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Nosso Lar – “Esta casa é uma flor que emergiu do lodo”

Foto: José Sana

Meados de 1977. Reunidos  numa residência do Bairro Penha, em Itabira, um grupo de praticantes da doutrina Espírita (Centro Espírita Bezerra de Menezes) decide iniciar as atividades de funcionamento de uma creche no Bairro Eldorado. As providências burocráticas estão sendo tomadas. Móveis, utensílios, objetos diversos são adquiridos e/ou entregues em doação por cidadãos de boa vontade.

O local de funcionamento está definido. Alugado um imóvel precariamente, esse trabalho está sendo organizado por uma equipe liderada por Delcídio e Marília Comunian. O casal representava a diretoria provisória da entidade. Comunian é eleito, por aclamação, presidente do grupo que recebe o nome de Associação de Proteção à Infância Nosso Lar. Jésus André tesoureiro; eu, secretário; outros e muitos, no batente. E fomos trabalhar. Legalizamos os papéis, colocamos oito crianças  menores  de um ano sob  nossa responsabilidade e cuidamos considerá-las nossas filhas.

Vieram de casais e/ou mães solteiras, carentes. Enfrentamos, no início, alguma dificuldade, porque, anteriormente, os cômodos tinham sido abrigo das chamadas “mulheres da vida”. O preconceito nos prejudicou, embora tenha ajudado os moradores das proximidades, os quais ficaram livres das desordens noturnas.

Paralelamente ao funcionamento, iniciado logo a seguir, começamos a tomar posse de um terreno no Bairro Amazonas, doado pela Prefeitura, e iniciamos a construção planejada e executada pelo sistema de mutirão. O grupo tinha a participação de Sônia Rodrigues, Wéber Alvarenga Lage, Alzira Guedes Costa e Lima  (que presidiu a organização após o falecimento de seus líderes), Nivaldo Drumond, Ari, Ermelinda, Darcílio e  outros que me fogem à memória, além dos diretores citados.

Solenidade simples marcou a inauguração com a presença do prefeito Dr. Jairo Magalhães Alves e a primeira-dama do Estado, Latife Haddad Pereira Santos. Registro a frase que, para entendimento de todos os presentes, emoldura a obra com excelente resultado social: “Esta casa é uma flor que emergiu do lodo”, afirmou, enfaticamente, o prefeito. Em janeiro de 1978, foi lançada a pedra fundamental da obra definitiva que agora mostra como vale a pena um esforço de quase 50 anos de luta incansável.

No dia 22 de fevereiro  de 2024, estivemos no Nosso Lar (Marlete e eu), vimos uma obra que se transformou em prêmio para a região e seus esforçados colaboradores. A notável chamada de atenção teria passado em branco não fosse vista ao longo dos anos. Hoje, 48 funcionários trabalham na belíssima casa e entre eles, comovidamente, há ex-moradores em função inversa, ou seja, prestando serviços. Que beleza! Como se fosse uma retribuição. Toda a equipe que nos recebeu foi representada pela presidente Joanita Peluchi e pela coordenadora administrativa Maria Bonifácia Gonçalves (Margô). Os  seguidores da doutrina codificada por Alan Kardec se multiplicam.

São hoje atendidos 175 cidadãos mirins da faixa etária de seis meses a quatro anos, em três unidades (Madre Maria de Jesus, Praia e Santa Marta). Em tempos passados o número era nitidamente menor e labutamos em um endereço com a ajuda da comunidade itabirana. Na época, o Espiritismo era tido como mau augúrio para não dizer nome mais feio. Em  10 de abril de 1978 foi inaugurada a atual sede de Nosso Lar.

Um diferencial: tínhamos um médico disponível, que trabalhava 24 horas por dia, de domingo a domingo, durante 20 anos, sem receber um minguado centavo. Ele está hoje com 102 anos de idade, cem por cento lúcido, com saúde total e feliz da vida. Quem quiser ver sua foto, ela ornamenta o gabinete de dirigentes do Nosso Lar, reconhecedores de que no mundo ainda habita espírito solidário, provavelmente transportado de outros tempos, como ainda os há na creche itabirana. Refiro-me ao médico Colombo Portocarrero de Alvarenga.

Ele é o exemplo mais claro que Itabira tem em termos de serviços prestados à comunidade gratuitamente e com excesso de amor. Temos várias testemunhas para mostrar a quem gosta de ver provas e às vezes pensa que papel e internet só aceitam mentiras deslavadas.

Ao comunicar a Dr. Colombo como vai o progresso do Nosso Lar, que foi o seu lar também, ele apenas armou um sorriso, com certeza honrado pela silenciosa felicidade de contribuir com algo tão nobre.

Para quem gosta de ver a verdadeira humildade jorrar como mel da boca de quem não precisa bancar o falso fariseu, eis a sua reação: “São heróis aqueles que sustentam o trabalho no dia a dia e eu só estive lá quando fui chamado ou era escala do dia”. Até às duas da manhã ele compareceu, de olhos arregalados e rútilos, para levar a cura aos órfãos que buscavam a felicidade. 

 

José Sana é jornalista, historiador, professor de Letras e ex-vereador em Itabira por dois mandatos, onde reside desde 1966.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

 

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