Os desentendimentos entre prefeitos e vice-prefeitos estão no DNA da política itabirana. Esse modelo de arranca-rabo já virou uma tradição de Mato Dentro, desde os tempos de “cidadezinha qualquer”.
A seguir, alguns exemplos históricos – apenas para refrescar a memória, nesses dias de sol de rachar mamonas. Na reta final do mais trágico governo do município, o vice Virgílio Gazire rompeu com o prefeito Daniel de Grisolia, que cometeria suicídio. Esse episódio ocorreu na longínqua década de 1970. Mais à frente – nos anos 1990 – Li Guerra e Ademar Mendes bateram de frente. A confusão foi de alta tensão. Um terremoto.
Mendes saiu literalmente escorraçado do terceiro andar da prefeitura. Já no novo milênio, na metade do segundo mandato, João Izael e Roberto Chaves se estranharam. Na sequência, Damon de Sena e Reginaldo Calixto colidiram frontalmente. Ainda há pouco- no apagar das luzes da última administração municipal- Ronaldo Magalhães e Dalma Barcelos tiveram ligeira “desinteligência”.
E, agora, pinta um cenário bastante previsível: o entrevero entre Marco Antônio Lage e Marco Antonio Gomes. Uma briga de Marcos grandes. A desavença entre os xarás, porém, é muito diferente dos conflitos anteriores. Os forrobodós do passado revelam um motivo bastante evidente: um vice no ostracismo em busca do protagonismo perdido.
Era samba de uma nota só. Mas, atenção. Vice não é poder, mas apenas expectativa de ser (poder). O prefeito é o único detentor do ato discricionário. Em outras palavras. O mandachuva da cidade pode tudo, desde que a Constituição Federal permita. O vice – ao contrário – nada pode.
Nessa era dos Marcos, a “beligerância” itabirana é uma imagem bastante ilustrativa do atual cenário político brasileiro. E fica aqui uma constatação: Marco Antônio e Marco Antonio são idênticos apenas nos nomes, noves fora o circunflexo. Pragmaticamente, porém, são entidades totalmente distintas. Marco, o Lage, é politicamente de esquerda e liberal nos costumes. Marco, o Gomes, é liberal na política (até com verniz de extremismo), mas conservador nos costumes.
Como se não bastasse, esse antagonismo ainda tem um vício de gestação. O prefeito é membro do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Pelo menos, teoricamente, o PSB é uma legenda de esquerda. O vice está filiado ao Partido Liberal (PL), uma agremiação tipicamente de direita. E mais: Lage é lulista. Gomes é bolsonarista de carteirinha. Então, está muito claro. A coligação dos atuais dirigentes de Itabira é uma bizarrice ideológica. Afinal, socialismo e liberalismo são líquidos imiscíveis.
E, como se observa, o aparente “harmonioso” casamento (de Marco com Marco) começou com prazo de validade. A qualquer instante, o leito nupcial fatalmente desabaria. E a gota d’água (ou tempestade mais que perfeita) foi a proposta de criação do Conselho Municipal LGBTQIA+, um compromisso do prefeito com a comunidade gay.
Outra iniciativa do chefe do Executivo fez subir ainda mais a temperatura da intolerância: a nomeação da professora Laura Souza- uma ativista do movimento LGBT – para a Secretaria de Educação. Essas duas ações de Marco Lage provocaram um temporal de baixarias, com direito a intervenção atabalhoada do deputado Léo Portela. O parlamentar distribuiu caneladas a granel.
Resumo da ópera: o confronto Marco contra Marco era inevitável. E a quizumba toda não aconteceu acidentalmente. A coisa se deu no âmbito da polarização do bananal (ou nós contra nós). Mas o vice recuou. Gravou e divulgou um vídeo.
Disse que o que disse não era o que disse. Só faltou afirmar que sua atitude precipitada foi fruto da tentação de um dos demônios, que infestam os labirintos do paço municipal. O estrago, todavia, está feito. Então, é melhor exorcizar o tinhoso. Até mesmo para a “salvação” de Itabira.
PS: Quem quiser saber um pouco mais sobre o arranca-rabo Li Guerra x Ademar Mendes, consulte a enciclopédia Márcio Passos. Para maiores informações sobre exorcismo do tinhoso, procure Cácio Guerra.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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