O título dessa coluna vale para todo o Brasil, exceto a cidade de São Paulo, claro. O atual pleito para prefeitos e vereadores conserva a paz de um templo budista. É convite para silenciosa meditação. A refrega paulistana é diferente. Lá é só arruaça. O cenário da grande metrópole supera o caos do mais sórdido bordel de periferia. O arranca-rabo entre os competidores é reflexo das pesquisas de opinião. Os levantamentos da semana passada mostram consistente disputa entre Ricardo Nunes, Guilherme Boulos e Pablo Marçal. A diferença é um focinho de cavalo. Confira os números do Datafolha: Nunes: 27%; Boulos: 25% e Marçal: 21%. Esse quadro demonstra que a briga pelo Palácio do Anhangabaú (ou Edifício Matarazzo) pode terminar em patada. Ou melhor, empatada. Patadas para todos os lados. E tomem cadeiras voadoras e sopapos a granel.
Outras cidades tupiniquins vivem um clima mais ameno. Em Belo Horizonte, por exemplo, os candidatos passam a maior parte do tempo num dilema freudiano. A discussão agora é sobre “qual é a cara mais feia de BH”. E eleitor algum sabe o real significado dessa “controvérsia”. Mas não se preocupe. Ainda há uma aparente batalha pelo voto na capital mineira. Acredite se quiser. E ponto.
Aproveito a pausa para fazer singela indagação: quando se inicia a competição em Mato Dentro? Difícil responder. Nunca se viu um sufrágio tão picolé. A Antártida é um Saara perto de Itabira. A campanha se desenvolve com a elegância de um pinguim: fria, trôpega e desengonçada. Muito diferente do passado. A terra do Poeta Maior já foi palco de embates memoráveis, empolgantes, hilários e até folclóricos.
Daniel de Grisolia foi um ator formidável. Os canastrões de hoje nem passam nas proximidades do rei da DGlândia. Grisolia era autêntico (para rimar com excêntrico). Interpretava o papel de DG com rara competência. No carnaval, amarrava vários penicos velhos à cintura com uma corda de bacalhau. Subia e descia a rua Santana continuamente com essa parafernália exótica. O calçamento de minério de ferro era cúmplice da barulheira infernal.
O médico Jairo Magalhães Alves era contido, mas apresentava desempenho marcante na arte da retórica. O popular Doutor Jairo sempre foi irônico e espirituoso. Ele construiu o imóvel da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA) no início da década de 1980. A iniciativa causou polêmicas. A oposição pegou no pé. “Obra faraônica, desperdício de dinheiro público”, vociferavam os adversários. Em um pronunciamento, no bairro Pará, o mandatário deu o troco com estilo: “alguns vereadores estão me atacando porque estou construindo um espaço para abrigar a Fundação Cultural. Eu não ligo para a conversa deles. Respeito e gosto muito desses oposicionistas. Inclusive, plantei aquele gramado na frente do prédio em homenagem a esses senhores. Sirvam-se e tenham um bom apetite!”, fez o corte com afiado bisturi.
Algumas votações de Itabira acabaram em ninharias. Wilson Soares derrotou Jody Machado por microscópica diferença de três eleitores. Ronaldo Magalhães superou Jackson Tavares por míseros 650 votos. As eleições de antigamente eram preciosos testes para o coração. Os grandes comícios atraíam uma multidão. As ruas ficavam lotadas.
Certas passagens entraram para o anedotário e invadiram as páginas do folclore político de Itabira. Uma delas. Em determinada ocasião, um concorrente ao cargo de prefeito anunciou que despencaria de paraquedas em Ipoema. A façanha ocorreria no dia da festa da padroeira. Na verdade, um paraquedista profissional pulou no lugar do sujeito e caiu no meio do mato. O candidato (ou suposto paraquedista) entrou nas ruas do distrito no “modo apoteose” com um paraquedas nas costas. O “artista” arfava, suava mais que tampa de chaleira e exibia os cabelos em desalinho. Pura encenação. Outra contenda das urnas terminou em prosaico suposto sequestro. Foi emocionante. O episódio inspiraria Drummond em seus momentos de fina ironia. Mas, e hoje? Por favor, esclareça minha curiosidade atroz: quando começará o processo eleitoral daqui? Essas são as mais modorrentas eleições da história de Itabira. Haja!
P.S.: Em um pleito, na década de 1990, quase sequestraram o bispo dom Mário Gurgel. Um famoso político da cidade percebeu que o religioso estava interferindo informalmente no processo eleitoral. E autorizou a besteira. A “coisa” só não aconteceu por detalhes. Na verdade, o dono da Mitra sempre se envolveu (com muita competência) nas eleições municipais. E mais: o “porta-voz de Deus” não tinha o hábito de perder, embora tivesse o hábito.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.