha relatou os desafios — e o orgulho — de agora ocupar uma pasta que, em diversos momentos, foi entregue a secretários homens. Também ressaltou o alto número de mulheres que têm assumido o protagonismo na gestão pública do Município. Além de reforçar o seu compromisso e afirmar que a equipe da Assistência Social está preparada para desenvolver o trabalho necessário na cidade.
“Me sinto honrada em assumir a Secretaria de Assistência Social. Tenho certeza que todos nós, assistentes sociais de Itabira, temos hoje condições de ocupar uma cadeira, seja na Assistência Social, Câmara Municipal ou qualquer cargo público. Hoje, no Dia Internacional da Mulher, não posso deixar de enfatizar que ocupar uma cadeira no poder Executivo Municipal, que por anos sempre foi direcionada, em sua maioria, aos homens, é um grande desafio. Hoje digo às minhas colegas de profissão e à todas as mulheres aqui presentes: eu, mulher negra, mãe e em idade fértil, consegui! E observem: no governo são sete portas abertas às mulheres”, destacou Nélia Cunha.
Mulheres no palco
Durante a solenidade, diversas mulheres ocuparam o palco do Teatro da FCCDA. Um ato que demonstrou a importante presença feminina em cargos de liderança tanto no poder público quanto em entidades representativas sociais de Itabira. Fizeram parte:
Nádia Sales, secretária de Auditoria Interna e Controladoria; Laura Souza, secretária de Educação; Francisca Gomes, vice-primeira-dama; Nélia Cunha, secretária de Assistência Social; Luciana Sampaio, secretária de Saúde; Natália Lacerda, secretária de Esportes, Lazer e Juventude; Karina Lobo, diretora-presidente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae); Patrícia Guerra, secretária de Planejamento e Gestão; Luziene Lage, então secretária de Educação; Ana Maria, secretária em exercício de Agricultura e Abastecimento.
Assim como Flávia Pantuza, diretora geral UNIFUNCESI e representante da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agropecuária de Itabira (Acita); Maria das Graças (Dadá) Presidente da Interassociação; Tatiana Gavazza, presidente do Conselho da Mulher; e Patrícia de Freitas Vieira, presidente da 52ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Itabira).
Primeira-dama
Raquell Guimarães também esteve na cerimônia e não deixou de se pronunciar. Em seu discurso, falou sobre o preconceito estrutural em nossa sociedade e falou sobre a luta feminina. “O machismo me atropelou e eu, finalmente, entendi que não se trata de preconceito de homens achando que as mulheres são menos, mas sim que se trata de uma política violenta — e tão violenta e agressiva quanto o racismo”.
“Hoje [ontem], a minha voz é um grito contra essa política de inferiorização, violência, humilhação, tortura e extermínio da condição feminina. (…) Não é exagero, não é vitimismo. São conclusões de pesquisas importantes e dados alarmantes — feminicídio, estupro, humilhação e uma cultura instaurada de violência psicológica cotidiana que tenta aniquilar o nosso gênero. É por isso que eu grito socorro, não dá mais! Não temos paz nem em uma fila de refugiados, onde bombas caem do ceú e a única coisa que queremos é sobreviver. Grito também, em particular, por Laura [Souza]”, declarou Raquell Guimarães.
Por fim, encerrando a cerimônia, a então secretária de Educação, Luziene Lage, que ficou a frente da pasta por pouco mais de um ano, foi homenageada pelo prefeito Marco Antônio Lage.